O Dia de São Valentim é tema frutífero para as publicações ditas light onde podemos encontrar as prendas para dar a “ele” e a “ela”, as melhores escapadinhas para casais apaixonados e as fotografias, à posteriori, de como a celebridade A ou B passou o dia dos namorados com a sua cara metade. Nas publicações informativas, sobretudo nos sites noticiosos, editores apuram o seu engenho para abordar o tema sem cair no território dos media atrás citados - e, em regra, é um bom pretexto para se falar de amor. Amor, um tema que é pouco frequente nas notícias a não ser por razões que pouco têm a ver com ele - como os ditos crimes passionais. Uma busca no backoffice do SAPO24, o nosso site que tem menos de dois anos de história, revelou-nos que temos 127 artigos em que, de alguma forma, a palavra amor foi identificada - seja no título, seja nas palavras-chave que ajudam à sua categorização - mas na sua esmagadora maioria não se trata, realmente, de amor. Há artigos sobre o amor que degenera em crime - e que por isso mesmo deixa de ser amor -, artigos onde o amor é usado de forma irónica (a política é um campo fértil nestas questões de semântica), o amor aos clubes, nomeadamente no futebol. Mas amor-amor, das histórias banais que fazem parte da vida de todos nós às histórias extraordinárias que até podiam dar um livro ou um filme, há pouco. No caso do SAPO24 encontrámos menos de dez histórias que são efetivamente histórias de amor e que um dia se tornaram notícia. Como a de Norwood e Joyce, a de Adélio e Verónica, a de Margarete e Paulo e a de Paulo e Filipa.
Surgiu aqui a pergunta: por que razão o amor não é notícia, ou é tão poucas vezes notícia? Numa pesquisa sobre o que tem sido escrito sobre assunto, encontrámos um artigo da BBC publicado a 29 de julho de 2014 que se interrogava por que razão as más notícias são “as” notícias, assinado pelo psicólogo Tom Stafford. Escreve o autor: “Não é que seja apenas isto que acontece [as más notícias]. Talvez os jornalistas estejam programados para noticiar más notícias porque uma tragédia repentina é mais atrativa que uma melhoria lenta. Ou talvez quem noticia acredite que a informação cínica sobre políticos corruptos ou acontecimentos infelizes dão melhores histórias. Mas outra possibilidade é que, os leitores ou espetadores, tenham ‘treinado’ os jornalistas a focarem-se nestas coisas. Muitas pessoas dizem que prefeririam boas notícias: mas é isso verdade?”.
Tom Stafford relata então uma experiência realizada por dois investigadores da McGill University no Canadá, Marc Trussler e Stuart Soroka. Descrentes de experiências prévias em que era pedido ao grupo de teste que escolhesse as notícias - e sob observação as pessoas tendem a falsear as suas escolhas, procurando ficar “bem na fotografia” - os dois investigadores usaram outro método. Os voluntários para o estudo foram convidados a dirigirem-se ao laboratório da universidade onde lhes era pedido que escolhessem notícias de política num site de informação. Era importante que lessem mesmo os artigos escolhidos de forma a que a câmara captasse onde os seus olhos se focavam e depois responderiam a perguntas sobre o tipo de notícias que gostariam de ler. Os resultados foram os esperados - a maioria escolhia histórias negativas e as pessoas mais interessadas em política e atualidade eram mais propensas a escolher “más” notícias. Os investigadores apresentaram estes resultados como evidências da nossa propensão para as más notícias em detrimento das boas - palavras como cancro, bomba ou guerra despertam nos leitores uma reação mais imediata do que outras como bebé, sorriso ou divertimento. O que em psicologia é explicado como uma espécie de estado de alerta ou preparação para o perigo. Mas não é apenas isso. Também se deve ao facto de acreditarmos que o nosso mundo é melhor e que somos melhor do que a média.
Uma teoria, aliás, partilhada pelo filósofo Alain Botton no seu livro “As notícias - Manual de utilização”. Alain de Botton tem 48 anos, nasceu na Suíça, mas é britânico de gema. Interessa-se por um conjunto alargado de temas, da arquitetura ao amor, da forma como organizamos o trabalho à ansiedade do século XXI. E também se interessa por notícias e por jornalismo. Provavelmente é isso que lhe permite o ‘chapéu’ de filósofo e o curriculum de autor e de fundador do projeto The School of Life onde exercita estas temáticas. Na sua opinião, parte do atrativo das "más notícias" advém de todos nós, em algum momento, podermos ser presa do lado negro da vida - ler sobre outros a quem isso aconteceu dá-nos o conforto de conseguirmos ser melhor que isso, de ultrapassarmos as nossas fragilidades e bestialidades, ou de simplesmente escaparmos.
Um outro estudo realizado pelo Pew Research Center for People & the Press, e que reune vários inquéritos sobre que tipo de notícias as pessoas preferem, revelou também que as preferências dos americanos se mantiveram “surpreendentemente estáticas” nos últimos 20 anos. Este estudo identificou seis “super-categorias” de interesse do público e, lembrando-nos nós que foi feito nos Estados Unidos, a guerra e o terrorismo mantiveram-se no topo dos interesses da audiência desde 1986. Mau tempo e desastres naturais também conquistam grande atenção e crime, saúde e política mantém-se estáveis como temas relevantes.
A predominância das más notícias sobre as boas - numa relação de 17 notícias negativas para cada notícia positiva - é explicada pelos psicólogos e neurocientistas como uma espécie de necessidade da humanidade de se manter alerta - qualquer coisa perigosa ou dramática apela, mesmo que remotamente, ao nosso instinto básico de sobrevivência. Vários estudos evidenciam que o nosso cérebro é mais sensível às más notícias do que às boas - precisamente porque o medo ativa as hormonas de resposta ao stress.
Outra explicação para esta propensão relaciona-se com a teoria das probabilidades apresentada por John Allen Paulos no seu livro “Innumeracy”. Numa pequena cidade de 500 a 5000 pessoas, afirma, a probabilidade de qualquer coisa fora do comum acontecer é baixa. Mas numa cidade com um milhão de habitantes, esta probabilidade aumenta exponencialmente. Numa sociedade que consumo notícias ao nível nacional e mundial, a probabilidade de “acontecimentos fora do comum” ou notícias negativas aumenta significativamente - o aumento das redes sociais e da partilha faz o resto.
Todavia, as redes sociais mostram um importante contributo para a transmissão de notícias positivas. Jonah Berger, professor de marketing e psicólogo social na Universidade da Pensilvânia e autor do livro "Contagious: Why Things Catch On", estudou os artigos mais partilhados no New York Times e descobriu que artigos sobre factos científicos e temas divertidos eram mais partilhados que as más notícias. Ninguém quer levar más notícias aos amigos - o que explica estes dados.
Mas, então, e sobre o amor? Não é o amor contagiante, não nos faz sorrir e acreditar num mundo melhor?
Phoebe Judge, uma das produtoras e host do podcast “Criminal”, acredita que sim. É por essa razão que, apesar do sucesso do seu podcast em que conta histórias verídicas de assassinos, ladrões e crianças desaparecidas, anunciou agora um novo podcast sobre o amor. Chama-se “ “This is love” e conta com seis episódios na primeira temporada. “para mim, o dia de São Valentim, é um um dia de Amor com A grande. O Amor está em toda a parte e não tem a ver com a ideia de levar o namorado a jantar fora”. A nova série faz justiça a esta ideia e conta histórias reais de amor com A grande, como a de um pai de família mantém viva a memória da mulher que perdeu ou a da mulher que nada com uma baleia que perdeu a mãe, ou ainda a da escritora afro-americana que consegue ter sucesso ignorando as recomendações para que as suas personagens fossem brancas.
É sobre amor com A grande. E se for tão bem sucedido como “Criminal” poderá contribuir para que os media acreditem que há espaço para mais notícias sobre histórias de amor que acontecem todos os dias.
Se tem uma história de amor que nos queira contar envie-nos um email para 24@sapo.pt. Quem sabe não contribuímos para ter mais histórias de amor nos sites de informação.
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