Todos os dias há 436 serviços de comboio que atravessam países da União Europeia e a Suíça, Noruega e Reino Unido. Destes, apenas dois são realizados entre o território português e o vizinho espanhol. O número põe Portugal como o terceiro pior país europeu na hora de usar o comboio para atravessar a fronteira. Apenas Letónia e a Lituânia têm um desempenho pior, revela o relatório elaborado pela plataforma para os comboios internacionais de passageiros, gerida pelos ministros dos Transportes da União Europeia. Entre os 25 países analisados, os melhores serviços registam-se na Alemanha, Áustria e Polónia. Não foram considerados países como Finlândia, Estónia, Chipre, Malta e Grécia.
O documento também aponta os principais desafios nos comboios transfronteiriços: os passageiros reclamam preços mais baixos para trocar o avião pelo comboio nestas ligações, mais garantias em caso de cancelamento das viagens e maior digitalização para comprar bilhetes; os operadores exigem maior disponibilidade dos canais ferroviários, maior harmonização das redes transeuropeias e ainda maior equilíbrio entre o comboio e o avião.
Portugal surge na tabela com apenas um serviço regional (Entroncamento-Badajoz, via Linha do Leste) e um comboio de longa distância (assim foi designado o Celta, que une Porto a Vigo, na Linha do Minho). As duas ligações são feitas duas vezes por dia, com a CP, sozinha, a fazer o serviço regional, e, em conjunto com os espanhóis da Renfe no comboio Celta.
Os dados mostram como o país tem desvalorizado cada vez mais as ligações sobre carris a Espanha: até março de 2020, existiam os comboios noturnos Lusitânia (Lisboa-Madrid) e Sud Expresso (Lisboa-Hendaia, na fronteira com França). O Lusitânia era explorado em conjunto com a Renfe, que unilateralmente usou a pandemia como justificação para nunca mais fazer esta viagem; o Sud Expresso era da responsabilidade exclusiva da CP, mas as carruagens eram alugadas à Talgo e grande parte da viagem era conjunta com o Lusitânia. Realizaram-se quatro cimeiras ibéricas desde que foram cancelados estes comboios mas nunca houve uma orientação política para dar um novo impulso às ligações transfronteiriças.
A Letónia é o país europeu com piores ligações ferroviárias para mudar de fronteira.Tem apenas um comboio internacional por dia, a unir a capital, Riga, com a congénere da Lituânia, Vilnius. Além da ligação a Riga, a Lituânia apenas tem mais uma ligação a outro país: uma vez por dia, um comboio une Kaunas a Bialystok, na Polónia. A Irlanda surge no último lugar do relatório, com apenas um serviço ferroviário, que liga Dublin a Belfast, na Irlanda do Norte, embora este comboio seja realizado oito vezes por dia, sinaliza um dos anexos do relatório.
Os 436 serviços ferroviários por dia na União Europeia oferecem mais de meio milhão de lugares. Ao fim de um ano, todos os comboios podem acolher 150 milhões de utentes, praticamente o dobro dos 79 milhões de utilizadores do aeroporto britânico de Heathrow e mais do que o número de passageiros conjunto dos aeroportos de Schipol (Países Baixos) e Frankfurt (Alemanha), com 122 milhões em 2023.
Os comboios Intercidades são os que têm mais serviços por dia (159) mas a vertente regional é a que melhor combina o número de ligações (150) com a frequência, proporcionando 1122 viagens por dia. Há também 68 serviços de alta velocidade, mais de três vezes por dia, e registam-se 59 comboios noturnos, embora nem todos circulem diariamente. Há 35 capitais europeias que estão ligadas entre si. Nota ainda que mais de sete em cada 10 comboios internacionais são financiados com verbas dos contribuintes, através de contratos de serviço público.
Para interagir com o gráfico e perceber melhor os dados do IRP aqui.
Problemas para passageiros e operadores
O comboio é um meio de transporte fundamental para que a União Europeia atinja a neutralidade carbónica até 2050. Mas as baixas emissões face ao avião não são argumento suficiente para trocar os céus pelos carris. Grande parte dos passageiros apenas irá fazer esta mudança quando os preços dos comboios forem iguais ou mais baixos do que os do avião e o tempo de viagem for relativamente equiparado.
Os viajantes também reclamam maior facilidade na compra dos bilhetes: ainda não há uma plataforma que facilite a compra de ingressos para os comboios internacionais, obrigando à pesquisa em várias páginas e estruturas de preços. Pior ainda, é a falta de bilhetes que conjuguem o comboio com outros meios de transporte, facilitando a deslocação desde a porta de casa até ao destino. Uma exceção é o projeto Easy Connect, na ligação entre Aachen, na Alemanha, e Maastricht, nos Países Baixos: os passageiros podem comprar os bilhetes, através de uma aplicação móvel, para incluir vários meios de transporte na mesma viagem.
Os passageiros também têm medo de usar comboios internacionais por causa de eventuais cancelamentos. Apesar de já haver um acordo internacional para continuar a viagem sem custos a mais, a iniciativa não contempla uma compensação financeira em caso de atraso ou de cancelamento do serviço ferroviário.
As empresas ferroviárias também têm razões de queixa: falta a harmonização da infraestrutura, o que impede que o mesmo comboio atravesse as fronteiras sem ter de parar; são introduzidas reduções de velocidade ou mesmo supressões de troços sem haver grande aviso prévio, retirando previsibilidade ao serviço e; há elevadas taxas de acesso à infraestrutura, tornando menos atrativa a introdução de mais viagem.
O comboio e o avião também não estão em condições de igualdade no capítulo do preço - não se paga IVA pelas viagens de avião, ao contrário das deslocações ferroviárias - e o avião não tem devidamente internalizados os custos externos, bastante superiores ao do comboio.
No caso dos comboios noturnos, os operadores reclamam mais espaço para estes serviços, que habitualmente chegam nas horas de ponta às principais estações ferroviárias europeias, quando já existe muita oferta de comboios suburbanos e regionais. Também há dificuldades em aumentar o número de carruagens por comboio: não há carruagens para alugar - pela especificidade do serviço - e os fabricantes exigem garantias de pelo menos 10% para produzirem novo material, o que afasta potenciais novos operadores.
O que aí vem?
No ano em que Portugal e Espanha entraram para a União Europeia, havia 20 viagens por dia entre os dois países, escreveu em 2021, o jornal Público. Ao longo dos anos, deixaram de haver comboios diurnos entre Lisboa e Madrid (TER Luís de Camões) e também parou a circulação de um comboio noturno direto entre Porto e Hendaia.
Para os próximos anos são esperados 67 novos comboios internacionais, três dos quais em Portugal. O relatório menciona um potencial novo serviço noturno a partir de Portugal a partir de 2025 e dois novos serviços intercidades a partir de 2029. No entanto, o mais expectável é que a partir do próximo ano possam começar a circular comboios entre Madrid e Évora (pelo menos), assim que estever concluída a construção da nova linha entre Évora e Elvas. Resta saber se este será o renascimento das ligações sobre carris entre Portugal e Espanha.
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