Limitados pela polícia em termos de espaço para se manifestarem regularmente em Westminster, Steve Bray e os seus aliados instalam-se num canto de uma ilha pedonal, no meio de uma das estradas mais movimentadas da capital britânica.

Numa grande faixa amarrada a um gradeamento lê-se, em inglês, “Ainda aqui estamos porque o ‘Brexit’ continua a ser uma porcaria #StopBrexitSaveBritain”, e um cartaz exibe simplesmente a palavra “Rejoin”, um apelo à reintegração na UE.

Bray, de 55 anos, ficou conhecido pelos protestos diários que começou em 2018 em frente ao parlamento, gritando através de um megafone e usando cartazes, interrompendo frequentemente os diretos televisivos feitos no local.

Sete anos depois, continua a envergar a mesma cartola azul com uma faixa amarela, onde se lê: “Porquê o ‘Brexit’?”.

Tal como o populista Nigel Farage ficou conhecido por “Senhor ‘Brexit'”, Bray ganhou a alcunha de “Senhor Stop ‘Brexit'”.

“Continuamos a vir para aqui para lembrar às pessoas que o ‘Brexit’ foi um erro e que existe uma alternativa, que é voltar a aderir”, explica à agência Lusa.

O protesto repete-se sobretudo às quartas-feiras, dia do debate semanal do primeiro-ministro na Câmara dos Comuns (câmara baixa do parlamento), quando o governante trabalhista Keir Starmer percorre os cerca de 500 metros entre a residência oficial de Downing Street e o parlamento.

Nesses breves minutos, em que o trânsito é interrompido pela polícia e os carros atravessam rápido a estrada e os portões do Palácio de Westminster, Bray aproveita para aumentar o volume nas colunas de som onde toca “Ode à Alegria”, o hino europeu.

Além da música, Starmer tem de passar por duas outras grandes faixas afixadas em vários lados da estrada, onde se lê: “Não podemos substituir um ‘Brexit’ conservador por um ‘Brexit’ trabalhista” e “Hey Labour, precisamos de falar sobre o ‘Brexit'”.

A britânica Caroline e a amiga italiana, Marilena, juntam-se ao coro improvisado para cantar o poema de Friedrich von Schiller ao som da Nova Sinfonia de Beethoven, sob o olhar espantado dos milhares de turistas e transeuntes, que aproveitam para tirar fotografias.

“Vimos a maior parte das semanas, quando podemos, porque ainda estamos muito zangadas. Temos de ser visíveis, senão o problema acaba por ser ignorado”, afirma a britânica à Lusa.

Marilena explica que “aqui as pessoas gostam de nós”.

“Podia-se pensar que é inútil estar aqui, passados todos estes anos, mas acabamos por ter muitas pessoas que param para nos agradecer e nos incentivar a continuar”, conta ainda.

O grupo de ativistas é reduzido, mas os membros são determinados.

Janet e James Sheran viajaram mais de 400 quilómetros desde Newcastle, no norte de Inglaterra, para estar neste protesto, o que fazem pelo menos uma vez por mês.

O esforço implicou dormir duas noites na carrinha, enfrentando frio e desconforto, tudo pela convicção de se manifestarem contra o que entendem ter sido o resultado de “uma série de mentiras” aos eleitores.

“Fomos enganados, fomos manipulados. Tiraram-nos direitos como o de viajar e trabalhar na Europa. Para o meu filho, que é cientista, é um obstáculo”, critica Janet, enquanto segura a emblemática bandeira azul com estrelas amarelas da UE.

O protesto continua com outras músicas, incluindo uma versão do reconhecido “Yellow Submarine” dos Beatles, com a letra “Todos vivemos numa tragédia de ‘Brexit'”, em vez de “Todos vivemos num submarino amarelo”.

Steve Bray garante que nunca teve queixas dos artistas por causa dos direitos de autor, talvez porque estes foram prejudicados pelas restrições resultantes da saída da UE, nomeadamente para atuar livremente no continente europeu.

Negociante de moedas antigas, este galês de Port Talbot assume-se como uma das vítimas do ‘Brexit’, pois perdeu muitos clientes europeus.

Passados quase nove anos desde o referendo de 2016, quando 52% dos britânicos votaram a favor da saída da UE, e cinco anos desde a saída efetiva, a 31 de janeiro de 2020, a opinião pública mudou.

Uma sondagem publicada na quarta-feira revelava que 64% dos britânicos são favoráveis a uma relação mais próxima com a UE, 50% querem a reintegração no mercado único europeu e 55% das pessoas apoiariam uma “readesão”.

No geral, apenas 30% dos 2.225 inquiridos responderam que o país fez bem ao votar no ‘Brexit’, o valor mais baixo de sempre no barómetro da empresa YouGov.

Ironicamente, foi neste mesmo dia e local que, há cinco anos, milhares de pessoas festejaram a saída da UE com champanhe e abraços.

Assumido militante do partido pró-europeu dos Liberais Democratas, Bray lamenta a falta de ambição do Governo trabalhista na reaproximação à UE e reconhece que uma eventual reintegração poderá demorar décadas.

“Provavelmente vamos fazê-lo aos poucos. Mas é por isso que precisamos de continuar, para manter a pressão e mobilizar as pessoas”, salienta.

Às 23h00 (a mesma hora em Portugal) do dia 31 de janeiro de 2020, o Reino Unido deixou de ser um Estado-membro da UE. Nesse momento, entrou em vigor o chamado “Acordo de Saída”, garantindo uma saída ordenada do país da UE, e iniciou-se um período transitório, que terminou no dia 31 de dezembro de 2020.

*Por Bruno Manteigas, da agência Lusa 

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