Na sessão solene no Parlamento, os partidos recordaram o histórico dirigente socialista e prestaram-lhe homenagem independentemente das divergências ideológicas.

Marcelo Rebelo de Sousa

O Presidente da República homenageou hoje "a vida singular, irrepetível" de Mário Soares, "sempre livre, sempre igualitário, sempre anti-xenófobo", e considerou que sem ele a liberdade e a democracia em Portugal teriam esperado mais.

"Sem ele, Mário Soares, não seria possível uma sessão evocativa tão livre como a de hoje: uns livremente evocando mais os seus méritos, outros evocando livremente os seus deméritos. Uns louvando a democracia que ajudou a construir, outros querendo outro futuro que não o que ele sonhou", afirmou.

"Foi isso, a liberdade e a democracia, que ele ajudou a criar. Foi isso que permitiu este parlamento livre e a sessão solene que estamos a viver", acrescentou.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, sem Mário Soares "a sua coragem e as suas convicções, que eram de um partido, nos ultrapassavam em muito um partido, a liberdade, a democracia e a Europa teriam esperado mais, ou vivido atalhos mais penosos, ou conhecido mais sobressaltos ou empecilhos, ou mesmo conflitualidades internas, autoritarismos ou desvios não democráticos".

O Presidente da República questionou "quem esteve, como Mário Soares, tão presente e tão decisivamente presente nos três tempos políticos: o tempo da ditadura, o tempo da revolução, o tempo do nascimento da democracia, o tempo das duas primeiras décadas dessa democracia".

"Do universo partidário, nenhum. Do universo militar, sim, largamente um: o primeiro Presidente da República português eleito em democracia, decisivo no fim da revolução, no início da democracia, na civilização do regime, no regresso dos militares aos quartéis e na abertura da governação à direita", considerou, realçando em seguida, porém, que Ramalho Eanes "não tinha participado na resistência à ditadura, em que Mário Soares tinha intensamente militado durante 30 anos".

Aguiar Branco (Presidente da Assembleia da República)

O presidente da Assembleia da República afirmou hoje que o antigo chefe de Estado Mário Soares é figura do presente, antecipou as respostas ao populismo e polarização política, acreditando que o parlamento era solução e não problema.

Esta posição foi defendida por José Pedro Aguiar-Branco na sessão solene evocativa do centenário do nascimento do fundador e primeiro líder do PS, Mário Soares, num discurso que antecedeu o do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e que foi aplaudido de pé pelo PS e PSD. Apenas o Chega não bateu palmas.

No seu discurso, o antigo ministro social-democrata considerou que o tempo político “é outro” face ao vivido por Mário Soares, Presidente da República entre 1986 e 1996 e primeiro-ministro de três governos constitucionais (1976/1978, 1978 e 1983/1985), “mas os desafios nem por isso são menores” e, por vezes, “até são muito semelhantes”.

“Discutimos a liberdade de expressão e a pluralidade, o que podemos dizer e o que não gostamos de ouvir, discutimos o debate político no seu conteúdo, mas também na forma como o mesmo se faz, umas vezes mais inflamado, outras vezes mais musculado. Discutimos a polarização e o populismo. Discutimos o que devemos fazer, como devemos fazer e como reagir para garantir o equilíbrio”, assinalou José Pedro Aguiar-Branco.

A seguir, concluiu: “O que hoje discutimos já Soares tinha antecipado”.

De acordo com o presidente da Assembleia da República, “como bom republicano”, Mário Soares acreditava que o parlamento “não era, não é, não pode ser um problema”, mas tem de ser “a solução”. Uma declaração que mereceu palmas do PS, PSD e CDS.

Mário Soares, prosseguiu Aguiar-Branco, acreditava que “a polarização não se resolve com proclamações de virtude, mas com política, fazendo política no sentido nobre que a palavra tem, discordando com lealdade, negociando com abertura, construindo o futuro com rasgo e visão”.

“Concordemos – ou não – Mário Soares nunca deixou de assumir todas as suas decisões e as consequências das mesmas, mais ou menos populares, mais ou menos difíceis, com coragem e sentido de responsabilidade, mesmo que à custa de votos, apoios ou até amigos. Uma boa prática que foi caindo em desuso nos nossos tempos”, considerou José Pedro Aguiar-Branco.

Em relação ao presente, o presidente da Assembleia da República advertiu que, sete anos depois da morte de Mário Soares e cem anos depois do seu nascimento, esse presente só aos atuais políticos diz respeito.

“É nossa responsabilidade preservar a capacidade de sentar todos na mesma sala para que se entendam nos seus desentendimentos, para que concordem discordando, para que sejam iguais nas suas diferenças. Preservar este seu legado não é uma questão de estima pessoal. É uma necessidade do próprio sistema político” desta nossa democracia, frisou.

“Mário Soares não é uma figura histórica ou do nosso passado, é de hoje. Mas o que fizermos neste hoje dirá se Mário Soares também é futuro”, completou, reforçando os seus avisos.

No seu discurso, José Pedro Aguiar-Branco apontou que esta é a segunda vez em democracia que o parlamento homenageia um político numa sessão solene. A primeira foi com Francisco Sá Carneiro, em 1990, altura que Mário Soares era Presidente da República.

O presidente do parlamento referiu que Soares, na sua intervenção, explicou que Sá Carneiro marcou “pela sua personalidade inconfundível, frontalidade, patriotismo, coragem e inteireza de caráter uma época decisiva do percurso democrático, tão repleto de dificuldades vencidas”.

“O Presidente Soares era, por aqueles dias, a chamada força de bloqueio aos governos de Cavaco Silva, mas achou mais importante homenagear Sá Carneiro do que marcar posição no xadrez político da ocasião. Em algumas sociedades, acredita-se que um Homem viverá o tempo em que for lembrado, viverá o tempo em que lhe forem exaltadas as virtudes. Só isso justifica as elegias, os elogios, as estátuas e as homenagens. Lembramos para não esquecer, lembramos para manter vivo um legado”, salientou o presidente da Assembleia da República.

José Pedro Aguiar-Branco recordou o fundador do PS como “o homem” da admiração por Álvaro Cunhal e da amizade com o general Spínola, o protagonista do 25 de novembro de 1975 e o responsável do resgate do PCP, o decisor da amnistia às FP-25 de abril e da reabilitação dos homens da extrema-direita do MDLP, “o homem” da Constituição de 1976 e do apoio convicto a sucessivas revisões constitucionais.

“Muito mais que o fiel da balança, Mário Soares foi um pêndulo. Deslocava-se de um lado para o outro em função daquilo que acreditava ser o melhor para o país em cada momento. Abdicando, quando em causa um bem maior, de dogmatismos, tanto ideológicos como partidários. Sem inflexibilidades, sem intransigências”, acrescentou o presidente da Assembleia da República.

Partido Socialista (PS)

Na intervenção em nome do PS na sessão solene evocativa do centenário do nascimento de Mário Soares, no parlamento, Pedro Nuno Santos, que se afirmou socialista desde que nasceu, referiu que o antigo Presidente da República foi a sua “referência política” e o político português que “mais admirava” e com quem mais se identificava.

“Quem dedicou sete décadas da sua vida à política expressou, em momentos distintos, diferentes opiniões e tomou diferentes posições, mas tal não significa que o seu percurso seja marcado por contradições”, defendeu.

Segundo o secretário-geral do PS, “Mário Soares esteve sempre do lado certo das lutas em que tomou parte”.

“Em tempos sombrios, Soares esteve do lado certo na luta contra a longa noite da ditadura, batendo-se com toda a sua inteligência e coragem. Gabava-se, e tinha esse direito, de nunca ter cedido perante a tortura de sono a que foi submetido”, enalteceu.

Pedro Nuno Santos deu como exemplos do “lado certo” onde considera que o fundador do PS sempre esteve a “prioridade dada ao processo de descolonização”, a adesão de Portugal à CEE, o empenho na fundação do SNS, a revisão constitucional de 1982, que “pôs fim à tutela militar do regime democrático”, a “crítica feroz” à austeridade durante a ‘troika’ ou a procura da união da “esquerda contra um direita radicalizada”.

“Se, aos olhos de muitos, entrou em contradição ao longo do tempo, a minha convicção é a oposta. É minha convicção que o mundo mudou, nestas décadas, muito mais do que Mário Soares e que as inflexões no seu posicionamento resultam mais dos efeitos do pêndulo da História do que de incoerências no seu pensamento”, afirmou.

Para o líder do PS, “Soares viveu a História não como espetador, mas como protagonista e lutador incansável”, considerando que “contra a ditadura, foi resistente, conspirador, agitador”.

Segundo Pedro Nuno Santos, “a vida política de Soares vale como um todo”, recusando que, para a avaliar, se escolha o período que “mais convém ou mais agrada”, de acordo com a conjuntura do momento ou a posição que se quer defender.

A ideia de que a vida política de Soares vale como um todo foi uma das lições que o líder socialista retirou de uma reunião do núcleo duro da campanha após a pesada derrota que o histórico socialista teve nas presidenciais de 2005, campanha na qual foi responsável pela juventude, então como secretário-geral da JS.

Admitindo que essa reunião o impressionou e que Soares era o único “positivo e animado” quando os restantes estavam “acabrunhados e a carpir mágoas”, Pedro Nuno aprendeu “o real sentido da frase ‘só é vencido quem desiste de lutar’" e que "não há idade de reforma para a intervenção política".

Para o líder do PS, a história de Soares confunde-se com a história de Portugal do século XX e, tendo todos os seus cargos políticos tido "um princípio e um fim", o seu pensamento, ação política e resultados da mesma "vão perdurar" e inspirar muitos.

"Quando recordam esse intenso percurso, muitos procuram depurar o verdadeiro Soares, aquele que, no seu entender, a história deve guardar como referência", disse, considerando que tentam distinguir "o verdadeiro Soares moderado do Soares radical”.

No entanto, para Pedro Nuno Santos, “não existe contradição entre o Soares moderado e o Soares radical”, destacando como uma das suas maiores obras a fundação do PS cujo legado promete que tudo fará para honrar.

PSD

O deputado do PSD António Rodrigues defendeu que recordar o histórico socialista “é celebrar Abril e o papel de todos aqueles que contribuíram para a construção da democracia, sem atender a dogmatismos ideológicos e dissidências políticas”, recebendo aplausos quer do PS quer do PSD.

“Falamos do homem que, a par de Francisco Sá Carneiro, lutou intransigentemente contra os radicalismos da extrema-esquerda e da extrema-direita durante o PREC. Falamos do europeísta convicto, que foi determinante para a adesão de Portugal às Comunidades Europeias”, disse, recordando-o como “uma das maiores personalidades da nação das últimas décadas”.

António Rodrigues lembrou também Soares como alguém pouco dado a consensos e “cujos detratores lhe atribuem responsabilidades num incomodo processo de descolonização”, preferindo sugerir qual seria o seu papel atual, se fosse vivo.

“Estaria hoje na linha da frente do combate contra os radicalismos que assolam o nosso país e, em particular, contra todos aqueles que querem tornar este parlamento numa mera política do espetáculo. Por mais tarjas que se pretendam pendurar e muros que se pretendam erguer, não devemos, nunca, dar por adquirida a luta iniciada por Mário Soares após o 25 de abril: a democracia não é um dado adquirido, constrói-se todos os dias, com todos e para todos”, enfatizou.

Chega

André Ventura, recordou “o papel incontornável” de Soares no 25 de Novembro e nos primeiros passos do país na Europa, mas fez o discurso mais crítico para o evocado.

“Não podia estar hoje neste plenário se não deixasse claro e transmitisse em nome do partido que esta cerimónia solene desta forma, neste modelo, não deveria estar a acontecer”, afirmou.

Ventura acusou Soares de ter sido “cúmplice e ativista de um sistema de donos disto tudo, que se iniciou à sua sombra e se manteve à sua sombra”.

“À sombra de Mário Soares, o espírito do PS apoderou-se do aparelho do Estado”, criticou, acusando-o ainda de ser responsável por uma “descolonização desumana e mal feita”.

Iniciativa Liberal (IL)

Pela Iniciativa Liberal, o líder parlamentar, Rodrigo Saraiva, referiu que, como todas as grandes personalidades, Soares “tem sombras e luzes”.

“Neste centenário do seu nascimento, devemos concluir que o balanço global da sua atuação política é positivo. Em momentos fundamentais da nossa democracia, ele esteve do lado certo”, disse, apontando o combate ao Estado Novo ou o posicionamento contra o comunismo.

Do lado negativo, apontou a Soares responsabilidades em características negativas do sistema que perduram como “o centralismo, um estado omnipresente , o compadrio, o despesismo e o dirigismo”, e aludiu igualmente ao seu papel na descolonização e à forma como geriu, já em Belém, os “assuntos de Macau”,

Bloco de Esquerda (BE)

Pelo BE, o deputado José Soeiro lembrou um Presidente que “defendeu «o direito à indignação» quando o povo bloqueou a ponte 25 de Abril, no fim do cavaquismo” e que “saudou a solução política encontrada em 2015” – a denominada geringonça, que juntou a esquerda parlamentar e o PAN.

José Soeiro recordou Soares como “um dos maiores protagonistas da política portuguesa”, “combatente anticolonial e antifascista, advogado de presos políticos, preso político doze vezes”, deportado e exilado.

“Ao longo da sua longa vida, aliou-se com a esquerda e opôs-se à esquerda, privatizou e criticou as privatizações, liberalizou e criticou o liberalismo, precarizou o trabalho e criticou a precariedade. Foi o mais comprometido obreiro da integração de Portugal na União Europeia. Censurou ferozmente, nos últimos anos da sua vida, a “desorientação neoliberal da União Europeia”. Foi contraditório e frontal nas lutas que escolheu. «Morre quem desiste», terá dito”, assinalou.

“Nem pai do povo, nem mito profano. Republicano, socialista e laico, sim, como o próprio se definiu. Merece tudo menos a condescendência da despolitização e do consenso”, disse.

PCP

O deputado do PCP António Filipe, que começou por saudar os familiares de Soares e o PS, recordou que a centenária história dos comunistas cruzou-se muitas vezes com a ação política do líder socialista, “em lutas comuns contra o fascismo, em momentos de confronto sobre os caminhos a seguir pela Revolução Portuguesa, em convergências e divergências que marcaram o relacionamento entre comunistas e socialistas”.

“Confronto que da nossa parte foi assumido com frontalidade, marcado pela coerência das nossas posições, mas também pautado por relações de respeito mútuo”, sublinhou.

Discordando das “convicções europeístas” de Soares, e a “frontal oposição” dos comunistas aos governos liderados pelo socialista, António Filipe recordou também, contudo, as eleições presidenciais de 1986, nas quais o PCP apelou ao voto em Soares contra Freitas do Amaral – tapando a sua cara no boletim de voto se fosse preciso, apelo célebre de Álvaro Cunhal.

Livre

Pelo Livre, o deputado Paulo Muacho, lembrou Soares como “o resistente antifascista, o exilado político, o lutador pela democracia e pela integração europeia” mas também “o homem, com todos os seus defeitos e contradições”.

Paulo Muacho realçou que o socialista “foi um defensor dos Estados Unidos da Europa e do federalismo europeu”, tendo assinado o tratado de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1985, e que “acreditou sempre no sonho de uma Europa unida, democrática e plural”.

Recordando as famosas sestas de Soares, Muacho sublinhou a importância do tempo para o descanso e da semana laboral de quatro dias defendida pelo Livre.

“Soares nunca aceitaria a passividade perante o perigo, nunca aceitaria o enxovalhar das instituições, não encolheria os ombros ao ataque a portugueses de minorias étnicas e não aceitaria que se usasse os estrangeiros como botes expiatórios”, defendeu, momento aplaudido pelas bancadas à esquerda.

CDS-PP

O ministro da Defesa e líder do CDS-PP, Nuno Melo, saiu a meio deste discurso e já não ouviu Ventura dizer que “nenhuma cerimónia evocativa poderia esquecer um legado profundamente negro” que considera ter tido Mário Soares.

Mas pelo CDS-PP, o deputado João Almeida recordou o contributo político para a democracia do “adversário político” Mário Soares, mas também “as divergências profundas” e o que classificou do seu “maior erro político”.

“Não poderíamos recordar o legado de Mário Soares, sem lembrar os portugueses que, em 25 de Abril de 1974, viviam nos territórios ultramarinos e que foram vítimas de uma descolonização apressada, desumana e irresponsável”, criticou, numa passagem que mereceu palmas da bancada do Chega.

No entanto, o deputado do CDS-PP fez questão de reconhecer “o contributo decisivo e convicto de Mário Soares para o triunfo da democracia em Portugal”, enaltecendo “o combate sem tréguas à extrema-esquerda e às suas intenções totalitárias”.

“É justo reconhecer que Mário Soares, quando estava em causa a governabilidade e o interesse nacional, sempre procurou equilíbrios e apoios à sua direita e não à sua esquerda. Com Soares nunca houve maiorias construídas à esquerda do PS”, destacou, vincando diferenças para o atual PS, “que tantas vezes cede à tentação do radicalismo e do frentismo de esquerda”

PAN

A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, destacou “o importante contributo que Mário Soares deu para a defesa do ambiente e de um combate sério ao aquecimento global”, tendo representado Portugal na Cimeira da Terra de 1982.

Recordando que na altura tinha “apenas 12 anos”, e era uma estudante “com bochechas tal e qual como tinha o presidente na altura”, Sousa Real assinalou que há um “legado progressista, humanista mas também ambientalista para cumprir”.

*Com Lusa