Com a saída das forças de segurança às ruas de Lisboa para um protesto por melhores condições laborais e por mais respeito pela classe profissional, não foram apenas as palavras de ordem que ficaram na memória de quem acompanhou a manifestação nos diretos televisivos.
Acompanhando os gritos de “Zero” — podendo tanto ser referentes ao lema da manifestação, "Tolerância Zero", como ao Movimento Zero, grupo criado no Facebook por elementos da PSP e da GNR — esteve um gesto por muitos repetido. Este é comummente conhecido por significar “ok”, mas para os envolvidos no protesto o objetivo seria o de replicar o número “Zero” com a mão.
Este gesto porém, há alguns anos que vem sendo envolto de controvérsia. Apesar de a sua génese ser antiga — há registos que remontam ao século XVII mas também à antiguidade indiana — e de geralmente ser utilizado para indicar aprovação, bem estar ou consentimento, o gesto do “ok” obteve um novo significado nos últimos anos e tudo começou na ação de “trolls” em fóruns online.
Em 2017, membros do website 4chan planearam uma campanha viral na qual o objetivo era “encher o Twitter e outras redes sociais com spam, dizendo que o símbolo gestual 'ok' é um símbolo de supremacia branca”. Para atingir esse objetivo, espalhou-se a ideia de que com o gesto aparentemente inocente, feito juntando o indicador ao polegar e mantendo os restantes três dedos esticados, a mão supostamente forma um “W” com os três dedos e um “P” com a combinação de indicador, polegar e restante membro, significando estas duas letras “White Power” (“Poder Branco”), um dos termos mais populares junto dos movimentos supremacistas brancos.
O objetivo era pregar uma partida aos meios de comunicação e aos movimentos políticos de esquerda, fazendo-os acreditar numa grande conspiração, dada a extensa utilização deste símbolo por pessoas dos mais variados quadrantes. Como escreve o The Guardian, em outubro deste ano, caso esta falsa simbologia fosse amplificada pelos jornais, isso tanto atingiria o propósito de “fazer acreditar que supremacistas brancos poderiam estar em qualquer lado, escondidos à vista de todos” e de “fazer os chamados media liberais parecerem crédulos”, tendo isto “um efeito deslegitimizador, criado a ideia de que os jornalistas são demasiado sensíveis”.
A utilização do símbolo e a sua natureza ambígua já provocaram várias polémicas, principalmente nos EUA, onde as tensões entre movimentos à esquerda e à direita estão particularmente acesas.
No início de outubro, um ator vestido de “Gru” do filme “Gru: O Maldisposto”, foi despedido do parque temático dos estúdios da Universal por ter sido fotografado a fazer o gesto junto de uma menina de seis anos. A família fez queixa e o empregado foi afastado sem que a gerência justificasse especificamente este episódio como a causa. Já no ano passado, um membro da Guarda Costeira dos EUA foi suspenso por ter feito o gesto numa emissão em direto de um centro de resposta ao Furacão Florence. De Donald Trump até ao ator Stephen Fry foram acusados de o utilizar.
Mas esta utilização do gesto passou da original esfera da ironia para a política quando o grupos da chamada “alt-right” (a "extrema-direita alternativa") começaram a adotá-lo, sendo o mais mediático exemplo disto quando Brenton Tarrant, extremista australiano indiciado pela morte de 51 pessoas em março em duas mesquitas de Christchurch, na Nova Zelândia, fez o gesto quando foi fotografado em tribunal.
Tal crescimento de popularidade junto de grupos de extrema-direita levou a Liga Antidifamação, organização não-governamental judaica de combate ao antissemitismo, a incluir o gesto na sua lista de símbolos de ódio a 26 de setembro deste ano, juntando-se assim a uma seleção de mais de 200 entradas, que incluem também a suástica, a cruz celta. Outro exemplo é o cartoon "Pepe the Frog", cuja apropriação por parte da "alt-right" também o levou a ser catalogado naquela lista e o seu autor a afastar-se da sua criação, "matando-a".
No entanto, apesar de o gesto ter sido incluído na sua lista, a própria Liga admite que “grande parte do uso” deste símbolo é para indicar aprovação ou para dizer “ok”, como o seu nome sugere, e que “desde 2017 muitas pessoas foram falsamente acusadas de serem racistas ou supremacistas brancas por usar o gesto na sua forma tradicional e inócua”.
Por isso mesmo, a organização avisa que “é preciso ter particular cuidado para não tirar conclusões precipitadas quanto à intenção de alguém que usa o gesto”. A título de exemplo, este símbolo é o utilizado pelos mergulhadores debaixo de água para afirmar que está tudo bem e, como a emissora australiana SBS apontou recentemente, o símbolo é também fulcral na linguagem gestual de vários países.
Regressando aos acontecimentos de ontem
A controvérsia quanto à utilização do símbolo prende-se com o facto de o gesto ter sido usado por elementos do Movimento Zero, grupo recentemente apontado pelo Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) como sendo “preocupante” e potencialmente perigoso.
Criado através das redes sociais, o Movimento Zero tem como integrantes agentes da PSP e militares da GNR, mas enquanto organização não tem uma chefia declarada. Segundo afirmou o presidente do OSCOT, António Nunes, à agência Lusa, no dia 13 de novembro, um dos grandes riscos de movimentos como este é estarem “sujeitos a uma infiltração de movimentos de extrema-direita ou extrema-esquerda”.
Vários dos integrantes do movimento negaram ao Observador que o gesto tenha algum tipo de conexão ao seu significado de supremacia branca. “Rejeitamos completamente a ligação”, disseram a este meio de comunicação.
Hoje, durante o programa "Opinião Pública", na SIC Notícias, António Nunes disse ter "profundas dúvidas de que o gesto, na generalidade das pessoas que o estava a fazer, tivesse essa conceção", apesar de admitir que "que quem o introduziu, possa, em determinada altura, não querer significar a supremacia branca, mas indicar que é um partido reivindicativo de extrema-direita". O presidente do OSCOT desvalorizou que o gesto tivesse sido usado pelo seu potencial significado extremista, acreditando que a sua utilização por vários dos manifestantes terá sido feita com o intuito de indicar que apoiavam o Movimento Zero.
Nas redes sociais, tanto há quem defenda que a utilização do símbolo pelos elementos do Movimento Zero teve uma conotação prepositadamente extremista, como há quem refute essas acusações, recordando que já chegou a ser utilizado por Vitorino Silva (Tino de Rans), sendo o símbolo do seu partido, o RIR, composto por esse gesto.
O SAPO24 tentou contactar os dois sindicatos responsáveis por organizar a manifestação de ontem, a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) e a Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR), assim como o OSCOT, não tendo obtido resposta até à hora da publicação deste artigo.
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