Através de um decreto em Motu Proprio, o Papa Francisco informou hoje que decidiu voltar a restringir o uso do missal pré-Concílio Vaticano II, ou seja, existem limitações à celebração da missa segundo o "Rito Antigo".

Em 2007, Bento XVI apresentou um documento em que facilitava a celebração da missa em latim e numa carta explicava que o missal saído do Concílio Vaticano II "é e permanece" como forma "normal" de liturgia e que o tridentino é "extraordinário".

Além disso, precisou então que a missa em latim, segundo o ritual tridentino, nunca foi juridicamente suspensa e sempre foi permitida e que nestes anos muitas pessoas e movimentos, como o arcebispo Lefebvre, permaneciam ligados ao culto, daí a necessidade de um regulamento mais claro para chegar, inclusive, a "uma reconciliação interna no seio da igreja".

Agora Francisco põe limites às celebrações em latim, depois de ter enviado, em 2020, um questionário à Congregação para a Doutrina da Fé para ver como estavam a decorrer as missas após o documento do Papa Bento XVI. Afirmando que as respostas obtidas o preocuparam, decidiu agora intervir.

"São evidentes para todos os motivos que levaram São João Paulo II e Bento XVI a conceder a possibilidade de uso do Missal Romano promulgado por São Pio V, publicado por São João XXIII em 1962, para a celebração do Sacrifício Eucarístico. O corpo docente, concedido por indulto da Congregação para o Culto Divino em 1984 e confirmado por São João Paulo II no Motu Proprio Ecclesia Dei de 1988, foi motivado sobretudo pelo desejo de favorecer a recomposição do cisma com o movimento liderado pelo Arcebispo Lefebvre. O pedido, dirigido aos Bispos, de acolher com generosidade as 'justas aspirações' dos fiéis que pediram o uso daquele Missal, tinha, portanto, um motivo eclesial para recompor a unidade da Igreja", começou por referir Francisco, justificando posteriormente o motivo da sua atual decisão.

"Infelizmente, a intenção pastoral dos meus Predecessores, que pretendiam 'empreender todos os esforços para que todos aqueles que verdadeiramente desejam a unidade possam permanecer nesta unidade ou redescobri-la', muitas vezes foi seriamente negligenciada ", explicou.

Desta forma, segundo o Papa, "uma possibilidade oferecida por São João Paulo II e com magnanimidade ainda maior por Bento XVI para recompor a unidade do corpo eclesial nas várias sensibilidades litúrgicas servia para aumentar distâncias, endurecer diferenças, construir contrastes que ferem a Igreja e impedem o seu progresso, expondo-a ao risco de divisões".

Francisco referiu ainda estar "igualmente aflito com os abusos de um lado e do outro na celebração da liturgia". Relativamente à liturgia pós-Concílio, o pontífice lembrou as palavras do Papa Emérito. "Como Bento XVI , também estigmatizo que 'em muitos lugares as prescrições do novo Missal não são celebradas com fidelidade, mas é mesmo entendido como uma autorização ou mesmo como um dever de criatividade, que muitas vezes leva a distorções até o limite do que é suportável'.

Quanto ao "Rito Antigo", Francisco afirmou estar "triste com o uso instrumental do Missale Romanum de 1962, cada vez mais caracterizado por uma rejeição crescente não só da reforma litúrgica, mas do Concílio Vaticano II, com a afirmação infundada e insustentável de que traiu a Tradição e a 'verdadeira Igreja'", frisou.

"Se é verdade que o caminho da Igreja deve ser compreendido no dinamismo da Tradição, 'que nasce dos Apóstolos e progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo', o Concílio Vaticano II constitui o etapa mais importante desse dinamismo, recentemente, em que o episcopado católico ouviu para discernir o caminho que o Espírito indicava à Igreja", apontou, reforçando que "duvidar do Concílio significa duvidar das próprias intenções dos Padres (...) e, em última análise, duvidar do próprio Espírito Santo que guia a Igreja".

O Papa Francisco explicou ainda que em causa está a união da Igreja. "É para defender a unidade do Corpo de Cristo que sou obrigado a revogar a faculdade concedida pelos meus Predecessores. O uso distorcido que deles se faz é contrário aos motivos que os levaram a conceder a liberdade de celebrar a Missa com o Missale Romanum de 1962. Visto que 'as celebrações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é sacramento de unidade' , deve ser feita em comunhão com a Igreja", pode ler-se.

O que muda com esta decisão do Papa Francisco? 

Com isto, o Papa Francisco determina que compete ao responsável diocesano a "exclusiva competência de autorizar o uso do Missale Romanum de 1962", seguindo as orientações da Sé Apostólica. Assim, considerando que o "Rito Antigo" é utilizado em vários locais, cada bispo deve certificar-se de que os grupos que já celebram com o antigo missal 'não excluam a validade e a legitimidade da reforma litúrgica, os ditames do Concílio Vaticano II e o Magistério dos Sumo Pontífices'.

Por outro lado, as missas celebradas no "Rito Antigo" não deverão ser realizadas nas igrejas paroquiais, devendo cada bispo determinar a igreja em questão, bem como os dias de celebração. Nessas ocasiões, as leituras devem ser proclamadas "na língua vernácula" utilizando traduções aprovadas pelas Conferências Episcopais e o celebrante deve ser um sacerdote delegado pelo bispo.

Cabe também ao bispo diocesano verificar a oportunidade de manter as celebrações de acordo com o antigo missal, num critério de "utilidade efetiva para o crescimento espiritual". Todavia, tem de haver "o cuidado de não autorizar a constituição de novos grupos".

De recordar, contudo, que estas regras dizem respeito a sacerdotes diocesanos, já que os membros de ordens religiosas — incluindo aquelas que usam exclusivamente o "Rito Antigo" — ficam sob a jurisdição direta da Santa Sé e das suas congregações para o Culto Divino e para os Institutos da Vida Consagrada.