De acordo com Jorge Cid, que falou à agência Lusa a propósito da proibição do abate nos canis municipais a partir do próximo dia 23, o expectável aumento de animais nas ruas — por falta de espaço nos centros de recolha – representa “um perigo para o bem-estar animal e a segurança dos cidadãos”.
“Pode ser um problema de saúde pública, de segurança dos cidadãos, para não falar do péssimo aspeto que é ver cães a vaguear pelas ruas num país que se quer desenvolvido e está a apostar muito no turismo. O péssimo exemplo que dá haver animais que andam a vaguear nas ruas, tornando-se um perigo para a saúde pública”, afirmou.
No seu entender, haverá um “problema gravíssimo” partir do dia 23: “Por um lado, as câmaras e veterinários municipais são obrigados a recolher os animais errantes; por outro lado, não têm sítio onde os pôr”.
Segundo o responsável, a existência de um número muito elevado de animais abandonados nas ruas dará lugar à propagação de zoonoses, doenças infeciosas de animais capazes de ser naturalmente transmitidas ao ser humano.
“É um perigo para o bem-estar animal e para a segurança do cidadão e depois toda a patologia e todas as doenças que podem transmitir-se dos animais às pessoas e que podem daqui advir. É obrigatório todos os cães serem vacinados para a raiva, têm de ser ‘microchipados’. Há sarna, leptospirose, tinha, várias patologias. E um animal abandonado, como é obvio, não é sujeito ao controlo médico e não é vacinado, nem ‘microchipado'”, disse.
Para o bastonário, é “inevitável” que se tome “uma decisão” relativa a esta lei, aprovada por unanimidade no parlamento a 9 de junho de 2016.
“Alguém vai ter de tomar uma decisão e essa decisão tem de ser política, não pode ser outra […]. O problema é que há leis que podem ser corretas na sua génese, mas podem ter efeitos perfeitamente ao contrário e isto é um caso que eventualmente pode ter, se não se arranjar uma solução rápida”, afirmou.
A Ordem dos Médicos Veterinários lançou um programa de parceria com centros veterinários, em todo o país, para ajudar os municípios na esterilização e no tratamento de animais, mas, de acordo com o representante, “apenas 12 câmaras municipais aderiram”.
“Lançámos este programa nacional, do Minho ao Algarve, com os veterinários a aderirem de uma forma maciça a esta problemática, dando na sua generosidade e boa vontade o seu trabalho ‘pro bono’. Curiosamente só 12 câmaras municipais é que aderiram a este programa, em que é debitado à câmara apenas o material que se gasta nas esterilizações, e, portanto, evitaria que as câmaras municipais tivessem que fazer investimentos grandes em clínicas e centros de cirurgia”, explicou.
Do lado da prestação dos serviços aderiram a esta iniciativa 205 centros de atendimento médico-veterinário, em 100 municípios do país.
O programa continua disponível para candidaturas dos municípios e das freguesias, com trabalho gratuito dos profissionais, para evitar “um processo que pode correr bastante mal”.
Jorge Cid afirmou que a solução para o problema passaria por fazer “um esforço do não-abandono”.
“Este ano, dos dados que tínhamos em agosto já havia à volta de 15 mil animais recolhidos e apenas cinco mil adotados. Estamos sempre a falar no máximo de 30% de animais adotados. Esta situação não se vai inverter por mais que as pessoas queiram fazer campanhas. Se não se inverteu até agora, não se vai inverter”, lamentou.
Por isso, defendeu, é preciso estudar bem as causas do abandono e tentar resolver o problema de raiz, para não “começar a casa pelo telhado”.
Segundo a lei, o Estado “assegura a integração de preocupações com o bem-estar animal no âmbito da Educação Ambiental desde o 1.º ciclo do ensino básico” e, em conjunto com o movimento associativo e as organizações não-governamentais de ambiente e de proteção animal, “dinamiza anualmente” campanhas contra o abandono.
Para o bastonário, a campanha lançada em março pelo Governo para combater o abandono foi “extremamente insuficiente” e apenas “um passo num percurso grande”.
“Foi um passo, mas o percurso era grande e não é só com um passo que se percorre esse percurso, portanto não é com campanhas de sensibilização. É evidente que essas tem de haver, mas é um problema muito mais vasto, começa logo na escola na educação das pessoas e depois com várias medidas”, afirmou.
Em vigor desde 23 de setembro de 2016, a lei que aprova medidas para a criação de uma rede de centros de recolha oficial de animais e estabelece a proibição do abate de animais errantes como forma de controlo da população define um período transitório de dois anos, que termina neste mês.
Fica assim proibido o “abate de animais em centros de recolha oficial de animais por motivos de sobrepopulação, de sobrelotação, de incapacidade económica ou outra que impeça a normal detenção pelo seu detentor”.
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