A agora ex-presidente da Raríssimas, suspeita de usar o dinheiro da associação para benefício próprio, foi confrontada, em março, com despesas não autorizadas que fez na Federação de Doenças Raras (FEDRA), entidade que fundou em 2008 e que desde sempre presidiu, até suspender o mandato, em março deste ano.
Luís Quaresma, vice-presidente da direção da FEDRA, explica ao SAPO24 que, no início deste ano, Paula Brito e Costa “foi questionada sobre uma série de despesas que foram feitas sem autorização da direção”.
Na Assembleia Geral em que essas questões foram apresentadas, em março deste ano, a ex-presidente da Raríssimas e da FEDRA “não quis continuar e suspendeu o seu mandato”, conta Luís Quaresma ao SAPO24.
A situação foi também denunciada por uma dirigente da FEDRA, por carta, ao Instituto Nacional de Reabilitação e à Segurança Social. Todavia, sublinha Luís Quaresma, algumas das despesas em questão “não se pode considerar como despesas em benefício pessoal; foram despesas feitas por técnicos da Raríssimas, que a FEDRA ia pagar.” E foi esse pagamento que a federação não achou ser da sua responsabilidade.
“Ou seja, não houve um benefício próprio, houve um aproveitamento da FEDRA em benefício da Raríssimas, o que não configura propriamente um ilícito — é uma questão mais interna", explica o vice-presidente da federação. Em causa, está o facto de a "federação não deixar que seja beneficiado um associado em detrimento dos outros", diz. E acrescenta "se alguém tem de ir ao estrangeiro em representação da federação, deve ser a FEDRA a definir quem”.
Na denúncia foi posta em causa uma viagem ao Brasil, em 2013. Paula Brito da Costa, como dirigente da federação, terá ido ao Brasil, acompanhada pelo marido, tendo também usufruído de um spa, no valor de quase 400 euros, e do aluguer de um automóvel da marca BMW.
A denúncia feita pela então secretária da direção da FEDRA, Piedade Líbano Monteiro, foi enviada à unidade de desenvolvimento social do Instituto da Segurança Social (ISS) e também ao Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), que depende do Ministério do Trabalho.
"Defendemos a dignidade e a transparência acima de tudo, principalmente porque somos uma instituição de solidariedade social. De facto, permanece por explicar despesas com viagens e estadia no estrangeiro da presidente da associação Rarissímas e para as quais não me sinto apta para dar parecer favorável.", escreveu Piedade Líbano Monteiro na denúncia enviada à ISS e ao INR, citada pela TVI.
Esta carta, porém, parece estar em parte incerta. Questionado pela TVI, que teve acesso à denúncia da FEDRA, o presidente do Instituto da Segurança Social disse não haver registo da entrada desta queixa. Mais: pediu ao canal de televisão que reenviasse a carta àquela entidade, depois de recusar uma entrevista.
Já sobre a situação da Raríssimas, denunciada por uma reportagem da jornalista Ana Leal, o ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva, disse esta segunda-feira, 11 de dezembro, que também a Segurança Social não teve conhecimento de quaisquer denúncias de gestão danosa na associação até esta terça-feira presidida por Paula Brito e Costa.
“Nem eu nem a minha equipa tivemos qualquer informação sobre denúncias de gestão danosa pela associação Raríssimas. Nunca foi entregue a mim ou ao Instituto de Segurança Social denúncias sobre uma eventual gestão danosa”, disse Vieira da Silva, acrescentando que as informações recebidas foram sobre alegadas irregularidades estatutárias e não “atos de gestão danosa”.
FEDRA gastou mais de 36 mil euros em deslocações em 2016
Uma das questões levantadas na reportagem da TVI foi o valor que a ex-dirigente da Raríssimas alocava a deslocações. Na FEDRA, no ano passado, foram gastos 36.834,77 euros em deslocações, pode ver-se nas demonstrações financeiras da federação.
No orçamento para 2017, feito ainda com Paula Brito e Costa na direção da FEDRA, estava previsto o gasto de 23 mil euros em deslocações. Valor que, diz Luís Quaresma, não chegou a ser atingido.
O vice-presidente da FEDRA acusa Paula Brito e Costa de dar “uma grande importância a deslocações ao estrangeiro”, enquanto “a atual direção acha que é mais importante apoiar os associados internamente”, explica por telefone ao SAPO24.
Por causa dessa mudança de foco, aponta Luís Quaresma, a FEDRA passou de um orçamento que previa “23 mil euros em deslocações para 3.250 euros, que são as deslocações internas para visitas aos associados e eventualmente, se houver um congresso internacional que achemos interessante; mas nunca os vinte e tal mil euros que estavam previstos para 2017 e que penso que não foram sequer atingidos, nem pouco mais ou menos", diz o dirigente.
Quanto à denúncia de que Paula Brito e Costa alegadamente usava o carro da FEDRA como viatura própria para ser ressarcida das deslocações na Raríssimas e o carro da Raríssimas para ser ressarcida na FEDRA, Luís Quaresma diz que a federação não tem conhecimento do esquema.
"Na FEDRA sabemos o que pagamos, não sabemos o que a Raríssimas paga. E provavelmente vice-versa", conclui.
“Deixámos que as coisas aparecessem feitas”
Luís Quaresma reconhece que, até 2014, a FEDRA foi deixada ao cuidado de Paula Brito e Costa. “A FEDRA até 2014 esteve muito parada, a sede era nas instalações da Raríssimas, ela era simultaneamente presidente das duas", diz. Era Paula quem "ia fazendo as coisas andar", razão por que, Luís Quaresmas admite que a restante direção deixou "que as coisas aparecessem feitas". "As outras associações e os outros dirigentes deixaram um pouco a coisa andar”, confessa o dirigente.
Depois de Paula Brito e Costa ter suspendido o mandato, numa reunião com os associados, os restantes membros da direção puseram a sua saída em cima da mesa, porém, diz o vice-presidente da Federação, os associados mantiveram a confiança nos outros membros, pedindo “procedimentos que impeçam que haja de novo qualquer aproveitamento dentro da federação”.
Luís Quaresma garante, então, que neste momento a FEDRA “está a funcionar, está a apoiar as suas associadas e a fazer a formação dos seus dirigentes”.
Apesar de Paula Brito e Costa já não pertencer à FEDRA, a Raríssimas continua a “ser associada”, e, sublinha o vice-presidente, a federação espera que a Raríssimas continue a fazer parte daquela entidade.
“Respeitamos muito a Raríssimas enquanto nossa associada”, diz o dirigente, que faz parte da ASBIHP, a Associação de Spina Bífida e Hidrocefalia de Portugal.
Para além de Paula Brito e Costa, presidente da direção, também António Manuel dos Santos Veiga, segundo vogal, suspendeu o mandato a 30 de março deste ano. Todavia, permanecem representantes da Raríssimas quer na Mesa da Assembleia Geral — João Correia (presidente) e António Trigo (vice-presidente) —, quer no Conselho Fiscal — António Trindade Nunes (presidente).
Os órgãos sociais da FEDRA são constituídos por representantes de várias associações portuguesas de doenças raras. Esta federação, fundada em 2008, reúne quatorze associadas, entre elas a Raríssimas.
Reportagem põe gestão da Raríssimas em causa
A TVI divulgou no sábado uma reportagem sobre a gestão da associação Raríssimas — Associação Nacional de Doenças Mentais e Raras, financiada por subsídios do Estado e donativos. A investigação mostra documentos que colocam em causa a gestão da instituição de solidariedade social, nomeadamente da sua presidente, Paula Brito e Costa, que alegadamente terá usado o dinheiro em compra de vestidos e vários gastos pessoais.
Na segunda-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que o Ministério Público está a investigar a Raríssimas, após uma denúncia anónima relativa a alegadas irregularidades na gestão financeira e ao uso indevido de dinheiros da associação pela sua presidente.
Também na segunda-feira, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social anunciou que vai “avaliar a situação” da Raríssimas e “agir em conformidade”, após a denúncia de alegadas irregularidades na gestão financeira e de uso indevido de dinheiros da associação pela sua presidente.
Antes da posição do ministério, a direção da Raríssimas divulgou um comunicado na rede social Facebook no qual diz que as acusações apresentadas na reportagem são “insidiosas e baseadas em documentação apresentada de forma descontextualizada”, afirmando que as despesas da presidente em representação da associação estão registadas “contabilisticamente e auditadas, tendo sido aprovadas por todos os órgãos da direção”.
A direção da Raríssimas destaca ainda que, “contrariamente ao que foi dito na reportagem, não está em causa a sustentabilidade financeira” da associação.
Quanto aos valores de vencimentos que a reportagem mostra, diz a Raríssimas que “foram artificialmente inflacionados” e que os ordenados que paga se baseiam na “tabela salarial definida pela CNIS — Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social”.
Esta terça-feira, o jornal 'Expresso' avança que Paula Brito e Costa se demitiu da Raríssimas.
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