“Devíamos ter uma avaliação rigorosa da mortalidade materna que não se ficasse pelos sistemas de informação. Isso implica ter um grupo de pessoas que avalia os casos e que devia ser sediado na Direção Geral da Saúde”, disse Diogo Ayres de Campos.
O especialista lembrou que há países europeus que fazem inquéritos confidenciais sobre as mortes maternas e acrescentou: “Porque são estes inquéritos confidenciais mais importantes? Porque, além da avaliação das causas, permitem avaliar se seria ou não evitável aquela morte, de forma confidencial, para que as instituições consigam aprender com isso, para que não volte a acontecer.
Diogo Ayres de Campos, que foi recentemente nomeado para presidir a comissão de acompanhamento de resposta em urgência de ginecologia, obstetrícia e bloco de partos, falava na comissão parlamentar de saúde, onde foi ouvido, a pedido do Bloco de Esquerda, sobre os dados da mortalidade materna em Portugal.
Questionado pelos deputados, respondeu que o país precisa de uma estratégia para os cuidados maternos e perinatais, lembrado que esta área teve relevância no final dos anos 80 e inicio dos anos 90, quando houve uma “melhoria enorme nos indicadores”.
“Mas depois ninguém mais ligou a isto. Acharam que bastava uma reforma para os cuidados saúde obstétricos e perinatais” para os indicadores voltarem a melhorar.
“É preciso essa estratégia (…), organizar os cuidados obstétricos e perinatais pois têm grandes implicações na população”, acrescentou.
Questionado inicialmente pela deputada Catarina Martins (BE) sobre quais as causas que estiveram por detrás do aumento da mortalidade materna em Portugal, cuja taxa subiu em 2020 para 20,1 óbitos por 110 mil nascimentos, o nível mais alto dos últimos 38 anos, o especialista levantou várias hipóteses, mas sublinhou sempre que avaliação deve ser feita caso a caso.
“A mortalidade materna precisa de ser investigada caso a caso (….) pois só é considerada quando ocorre durante a gravidez ou nas seis semanas seguintes [ao parto] e que tem causa na gravidez ou causa agravada pela gravidez”, afirmou, sublinhando: “isto implica um estudo aprofundado, caso a caso, e por isso os dados aparecem tardiamente”.
“Temos de ter a certeza de que estes números são mesmo de mortalidade materna”, disse.
O especialista disse que durante muitos anos a taxa de mortalidade materna era muito baixa, mas lembrou que “só houve uma avaliação aprofundada das causas em 2009”.
“Depois, a DGS, em 2018 ou 2019, fez uma nova avaliação”, afirmou o responsável, acrescentando que não teve acesso ao relatório final dessa avaliação, insistindo: “devíamos ter anualmente uma avaliação das causas de morte materna, mas temos estado limitados em relação a essa avaliação”.
“Quando surge um aumento de casos é preciso ver de se é ou não uma situação esporádica”, acrescentou.
Confrontado pelo deputado do PSD Ricardo Barista Leite sobre algumas declarações que fez anteriormente, designadamente sobre a degradação dos serviços obstétricos e de ginecologia e às falhas no planeamento, o especialista admitiu essa degradação, assim como a falta de estratégia.
“Quando temos um hospital, por pequeno que seja, que tem três médicos especialistas e todos com mais de 60 anos, não consigo dizer outra palavra que não seja degradação”, afirmou Ayres de Campos, sublinhando que “a situação não esta limitada a um ou dois, mas sim estendida a vários hospitais”.
“Tem havido uma enorme dificuldade em reter especialistas de obstetrícia e ginecologia, não só pela concorrência do privado. E alguma coisa tem de ser feita. Essa estratégica tem de existir”, insistiu.
Reconheceu a importância da organização da rede de referenciação hospitalar, sublinhando a necessidade de um “consenso alargado” em relação a esta matéria.
Sobre a reorganização dos cuidados de urgência, disse que nalgumas situações há grávidas que vão às urgências e que podiam ter melhor resposta nos cuidados de saúde primários ou mesmo e numa consulta hospitalar que não esteja a funcionar 24 horas por dia, dando o exemplo das “consultas abertas em horário de expediente”.
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