2021 parece distante mas é o mais próximo que conseguimos estar quando se analisam os indicadores sociais do país a partir das estatísticas disponíveis. Foi esse o trabalho realizado pela NOVA SBE em parceria com a Fundação ‘la Caixa” e o BPI e refletido no relatório “Portugal Social, 2022” hoje apresentado.
O trabalho foi realizado no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, programa plurianual estabelecido entre as instituições, com o objetivo de traçar o retrato socioeconómico das famílias portuguesas e descrever a situação social no país. Nesta 3ª edição, somam-se dois capítulos adicionais referentes ao impacto da pandemia de Covid-19 ao custo de vida.
Em 2021, a taxa de risco de pobreza reduziu em Portugal em dois pontos percentuais, fixando-se em 16,4%. Contudo, este valor seria bem diferente sem apoios sociais, já que subiria para 43,3%. A taxa de risco global diminuiu, mas houve regiões em que aumentou, a Madeira à cabeça com 23,4%, seguida de Açores e do Algarve.
2021, apesar de distante, é o ano que todos recordamos como o do meio na pandemia de covid-19, que teve início em 2020. O relatório inclui por isso um capítulo especial dedicado ao impacto da crise pandémica em que uma das conclusões é que apenas 18% dos agregados familiares reportaram redução de rendimentos em função da pandemia. O valor é, no entanto, superior entre os mais pobres, em que sobe para 22,8%, nomeadamente por situações de desemprego ou de redução do número de horas de trabalho.
Que são, já agora, enquadradas a partir de um escalão de rendimento abaixo dos 6653 euros ao ano ou 554 euros mensais.
13% da população em geral recebeu algum tipo de apoio do Estado, valor que sobe ligeiramente para 13,8% entre os mais pobres. O apoio social médio foi de 1000 euros, 988 euros na população em geral e 1012 entre os mais pobres.
O teletrabalho pode parecer comum para uma determinada franja da população, nomeadamente a que trabalha nas profissões liberais ou nos serviços, mas os números mostram que apenas 32% das pessoas puderam trabalhar a partir de casa na pandemia.
Mais grave é a percentagem de crianças excluídas do ensino por falta de equipamento ou acesso á internet: foi de 10% entre os mais pobres e de 5% na população em geral. As percentagens podem higienizar a realidade por isso vale a pena ir aos números que as suportam: em Portugal existem 1,9 milhões de crianças e jovens distribuídos pelos vários níveis de ensino, segundo a Pordata. No primeiro ciclo, são 926 mil e no ensino secundário são 393 mil (os restantes são ensino superior). Estamos, por isso, a falar no que respeita ao ensino básico (1º ao 9º ano de escolaridade) de quase 100 mil crianças entre as famílias mais pobres que não puderam acompanhar as aulas durante a pandemia (e quase 50 mil na população em geral). No ensino secundário, são quase 40 mil jovens nas famílias mais pobres privados de aceder às aulas durante a pandemia e quase 20 mil na população em geral.
O que sabemos agora são os indicadores, o impacto futuro desta privação na geração que foi afetada saberemos de futuro, o que faz os autores do estudo chamar especial atenção para os reflexos da pobreza entre as crianças e jovens.
Em 2021, em 20,6% dos agregados pobres houve a preocupação de não ter comida suficiente, em 13,1% as pessoas comeram menos do que deviam, e em 2,4% sentiram fome não satisfeita por falta de dinheiro ou outros meios. Na população geral, estas percentagens são de 7,3%, 5,1% e 2,4%, respetivamente.
Mais uma vez, vale a pena traduzir percentagens em números para compreendermos a dimensão da pobreza em Portugal: cerca de 240 mil pessoas passaram fome e não tiveram como comer.
A privação material e social é uma das dimensões em que se expressa o risco de pobreza e pode ser traduzida em situações quotidianas como as despesas inesperadas, a capacidade para trocar uma roupa usada ou um móvel estragado ou simplesmente gastar dinheiro consigo próprio.
No que respeita a despesas inesperadas é clara a clivagem entre a média e os mais pobres: 30% da população não tem capacidade para lidar com uma despesas inesperada mas este número duplica para 60% entre as pessoas mais pobres.
Um tema na ordem do dia é a habitação e também aqui se espelha a diferença dos mais pobres versus a população em geral: os custos com habitação representam, em média, 20,5% dos gastos dos agregados familiares, mas entre os que têm rendimentos mais baixos, no indicador de risco de pobreza, sobem para 38,4%.
20,4% das crianças e 20,1% das pessoas com 65 anos ou mais anos, em Portugal, eram pobres.
Em 2020, existiam em Portugal 345 mil crianças em risco de pobreza e 465 mil pessoas com mais de 65 anos.
O relatório "Portugal Social, 2022" é da autoria de Bruno P. Carvalho, Miguel Fonseca e Susana Peralta, do Nova SBE Economics for Policy Knowledge Center e usa microdados das seguintes fontes: Inquérito para as Condições de Vida e Rendimento (ICOR) 2021, European Social Survey (ESS) 2020, Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (SHARE) 2021
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