No total, saíram 18 trabalhadores e houve seis contratações, desde 2016, como acusam os relatórios, e, de acordo com fontes ligadas a Serralves, estes números resultam do facto de a missão artística da instituição ter sido alvo de “permanente interferência” e de um clima “de medo e mal-estar”, desde que Ana Pinho assumiu a presidência da administração, em 2016.
Fonte ligada a Serralves explicou à Lusa que os trabalhadores estão “perplexos com a falta de verdade que tem sido transmitida pela administração da fundação”, revelando um “ambiente de medo que se vive lá dentro, num mal estar interno transversal” que se instalou desde a chegada de Ana Pinho à presidência da administração, em janeiro de 2016, nomeada para um mandato que termina em dezembro.
Como exemplo da "falta de verdade" e da intromissão da adminsitração na área artística, dão como exemplo a versão da administração sobre a retirada de 20 fotografias da mostra dedicada ao fotógrafo Robert Mapplethorpe, afirmando que "não corresponde à verdade".
O Público noticiou, no fim de semana, o mal-estar no seio da fundação, na sequência do pedido de demissão do diretor do Museu, João Ribas, depois de a administração ter limitado, a maiores de 18 anos, uma parte da exposição dedicada a Robert Mapplethorpe, e de ter imposto a retirada de algumas obras com conteúdo sexualmente explícito.
Em comunicado, o Conselho de Administração da Fundação de Serralves afirmou, no sábado, que "não retirou nenhuma obra da exposição", adiantando que esta é composta por 159 fotografias, "todas elas escolhidas pelo curador", João Ribas.
Comunicados iniciais de Serralves indicavam que a mostra reunia "179 obras de toda a carreira [do fotógrafo], desde as primeiras colagens e polaroides até às fotografias de flores, nus, retratos e imagens de cariz sexual, que fizeram de Mapplethorpe um dos fotógrafos mais notáveis do século XX".
No sábado, a administração acrescentou que, "desde o início, a proposta da exposição foi apresentar as obras de cariz sexual explícito numa zona com acesso restrito", afirmando que considerou "que o público visitante deveria ser alertado para esse efeito, de acordo com a legislação em vigor".
A administração da Fundação de Serralves convocou, entretanto, um encontro com a imprensa, para hoje.
Um problema desta dimensão “já se previa”, apontou à Lusa fonte ligada a Serralves, até porque “há muito tempo que há ingerências da administração no trabalho artístico”, uma situação também confirmada à Lusa por um antigo funcionário da fundação.
“O ambiente é de permanente interferência no trabalho de todos os trabalhadores, não só na curadoria. Desde o pintar de uma parede a qualquer tema financeiro, de recursos humanos ou de manutenção, tudo é decidido pela presidente, e isto acontece desde a [sua] tomada de posse”, contou um antigo colaborador.
Segundo a mesma fonte, anteriores administrações tinham “o comportamento oposto”, deixando livre a área artística. A ingerência neste aspeto acontece "de forma constante", sobretudo “desde que João Ribas tomou posse”. De acordo com estas fontes, a saída de pessoas de Serralves, enquadra-se neste clima.
Segundo os relatórios e contas dos dois primeiros anos de gestão de Ana Pinho, saíram de Serralves 18 colaboradores, no total, contra seis entradas, e fontes contactadas pela Lusa, próximas da fundação, explicam que “podiam até ser mais, mas o mercado não está propício para algumas profissões”.
O quadro de Serralves reunia 89 trabalhadores, no final de 2015, 83, em 2016, 77, no termo de 2017, indicam os relatórios.
No domingo, ao Expresso, a administradora Isabel Pires de Lima negou que existisse uma saída “em massa” de trabalhadores.
O artista brasileiro Daniel Steegman Mangrané, que expôs em Serralves em 2017, partilhou uma carta aberta sobre o tema, publicada na revista digital e-flux, após a demissão de Joãoo Ribas, revelando que tinha “ouvido queixas da equipa sobre a constante interferência de Ana Pinho nas decisões da equipa artística e de curadoria”, manifestando apoio ao diretor.
Um dos exemplos apontados por fontes contactadas pela Lusa é a de uma exposição em janeiro de 2019 de Joana Vasconcelos, que a anterior diretora do Museu, Suzanne Cotter, disse não ter programado, confirmando ser "uma decisão da administração". A autora já tinha confirmado, numa entrevista ao Expresso, em maio, a realização da mostra.
Outro dos exemplos dados por fonte ligada à instituição, prende-se com a resposta da administração ao caso, afirmando que a programação para o próximo ano já terá sido apresentada pela administração a responsáveis escolares, como se pode verificar em várias publicações na rede social Instagram de Serralves.
A antiga diretora-geral Odete Patrício admitiu hoje à Lusa estar “entristecida” com o caso, porque “não ajuda” a manter a credibilidade e reconhecimento “muito grande que ao longo de muitos anos se foi conquistando”.
“Em 25 anos que lá estive, a situação de Serralves era de grande cooperação e festa, e de muito respeito pela autonomia da programação e das outras várias competências”, apontou.
A atual vereadora do Partido Socialista na Câmara do Porto considera ainda que Serralves, “uma instituição de utilidade pública, tem de se explicar”, considerando as intervenções até agora “algo incoerentes e desconexas”, recomendando transparência para “evitar que se gerem climas especulativos”, e lembrando que a instituição “tem de prestar contas”, por “também ser financiada pelo Ministério da Cultura e várias autarquias”.
Este ano, de acordo com o despacho do Governo publicado no passado dia 18 de junho, em Diário da República, a Fundação de Serralves recebe um total de 4,270 milhões de euros, no âmbito das transferências para as fundações, previstas pelo Orçamento do Estado, provenientes do Fundo de Fomento Cultural e da Direção-Geral do Património Cultural.
Em janeiro de 2017, o Ministério da Cultura publicou igualmente uma portaria, autorizando o Fundo de Fomento Cultural a transferir para a Fundação de Serralves 500 mil euros por ano, de 2016 a 2018, destinados à aquisição de obras para a instituição.
À Lusa, a administradora Isabel Pires de Lima disse, no fim de semana, ter sido “uma total surpresa” a demissão de Ribas, que teve responsabilidade na escolha das peças e sabia, desde o início, que haveria, se necessário, zonas reservadas, como de resto aconteceu em muitos museus do mundo.
Desde a inauguração, até domingo, a exposição recebeu perto de 6.000 visitantes, como adiantou à Lusa fonte da instituição.
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