Giorgia Meloni nasce e cresce politicamente numa fase histórica em que a política e as direitas radicais italianas estão em transformação. Tinha 20 anos quando entrou para as primeiras filas das organizações juvenis da Aliança Nacional, sempre mais radicas do que o próprio partido, hoje tem 45 anos.

De lá para cá passaram 25 anos, e "não podemos esquecer que foi vice-presidente do parlamento italiano aos 29 anos e que aos 31 anos foi ministra da Juventude. É uma mulher com grande experiência profissional na política ao mais alto nível", lembra Marchi.

Quando funda o Fratelli d'Itália [Irmãos de Itália], "Meloni tem exatamente esta ideia de fazer um partido de direita para falar às diferentes direitas disponíveis no mercado eleitoral", acredita Riccardo Marchi. Tinha 5%, agora tem 26%.

"Meloni apresenta-se hoje como a voz da direita conservadora e da direita liberal, uma direita mais pluralista. Onde continua, claro, a corrente mais neofascista, mas que já é outra coisa", diferente do que foi lá atrás, analisa Riccardo Marchi. "Ela foi moldando o seu discurso com base na cultura das políticas da direita que tem e que quer representar".

"O sapo e o escorpião" é um podcast produzido pela MadreMedia que todas as semanas trará a discussão dos temas na agenda política ao SAPO24.

Este podcast pode ser ouvido nas plataformas habituais, que pode subscrever aqui:

Gostou de ouvir "O sapo e o escorpião", tem alguma sugestão ou pergunta para nós ou para os nossos convidados? O seu feedback é importante. Estamos "à escuta" no e-mail osapoeoescorpiao@madremedia.pt .

"Chamar fascista a Meloni é usar um instrumento da polémica política, que serve os adversários da extrema-esquerda mas, muitas vezes, também os centristas ou até os colegas de coligação, quando querem colocar algum travão ao crescimento desta direita populista ou de protesto", afirma.

A Itália, diz, já passou a fase de populista de protesto e já está numa fase de governo e de propostas concretas. "Fascismo não cola com a realidade política deste partido e, em particular, desta líder", garante. "A ideia de colar uma visão patriótica e a vontade de fazer bem à própria nação a uma imagem fascista explica mais de quem faz a comparação do que de quem recebe a crítica".

Para Riccardo Marchi, Giorgia Meloni "é uma líder realista e pragmática". E, no imediato, o que podemos esperar da futura primeira-ministra é "a formação de um governo com dois eixos". Primeiro, "um governo estável para os próximos cinco anos, o que não é fácil com os dois colegas de coligação, que perderam mal as eleições, estão fragilizados", lembra.

"Matteo Salvini é provavelmente um líder de saída, a Liga Norte já está à procura de um substituto. Berlusconi tem 85 anos, perdeu gás, ele e o seu partido. Mas dificilmente aceitarão estar calados e ser dominados por um governo do Fratelli d'Itália. Meloni terá de encontrar uma fórmula que permita não humilhar os seus parceiros de coligação para não os perder". Este é o primeiro ponto.

O segundo eixo é para Riccardo Marchi o mais importante: "Penso que Meloni terá a preocupação de formar um governo que tenha um alto grau de respeitabilidade a nível internacional. Porque este é o principal desafio, um governo amplamente aceite, quer a nível da União Europeia, quer a nível da Aliança Atlântica. Ela vai ter de garantir que, apesar de não deixar a linha crítica da direita - não podemos esquecer que é presidente do Grupo Parlamentar "Reformistas e Conservadores Europeus" -, é credível.

Marchi lembra que os partidos da direita radical mais bem-sucedidos abandonaram o discurso de saída da União Europeia ou do euro ou do regresso cada um por si. "Também porque dentro da UE se abriu uma margem maior para a crítica, mais ampla e flexível. E possível fazer oposição radical à elite de Bruxelas dentro da UE. E este eleitorado, que cresceu para dois dígitos, não é antieuropeísta à partida, mas quer uma Europa que faça o que prometeu: melhorar as condições de vida dos cidadãos".

E, a propósito de credibilidade, lembra Mario Draghi, "vendido pelos meios de comunicação internacionais como um italiano de maior prestígio a nível mundial". Mas a verdade, afirma, "é que os partidos que apoiaram Draghi diretamente e que o propuseram para o governo foram os mesmos que perderam as eleições ou tiveram resultados aquém do desejado". Ou seja, "se a imprensa mundial achava Mario Draghi XPTO, os italianos não estavam sequer interessados no assunto. Finalmente temos um governo eleito pelo povo".

Uma conversa que vale a pena ouvir, onde o investigador sublinha que "os partidos populistas ou radicais não têm sido minimamente beliscados pelo alerta dos restantes em relação aos perigos contra a democracia, pelo contrário". Por isso, "talvez esteja na altura de mudarem o discurso".

Riccardo Marchi insiste que Portugal está muito atrás da Itália, mais rápida nas mudanças, e, já fora dos microfones, afirma que André Ventura não está a capitalizar o seu bom momento. Mas isso ficará para um outro episódio.