“A população está em choque ainda. Isto é uma localidade pequena, todas as pessoas se conhecem, direta ou indiretamente acabam por ser familiares. Estamos todos abalados com isto tudo”, adianta, em declarações à agência Lusa, o presidente da Junta de Freguesia das Quatro Ribeiras, Bruno Lopes.
A pacatez da pequena freguesia localizada na zona norte da ilha Terceira, no concelho da Praia da Vitória, com menos de 400 habitantes e uma população já envelhecida, foi abalada na terça-feira por um atropelamento, que provocou duas vítimas mortais, quatro feridos graves e nove feridos ligeiros.
Uma procissão de velas, em homenagem a Nossa Senhora de Fátima, dirigia-se à igreja, por volta das 20:30 (hora local, mais uma em Lisboa), quando um carro bateu nas pessoas que seguiam mais atrás.
O condutor, que terá dito no local ter sido encadeado pela luz do sol, era um homem de 32 anos, natural de uma freguesia próxima.
O pároco das Quatro Ribeiras, Carlos Cabral, seguia na procissão junto com o grupo coral atrás do andor e escapou ileso por pouco.
“Foi um grande susto. O senhor que ia ao meu lado fazendo coro, rezando e cantando, foi apanhado pelo carro. Está ainda internado”, afirmou.
A procissão ocorre habitualmente em 13 de maio, mas este ano Carlos Cabral tinha o sacramento do crisma agendado na freguesia vizinha dos Biscoitos, onde também é pároco, por isso adiou-a para o dia 14.
A imagem de Nossa Senhora de Fátima, a única levada em andor na procissão, está praticamente intacta na sacristia da igreja, mas terá caído ao chão no meio da confusão.
“Foi uma coisa tão repentina que nem vi o andor cair. Sei que mais tarde o vi encostado à parede e a imagem de Nossa Senhora estava no chão”, salientou o padre.
Entre as cerca de 50 pessoas que caminhavam em direção à igreja estava uma ex-emigrante que tinha regressado há pouco tempo à ilha e que não sobreviveu ao acidente.
“Era uma senhora que tinha vindo para cuidar da irmã. Tinha acabado de chegar do Canadá, até foi ela quem ofereceu as flores para o andor de Nossa Senhora”, contou o pároco.
A outra vítima mortal, “uma senhora de fé, muito empenhada”, segundo Carlos Cabral, tinha já 84 anos.
Na igreja, outras pessoas, com menor mobilidade, aguardavam pela procissão, para assistir à missa, que este ano não se realizou.
“É um povo sereno, que se compreende, que se aceita, que se ajuda mutuamente. Ninguém esperava nada disso. Dizem as pessoas que coisa semelhante nesta freguesia nunca aconteceu”, frisou o padre.
Duarte Rocha não participou na procissão, mas a mulher e a filha tiveram de ser assistidas no hospital.
Estava a trabalhar nas pastagens quando o avisaram do acidente, mas o primeiro pensamento foi de que tinha acontecido alguma coisa ao filho, também ele a trabalhar na lavoura.
“Foram-me chamar e eu percebi logo que tinha acontecido uma coisa má”, diz, acrescentando que nem sabia que a mulher e a filha tinham ido à procissão.
À porta da garagem, momentos antes de ir buscar a mulher ao hospital, depois de esta ter tido alta, vai dando as boas notícias a quem passa e lhe pergunta pelo estado de saúde das duas.
“Foi mais o susto. A minha esposa já teve alta e a minha filha veio logo para casa”, contou.
“Graças a Deus” é a resposta inevitável de uma população que, apesar da tragédia não perdeu a fé.
“Eu tenho de dar graças a Deus. Em minha casa foi só o susto”, sublinhou Duarte Rocha, com a voz embargada.
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