São João pode ser um santo bonito, mas nem os caracóis dourados, nem o cordeirinho que tem aos pés convencem os autarcas do Porto e de Vila Nova de Gaia, que, mais uma vez, mantêm os festejos da noite de São João limitados. Todavia, se no ano passado todas as iniciativas foram canceladas, este ano os municípios promovem espaços com divertimentos para assinalar a data.

Longe fica, porém, o mar de milhares de pessoas a formigar pelas ruas das cidades, entre o sobe e desce das ruas em cujos recantos se assam sardinhas e se montam arraiais, com bailes e martelinhos por todo o lado à espera do fogo de artifício que ilumina o Douro, no virar do dia 23 para 24 de junho.

No Porto, tal como no ano passado, os céus não se vão encher de fogo de artifício na noite de São João. Também os concertos na avenida dos Aliados mantêm-se cancelados pela autarquia liderada por Rui Moreira.

Porém, ao contrário do que aconteceu no ano passado, a cidade do Porto contará este ano com equipamentos de diversão, aprovados pela Direção-Geral da Saúde, instalados na rotunda da Boavista, nas Fontainhas e em Lordelo do Ouro.

A instalação destes equipamentos “está relacionada com o apoio que a câmara do Porto formalizou com o setor das diversões itinerantes, que foi fortemente afetado pela pandemia” disse o gabinete de comunicação da autarquia ao SAPO24.

Na semana passada, foi assinado o protocolo relacionado com a ocupação e exploração destes três espaços públicos na cidade, entre 21 maio e 30 de junho, por empresas do setor. A câmara apoia com a isenção do pagamento das habituais taxas e licenciamentos, no valor de 155 mil euros, a garantia do policiamento dos três espaços identificados durante o seu horário de funcionamento, bem como a infraestruturação elétrica dos locais cedidos, até ao valor máximo de 30 mil euros.

Com exceção do dia 23 de junho — a véspera de São João —, em que fecha tudo às 18 horas, a restauração nestes três locais funciona das 12 às 22:30, e os divertimentos das 16 às 22:30.

“São João haverá sempre. Na noite de 23 para 24 [de junho] é São João no Porto. Aquilo que a Câmara permitiu, com o parecer das autoridades de saúde, foram três zonas de diversões, onde as pessoas podem ir em condições consideradas de total segurança por parte da Direção-Geral [da Saúde]”, explicou Rui Moreira aos jornalistas, no final da reunião pública do executivo camarário.

O autarca independente assume que estas medidas adotadas para os festejos do São João na cidade são importantes para setores que estão parados há meses, mas também para as famílias.

“É importante para a indústria dos divertimentos que há ano e meio que não fatura um tostão, é importante também para as famílias que têm crianças e que as querem levar lá e outros que querem ir lá comer uma fartura. Isso vamos ter”, garantiu Rui Moreira.

Do outro lado do rio Douro, o presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, garantiu na segunda-feira que, devido à pandemia da covid-19, não serão organizados festejos de São João, o que inclui os habituais concertos musicais e o típico fogo-de-artifício.

“Bem sei que com o que aconteceu na Champions [final da Liga dos Campeões que decorreu sábado no Estádio do Dragão] é difícil de justificar [a decisão de não fazer festas populares], mas tem de ser assim”, disse Eduardo Vítor Rodrigues na reunião da câmara.

Para além disto, o autarca socialista não fez mais comentários sobre a polémica que marcou o fim de semana devido à vinda de adeptos ingleses ao Porto para assistir à partida entre o Chelsea e o Manchester City e ao relato de aglomerados de pessoas sem máscara, a consumir bebidas alcoólicas e sem cumprir o distanciamento social nalguns pontos da cidade do Porto.

Questionado sobre o programa para a noite de São João, uma organização que tradicionalmente Vila Nova de Gaia divide com o Porto, Eduardo Vítor Rodrigues garantiu que não estão planeados festejos: “E isso inclui nem fogo-de-artifício nem concertos”, enumerou.

“Há um acordo nesse sentido com a Câmara do Porto. Acho que a de Braga, se não anunciou, vai anunciar o mesmo. Isto à semelhança de Lisboa [com o Santo António]. Festividades de rua que impliquem ajuntamentos estão fora hipótese”, reiterou.

Todavia, “para compensar os comerciantes”, o autarca confirmou o que já tinha anunciado a 2 de maio sobre a criação de “minifeiras populares” em espaços que seja possível fechar para que seja controlada a lotação.

Assim, o Parque Maria Adelaide (em Arcozelo), o parque de estacionamento do Estádio Jorge Sampaio (em Pedroso), a Quinta da Mesquita (em Avintes) e o Centro Cívico de Serzedo são os espaços escolhidos, indicou fonte do gabinete de Eduardo Vítor Rodrigues ao SAPO24.

Os recintos serão controlados com o apoio da Polícia Municipal e reduzidos a divertimentos como carrosséis e roulottes de farturas e cachorros.

As iniciativas vão ter início no final de junho e durante os meses de julho e agosto, até ao início de setembro.

Quanto a outra festa muito tradicional em Vila Nova de Gaia, o São Pedro da Afurada, o autarca revelou que haverá missa campal presidida pelo bispo Manuel Linda e que o andor será levado de barco à entrada da barra por barcos de pescadores, recriando uma tradição antiga, mas “com restrições de acesso e limitação de lugares”.

A iniciativa decorrerá sem vendedores de rua nem procissões, e na mesma ocasião será inaugurada a obra de requalificação da atual igreja, um projeto que custou à autarquia 135 mil euros.

"Não tenho uma visão fascista". PSP não pode "reprimir se toda a gente vier para a rua"

“Não vai haver concertos na avenida, não vai haver fogo-de-artifício. Como é que as pessoas vão andar? Não faço ideia. E quando houver ajuntamentos? Se é a PSP que tem de intervir, que intervenha. Não me peçam para dizer o que vai suceder ou não. Lembro-me que no ano passado as pessoas ficaram basicamente em casa, acho que este ano vai haver mais pessoas na rua”, disse ainda Rui Moreira, no final da reunião do executivo desta segunda-feira.

O autarca pediu ainda para que não se critique a PSP.

“Se amanhã todos os portuenses resolverem ir para a rua no São João, só num estado policial é que era possível impedi-los. A polícia não serve para isso. A ideia de que a polícia pode reprimir o comportamento generalizado dos cidadãos é uma visão fascista. Não tenho uma visão fascista. A polícia deve reprimir aquilo que são os comportamentos excecionais de cidadãos que não se conformam com a ordem. Não pode, naturalmente, reprimir se toda a gente vier para a rua”, advertiu o autarca.

O presidente do município assumiu também a sua “perplexidade” perante algumas das medidas anunciadas pelo Governo para combater a covid-19.

“Todos nós hoje vivemos com enorme perplexidade relativamente às medidas que um dia nos são anunciadas, às previsões que nos são feitas. Todos nós. Digam-me quem é que não sente total perplexidade com a ideia de que nós vamos ter de ir de máscaras para a praia. Ninguém entende. Não consigo explicar à minha neta porque é que ela para ir à praia tem de ir de máscara”, criticou Moreira.

Para o autarca, é preciso que, “por uma vez, os políticos decidam qualquer que seja o parecer das entidades públicas” quanto às medidas sanitárias para conter a doença.

“Tem de ser uma decisão política, tem de haver uma cadeia de controlo e tem de haver ordens. E já agora, é confrontar os especialistas. Se querem ser governados por especialistas, tenho a certeza absoluta do que é que vai acontecer: quando chegarmos lá para setembro temos o país completamente falido, temos o país totalmente desempregado, e depois esses especialistas não vão resolver o problema”, avisou Rui Moreira.

Comerciantes do Porto querem manter festas com "um baixo número de pessoas"

A Associação de Comerciantes do Porto defende que os festejos do São João não devem ser proibidos, mas antes limitados no número de pessoas nas festas locais, porque a população ainda não está toda vacinada contra a covid-19.

Numa entrevista telefónica à agência Lusa sobre a festa da cidade, o presidente da Associação de Comerciantes do Porto, Joel Azevedo, defende que o evento não dever ser proibido, nem bloqueado. Para Joel, o que deve ser planeado são festas locais com "um baixo número de pessoas", com distanciamento o "mais espaçado possível", porque é preciso acautelar o facto de a população portuguesa ainda não estar toda vacinada.

“Limitar a atividade [dos festejos do São João] não me parece que seja a melhor solução. Os festejos não devem ser bloqueados. Devem ser limitados”, disse. Para o responsável, têm de ser, contudo, “acautelados” os vários eventos espalhados pela cidade, com um “número mínimo de pessoas”, para que se possa potenciar uma “normalidade relativa”.

Segundo Joel Azevedo, os concertos de rua devem ser impedidos, tal como o fogo-de-artifício e a venda ambulante de comidas e bebidas. Deve-se poder, todavia, permitir que os estabelecimentos da restauração organizem "jantares e festas controladas e limitadas até às 00:00 [do dia 24], como um pequeno sinal de abertura sem correr o risco de exageros".

“Nós estamos habituados a que o São João seja feito na rua, seja feito com milhares de pessoas. Atrai muitas pessoas da região e de fora da região, e até fora do país para visitar este grande evento. Toda a cautela deve ser mantida. Independentemente disso, não devem ser bloqueados os festejos do São João”, reiterou.

Para o presidente da Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP), a festa deve regressar, mas evitando concentrações e apenas em zonas específicas e com número de pessoas limitado. Luís Pedro Martins diz que se deve “tentar que não seja um São João como o do ano passado, em que não houve, de facto” festa, fazendo com que “haja já uma oportunidade de sair, mas sair para determinados locais e com lotações organizadas”.

Falando à margem da cerimónia de apresentação da nova campanha promocional da TPNP para este verão, o responsável considerou que não se deve comparar o São João com a ‘Champions’. Na Liga dos Campeões, disse, “são milhares de pessoas e não circunscritas apenas a uma zona”, e um São João “normal é a loucura de gente na rua e de artérias completamente cheias, onde muitas vezes não há um espaço para nos sentarmos”.

“Não é comparável. Estão por toda a cidade do Porto, portanto, aqui [nas festas populares], as cautelas terão de ser maiores”, declarou.

O presidente da TPNP defendeu a existência de festejos também para ajudar o “pequeno comércio” e o “setor das diversões, que tem estado parado há um ano”, mas sempre em “zonas organizadas, com lotação, também”.

*Com Lusa

(Artigo atualizado às 13:40 com as declarações à imprensa de Luís Pedro Martins)