“Hoje há uma incapacidade de comunicação por parte da justiça em geral que leva a que os cidadãos cada vez agudizem mais a sua perda de confiança nos tribunais”, disse José Cunha Rodrigues, à margem de uma sessão evocativa dos 50 anos do 25 de Abril, organizada pelo Conselho Superior da Magistratura no Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa.

Defendendo que o Ministério Público (MP) e a justiça de forma geral necessitam de alterações, nomeadamente numa relação com os cidadãos em que “a justiça comunique”, o juiz conselheiro jubilado escusou-se, no entanto, a comentar o caso concreto da atual PGR, Lucília Gago, debaixo de críticas, nomeadamente por falta de explicações públicas do Ministério Público sobre a Operação Influencer, que levou à demissão do Governo de António Costa, ainda que entenda que “ela sabe o que está a fazer”.

“Agora de facto, não só o MP, mas também a magistratura judicial, têm o dever estrito de informar o público, de não deixar que cresçam deturpações nem manipulações da verdade. É isso que está a falhar também”, disse, apontando à comunicação social “uma multiplicação do ruído” que cria situações “negativas, mesmo para a isenção dos tribunais”.

Cunha Rodrigues criticou a “multiplicação de comentadores”, em que “todos parecem ter uma formação jurídica de excelência e todos parecem arrogar-se conhecer por dentro tudo”, deixando os cidadãos “totalmente baralhados”.

Para o ex-PGR o MP deve “explicar o que é necessário explicar”, ainda que seja “evidente que isso expõe sempre os agentes de justiça à crítica dos órgãos de comunicação” e sobre os pedidos de demissão de Lucília Gago, face ao silêncio da PGR, não quis tomar posição, mas criticou o que considera ser um aproveitamento do poder político.

“Não sei se se justificam [os pedidos de demissão], porque não conheço o que se passa na PGR. (…) Estranho o silêncio da justiça em geral. Não dela em particular, porque ela faz parte de um subsistema, e penso que está a dar azo a uma atitude do poder político de confronto, de escrutínio, de resolver os problemas internos da política com recurso a sistemas que estão neste momento numa situação de fragilidade”, disse.

Sobre o Manifesto de uma centena de personalidades que pede uma reforma da Justiça e critica a atuação do MP, disse que o viu como “uma prova da falta de confiança que existe em alguns setores da Justiça”, mas apontou às críticas feitas a ausência de “um pensamento alternativo” e de soluções.

Sobre o caso que envolve o Presidente da República e o posicionamento da juíza de instrução, que defende que o comportamento do chefe de Estado no caso do tratamento médico das gémeas luso-brasileiras não foi neutro e devia ser investigado, Cunha Rodrigues sinalizou também neste caso um problema de comunicação.

"Eu tenho tido o comportamento de uma pessoa que ouve essas coisas, que elas são em si mesmo muitas vezes indecifráveis, porque mesmo como jurista, não entendo, dado que não há explicações públicas, dado que não há esclarecimentos, o que está neste momento em causa, se é a política, se é a ética, se é o crime, se é o interesse dos órgãos de comunicação social em terem temas”, disse.

O ex-PGR sublinhou que a justiça “não se fez para investigar política nem para investigar políticos, nem para investigar comportamentos éticos”, mas para “investigar crimes”, afirmando que neste momento vê o país “intoxicado por situações, algumas de grande gravidade e outras que a gente não chega a perceber o que está a ser investigado”.

Na cerimónia, em que foi inaugurada uma exposição “Tribunais: 50 anos em nome do Povo”, patente até ao final de julho, o procurador-geral adjunto jubilado e comissário da exposição, Carlos Sousa Mendes, reconheceu também um problema de comunicação ao MP e à Justiça.

“Penso que a comunicação para nós tem sido um problema que andamos a tentar resolver há bastantes anos, porque a Justiça para ser percebida tem que ser dita, não só escrita, mas dita, por forma a que todos compreendam o que se pretende transmitir”, disse.