O acórdão, a que a agência Lusa teve hoje acesso, refere que o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) “revogou a decisão absolutória da primeira instância e condenou o arguido, Carlos Conde d'Almeida, pelos crimes de homicídio por negligência e condução perigosa de meio de transporte aéreo”, na sequência dos recursos interpostos pelo Ministério Público (MP) e pelos familiares das vítimas.

“A condenação ocorreu devido ao entendimento de que o arguido agiu com negligência grave ao não seguir as normas técnicas de segurança, optando por tentar religar o motor [após falha] em vez de escolher imediatamente um local seguro para aterragem, resultando em colisão fatal”, sustentam os juízes desembargadores no acórdão, com data de quarta-feira, 6 de novembro.

O TRL decidiu suspender a pena de prisão por igual período (quatro anos), medida “condicionada à frequência, durante o período de suspensão, de um programa de formação em segurança aeronáutica, a ser promovido por entidade competente”.

“A escolha da pena de prisão é justificada pela gravidade das consequências do comportamento negligente do arguido, que resultou na morte de duas pessoas. A aplicação de uma pena de prisão responde tanto à necessidade de reprovação da conduta quanto às exigências de prevenção geral, dado o efeito letal e evitável da ação”, justifica a Relação de Lisboa.

A aterragem de emergência do avião ligeiro de instrução Cessna 152 que levava a bordo o piloto instrutor e um aluno, no dia 2 de agosto de 2017, provocou a morte de uma menina de 8 anos e de um homem de 56, que se encontravam na praia de São João da Caparica, concelho de Almada, no distrito de Setúbal.

Em 14 de maio deste ano, o Tribunal de Almada absolveu o arguido por entender que cumpriu todos os procedimentos de emergência, concluindo pela “ausência de negligência grave”.

O tribunal de primeira instância considerou ainda que as tentativas de reativação do motor, ainda que prolongadas, seriam justificáveis pela natureza imprevisível da emergência e pela complexidade da situação em voo.

A Relação de Lisboa tem, contudo, um entendimento diferente e considera que a tentativa prolongada de religação do motor desviou o foco das obrigações de segurança que o piloto deveria ter tido, “violando o dever de cuidado exigido” nas normas de aviação.

“O TRL entendeu que o arguido, com a sua experiência, deveria ter priorizado a escolha de um local de aterragem seguro ao invés de insistir em religar o motor em baixa altitude, o que configurou um comportamento imprudente e negligente em situação de risco elevado”, lê-se no acórdão.

A Relação de Lisboa salienta que a pena visa “reforçar a sua consciência sobre a gravidade dos efeitos de uma conduta negligente e fomentar uma prática profissional mais segura e rigorosa”.

“A culpa do arguido é significativa, dado que, como piloto instrutor, ele tinha pleno conhecimento das normas de cuidado que exigem a escolha imediata de local seguro para aterragem em caso de falha do motor. Ao insistir na tentativa de religação do motor, o arguido criou um perigo objetivo e evitável para a vida de terceiros”, sustenta o TRL.

No âmbito da prevenção geral, este tribunal superior assume que “a sociedade exige uma resposta penal que desestimule a desconsideração das normas de cuidado em contextos de risco, como a aviação”.

Os juízes desembargadores avisam também que a pena “deve servir de exemplo para profissionais da aviação, enfatizando a seriedade das normas de segurança e a obrigatoriedade da sua observância”.