Ao longo de hora e meia de audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, os deputados, do PCP ao CDS-PP, com exceção do Chega, pediram a Lucília Gago para concretizar o que dissera, designadamente quem e com que objetivo está envolvido numa campanha contra o Ministério Público.

O deputado do PCP António Filipe abordou também o caso da Operação Influencer, que provocou em novembro passado a demissão de António Costa das funções de primeiro-ministro, perguntando, diretamente, até quando se prolonga a investigação, mesmo que, aparentemente não tenham sido detetados crimes.

Porém, nas duas intervenções de fundo que fez perante os deputados — e apesar da insistência na questão da alegada campanha orquestrada -, a PGR optou por não responder. Frisou, isso sim, que, ao contrário do que foi noticiado, esta foi a quarta e não a primeira vez que se deslocou ao parlamento para prestar esclarecimentos.

Durante a reunião, PSD, PS, IL, PCP, CDS-PP, Livre, Bloco de Esquerda e PAN (estes dois últimos foram os partidos que requereram a audição) pretenderam sobretudo esclarecimentos sobre um alegado recurso abusivo a escutas, sobre sucessivas violações do segredo de justiça ou sobre processos que (embora mediatizados) não levam a qualquer acusação com prejuízo grave da imagem pública dos cidadãos.

Os deputados coincidiram também em perguntas sobre detenções para interrogatório muito superiores às 48 horas previstas na lei, sobre o funcionamento hierárquico do Ministério Público e sobre omissões existentes no relatório de atividades do Ministério Público de 2023.

Só o Chega não seguiu essa linha de perguntas. A deputada Cristina Rodrigues, pelo contrário, salientou logo ao início que o Chega não tinha votado a favor da audição com a PGR e relacionou a pressão junto do Ministério Público com uma tentativa de condicionamento da sua autonomia, visando proteger titulares de cargos políticos.

Nestes aspetos, tal como tinha acontecido na entrevista que deu em julho à RTP, Lucília Gago não reconheceu problemas de ordem estrutural. Recusou a existência de corporativismo no Ministério Público, defendeu que as detenções por tempo excessivo são casos excecionais e avisou até que uma eventual alteração à lei que regula as escutas pode fazer soçobrar um conjunto de investigações. No caso das fugas ao segredo de justiça, lamentou que o Ministério Público apareça em certos setores com presunção de culpa e advogou que esse tipo de campanha interessa a arguidos e respetiva defesa.

Logo na primeira intervenção, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda Fabian Figueiredo, pediu explicações sobre sucessivas violações do segredo de justiça e sobre a duração média dos inquéritos. No mesmo contexto, a deputada do PAN Inês de Sousa Real frisou que “há limites”, quer para a duração dos inquéritos, quer sobre o tempo em que um cidadão é alvo de escutas.

Pela parte do PSD, Andreia Neto manifestou-se preocupada com o funcionamento do Ministério Público. Referiu-se genericamente a julgamentos populares em resultado de violações de segredo de justiça e ao atropelo “dos mais elementares direitos” de presunção de inocência.

Cláudia Cruz Santos, do PS, deixou várias perguntas sobre a atuação do Ministério Público em termos de ação penal.

“No relatório, nada é adiantado sobre ordens e instruções [em matéria de funcionamento hierárquico na PGR] e também não se encontra qualquer informação sobre a duração média dos inquéritos. Qual a percentagem de processos em que os prazos máximos são ultrapassados”, interrogou.

A deputada socialista frisou o dever de objetividade do Ministério Público e quis saber os números em que se pede a absolvição do arguido.

“Verificamos alguns números impressionantes: Há alguma indicação para o Ministério Público no Tribunal de Relação não divergir da sua atuação na primeira instância? Dos inquéritos instaurados, há centenas de pessoas sujeitas a detenção ou escutas sem que haja acusação em 97% dos casos”, apontou.

António Filipe fez questão de frisar que o PCP “não perfilha a tese do golpe de Estado do Ministério Público, nem a tese de que há uma campanha orquestrada contra o Ministério Público” — um ponto em que a líder parlamentar da IL, Mariana Leitão, foi veemente quando solicitou a Lucília Gago que o concretizasse. Já Paulo Muacho, do Livre, além dos aspetos relacionados com os direitos dos arguidos, criticou o facto de o relatório não se referir à ausência de condições de trabalho por parte dos magistrados do Ministério Público.

Uma das intervenções mais incisivas sobre violações do segredo de justiça partiu do deputado do CDS, João Almeida, falando em “humilhação pública de cidadãos sem que depois se prove qualquer crime”.

“Não podemos ter em Portugal uma justiça alternativa por via mediática. Esta justiça alternativa só existe porque a justiça oficial funciona mal”, concluiu João Almeida.

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