Capítulo Cinco

O REALISMO DA PEDAGOGIA WALDORF

Uma pedagogia que preze a integração dos seus alunos na realidade social (veremos a seguir que isso não significa a sociedade presente, tão questionável e repleta de valores duvidosos) tem a considerar, como primeira e mais imediata realidade, a personalidade desses alunos. Por isso, a pedagogia Waldorf não é um edifício de ideias abstratas, mas lida com situações concretas. Admite, sem as julgar, diferenças existentes entre raças e culturas, procurando adaptar-se a todas. Não fala meramente da criança – aplica-se a individualidades humanas, procurando fazer jus a cada uma. Isto não significa que não queira corrigir defeitos e unilateralidades. Ela reconhece desfasamentos, fenómenos de aceleração, etc. Crianças prejudicadas pelo ambiente ou com defeitos congénitos recebem cuidados e ensino especiais em instituições orientadas pela pedagogia Waldorf e por uma educação terapêutica destinada, em particular, a crianças e jovens com deficiências.

Definir a diferença entre a pedagogia Waldorf e as tradicionais equivale, para alguns aficionados, a dizer que «a pedagogia Waldorf forma, a tradicional informa». Trata-se de uma afirmação que contém uma grande parcela de verdade, mas não toda a verdade. Realmente, a pedagogia Waldorf visa a formação do ser humano; quer desenvolvê-lo harmoniosamente em todos os seus aspetos: inteligência, conhecimentos, vontade, ideais sociais, etc.; quer despertar todas as suas qualidades e disposições inatas e estabelecer um relacionamento sadio entre o indivíduo e o seu meio ambiente – que inclui os outros homens. Mas a informação também é necessária: sem ela, nenhuma formação é possível. Ela transmite, portanto, conhecimentos em grande quantidade; transmite-os em maior riqueza e diversidade do que a escola comum, pois não se limita a um programa mínimo de matéria, mas visa criar, dentro da sala de aula, uma imagem do mundo. Os conhecimentos são, pois, um meio importante para a formação; não são um fim em si, mas um instrumento poderoso e imprescindível. Por outro lado, a pedagogia Waldorf descarta tudo o que é apenas conhecimento inútil, abstrato, enciclopédico, sem relação com a vida. Para dar um exemplo: ela prefere, aquando do ensino de geografia, transmitir uma imagem viva de um país, de uma região ou de um processo telúrico, em vez de encher a memória do aluno com nomes próprios e dados que em nada contribuem para constituir uma unidade orgânica e que se encontram em qualquer enciclopédia, à disposição de quem a quiser abrir. São dados mortos, que apenas pesam na memória e nada fazem para uma autêntica vivência do mundo.

Tânia Ganho junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 19 de setembro, uma quinta-feirapelas 21h00. Consigo traz o seu livro de memórias "O Meu Pai Voava", editado pela D. Quixote.

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Este é o regresso da autora ao clube, onde esteve em 2021 para falar sobre o aclamado "Apneia", romance que foi um sucesso junto da crítica e dos seus leitores. Agora, a conversa vai centrar-se na obra que chegou às livrarias em julho, "O Meu Pai Voava", um relato pessoal que é, em simultâneo, um tributo a um pai.

Saiba mais sobre a autora e o livro aqui.

A ligação com o mundo, considerado habitat vivo e orgânico da humanidade, é uma das metas principais da pedagogia Waldorf. Esta quer formar indivíduos práticos e conscientes. Por isso, a alienação é-lhe estranha.

Capítulo Seis

A IMPORTÂNCIA DA VIVÊNCIA

Nas escolas Waldorf, o professor nunca ensina antroposofia; mas isso não impede que as suas aulas reflitam uma certa maneira de encarar o mundo. O Universo que o aluno é capaz de abranger é apresentado como um todo; mas esse Universo não deve ser limitado à capacidade de compreensão do aluno, numa determinada idade. O aluno deve sentir que muito ainda lhe escapa. O seu Universo não será algo inteiramente acessível, como um mecanismo no qual cada parte é conhecida. O bom professor deixa sempre pairar um pouco de mistério, provocando no aluno o res- peito diante do desconhecido e a curiosidade de saber mais. O Universo reduzido a um conjunto de leis e fórmulas inteligíveis a um adolescente seria, deveras, algo muito pobre...

Numa mente assim formada, haverá lugar para a imaginação e para a criatividade. Estas não são capacidades que se acrescentam a posteriori a um pensamento ultrapassado; o próprio pensar será, desde o seu aparecimento, impregnado por elas. Para tal, a vida da criança deve estar cheia de vivências que correspondam a anseios naturais; o jovem necessita de voltar a ter contacto com atividades primárias do homem. Quantas crianças têm, hoje em dia, qualquer vivência relacionada, por exemplo, com a profissão do pai? O que significa para uma criança, sob esse prisma, um pai contabilista, advogado ou vendedor? Nada. É um indivíduo que sai de casa de manhã e volta cansado à noite. E a mãe, mesmo sendo exclusivamente dona de casa? É uma mulher que aperta botões, usando aparelhos de funcionamento incompreensível.

Mas a criança precisa de conteúdos compreensíveis. A escola pode preencher essa lacuna, até certo ponto. Os alunos devem ter a vivência de atividades primárias (panificação, construção de casas, forjas, jardinagem, etc.). Daí a importância que estas disciplinas ocupam no currículo Waldorf. Estas alargam o horizonte e enriquecem a formação do aluno, apesar de muitos as considerarem atividades obsoletas, pois, «hoje, graças a Deus, está tudo automatizado».

Pela mesma razão, as artes, os trabalhos manuais e artesanais ocupam, na pedagogia Waldorf, um lugar de destaque. Não se trata de formar artistas ou artesãos, mas sim de proporcionar aos jovens o contacto com vários materiais e inúmeras atividades básicas da humanidade (fiar, tecer, forjar, modelar, esculpir, pintar, etc.). Mas há ainda outro aspeto: o jovem que passou por essas experiências tem respeito pelo trabalho manual. A sua sensibilidade em relação às qualidades de um objeto ou de uma atividade será aprofundada, sem falar dos conhecimentos gerais adquiridos. Além disso, tais atividades têm uma finalidade pedagógica ainda mais imediata: todas exigem perseverança e capricho; atuam, portanto, de forma decisiva sobre a vontade e sobre o sentido estético. As obras produzidas exigem um esforço contínuo e a repetição de muitos movimentos. Ora, a repetição consciente é um excelente treino da vontade. Um aluno que fez um grande tapete ou esculpiu uma cabeça de pedra duríssima, mais tarde, não se assustará tão facilmente diante de um problema que à primeira vista pareça exceder as suas forças.

Capítulo Sete

A TURMA

Os alunos são a meta e a razão de ser das escolas Waldorf. São considerados individualidades e aceites sem nenhum preconceito social, religioso, sexual, racial ou outro qualquer. Nunca formam um «corpo discente» amorfo, pois a escola sente ter assumido um compromisso em relação a cada um, individualmente.

A unidade funcional é a turma em que são reunidos os alunos de uma mesma faixa etária. Essa unidade, considerada, de certa forma, cármica – tanto em relação aos alunos que a compõem como em relação aos seus professores – não é quebrada. O aluno, salvo raríssimas exceções, nunca repete o ano; ele continua, até ao término dos seus estudos, dentro da mesma comunidade.

Nas escolas Waldorf, a turma não é apenas uma unidade administrativa composta por um número X de alunos. Cada turma é uma individualidade, e isso não somente por ser identificada pelo seu professor de turma ou tutor. Quem observa bem a vida de uma escola constata logo que cada turma tem o seu carácter próprio, apesar da diversidade dos elementos que a compõem. É um microcosmo, uma autêntica comunidade social que reflete, com os seus problemas, amizades e tensões, contrastes internos e vivências comuns, a comunidade maior da sociedade que a rodeia. A coeducação de raparigas e rapazes cria um ambiente natural de fraternidade. A vivência comum, as tarefas e o esforço coletivo, realizados do primeiro ao último ano, forjam uma grande família em torno do professor de turma. Quanto mais variada a composição, mais rico o espectro.

Por isso, o número de alunos numa turma não deve ser pequeno demais, caso contrário esta não representaria uma diversidade social.

Não há dúvida de que a comunidade da turma possui um elemento cármico. Não é por acaso que estes alunos a compõem, e que aquele professor será, durante oito anos, o seu mentor.

Como a composição de uma turma quase não muda durante todos esses anos, o espírito comunitário será muito pronunciado. Além das amizades que se estabelecem, peças teatrais a serem apresentadas como resultado de um esforço comum, excursões e viagens feitas em grupo criam laços indissolúveis. Muitas vezes, essas amizades estendem-se às famílias dos alunos. Os pais conhecem-se não só devido às amizades dos seus filhos mas também em consequência de inúmeras reuniões de pais de uma turma, onde os problemas e vivências comuns dos alunos unem também os pais numa comunidade de interesses e de experiências. Esta também terá, em geral, o professor de turma como centro de gravidade.

Uma turma bem equilibrada contém alunos ora mais ora menos inteligentes, ora mais ora menos artistas, além de propiciar a convivência entre os sexos, os quatro temperamentos, as várias origens étnicas. Não lhe faltarão tampouco alguns alunos que apresentem problemas, mormente na época atual: dislexias, dificuldades psicomotoras, etc. Tais alunos devem fazer parte da comunidade, porque também existem na vida real «lá fora». O professor de turma deve, naturalmente, decidir se as suas próprias forças são suficientes e se a composição da turma permite aceitar um ou vários alunos que apresentem esses e outros problemas. Além disso, a presença de tais alunos constitui uma tarefa especial para a turma. Estes devem receber amparo e carinho e, se possível, continuar até ao último ano. Isto só é viável quando o espírito social de todos os alunos os aceita com as suas dificuldades.

A partir de certa gravidade do seu estado, esses alunos serão mais bem apoiados e educados, pelo menos temporariamente, em turmas auxiliares, onde receberão um tratamento especial. Mas mesmo nesses casos, o ideal é reconduzi-los o quanto antes à sua comunidade normal, onde terão proveito de um ambiente e de um ensino normais.

Para casos patológicos graves, existem inúmeras instituições especializadas cuja terapia é igualmente inspirada nos conhecimentos da ciência espiritual antroposófica. Mas mesmo nas escolas Waldorf comuns haverá, em geral, a possibilidade de um tratamento de casos mais leves por meio da euritmia terapêutica, da terapia artística ou da ginástica, ou ainda do ensino em turmas auxiliares. A cooperação constante do médico escolar, tal qual se realiza nas escolas Waldorf, evidentemente é de suma importância. Aliás, o médico faz parte da comunidade escolar. Examinando periodicamente todos os alunos da escola, pode fazer uma valiosíssima contribuição quando, nas reuniões de professores, se procura chegar a uma imagem completa dos alunos, dos seus problemas e doenças, do seu comportamento e da sua situação familiar.

Não existe ensino escolar sem problemas de disciplina. E será triste se estes não ocorrerem, pois a vivacidade e a espontaneidade são próprias da infância e da juventude. Uma turma em que reina permanentemente um silêncio de cemitério é uma turma doente.

Mas existem muitos tipos de indisciplina! Quando certos limites são ultrapassados, há motivos para observação e reflexão. Como o professor ideal não existe, cada educador deveria começar por uma auto-observação e uma análise crítica do seu próprio comportamento. Será que o culpado pela turbulência de alguns ou da turma toda não será ele?

Livro: "Pedagogia Waldorf"

Autor: Rudolf Lanz

Editora: Alma dos Livros

Data de Lançamento: 12 de setembro de 2024

Preço: € 19,45

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Há, sem dúvida, crianças mais difíceis do que outras; e problemas em casa, influências exteriores, deficiências físicas ou psíquicas podem ser apontadas, em muitos casos, como explicações, se não como causas da falta de comportamento.

É nessas situações que aparece a arte do educador. Este dispõe de uma infinidade de medidas para consciencializar, corrigir, incentivar. A punição pura e simples deveria ser evitada; deve ser sempre um meio pedagógico. O professor nunca deveria punir de forma impensada. Aquando da punição, deve ser calmo, justo e consequente. Castigos sem sentido, estúpidos, não deveriam exis- tir. Da mesma forma, um trabalho adicional muitas vezes tem um efeito contraproducente: o aluno deveria adorar o seu trabalho; e transformar o trabalho em punição equivale a destruir esse amor. A punição nunca deve ter como consequência o ódio à escola. Deverá ser sentida como consequência lógica do ato: quem destrói deve construir; quem suja deve limpar. Por isso, tarefas extras, mas com sentido, como lixar e pintar bancos, procurar papéis, fazer trabalhos de limpeza, são mais indicadas. Para muitos alunos, uma punição severa é a proibição de assistir às aulas durante um ou vários dias.

Em todos os casos, o aluno deveria sentir e, mais tarde, compreender que a medida foi justa e tomada com amor.

Casos mais graves de indisciplina serão discutidos com outros professores antes de se tomar uma decisão. A punição não deve demorar demasiado – senão o aluno, mormente nas turmas de anos inferiores, terá esquecido a causa da medida quando esta chegar; tampouco deve ser tão imediata, que o aluno a possa considerar imposta emocionalmente. O tempo de incerteza entre a verificação do ato e a punição tem, em geral, um efeito muito salutar.

Já foi dito que o professor deve ser um artista; e uma das artes que deve dominar é a de punir...