Para aderir ao IRS Jovem é preciso cumprir regras. Antes de mais, ter entre 18 e 26 anos, 30 no caso de ter doutoramento. Estão abrangidos os jovens que tenham concluído o ensino secundário, regular ou profissional, jovens licenciados ou mestres e jovens doutorados. Mas o acesso ao mecanismo não é automático, é preciso pedir.
Outra condição é os jovens não serem considerados dependentes, ou seja, a declaração de IRS tem de ser separada da dos pais. Além disso, este regime não pode acumular com o regime fiscal para o residente não habitual nem com o Programa Regressar.
O benefício fiscal é válido para os rendimentos dependentes (por conta de outrem) e independentes (recibos verdes) obtidos no ano após a conclusão dos estudos e nos nos quatro anos seguintes, num total de cinco anos.
A opção pelo IRS Jovem pode ser feita em anos seguidos ou interpolados - por exemplo, se ficar desempregado sem ter beneficiado dos cinco anos de isenção, pode retomar quando voltar a trabalhar, desde que não tenha mais de 35 anos.
O primeiro-ministro, António Costa, já tinha anunciado o reforço do IRS Jovem, e o alargamento está patente no Orçamento do Estado para 2024 entregue ontem na Assembleia da República, e que agora irá ser discutidos na generalidade (30 e 31 de outubro) e na especialidade (23 a 29 de novembro).
A ideia é isentar os jovens de IRS no primeiro ano de trabalho, desde que o rendimento não exceda 40 vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS), o que actualmente daria 19.217,2€ (valor que será actualizado em 2024). No segundo ano os jovens passarão a pagar 25% do imposto, 50% no terceiro e quarto anos e 75% no quinto e último ano de benefício.
O IRS Jovem foi lançado em 2020 e tem vindo a ser adaptado ao longo deste tempo. Inicialmente, por exemplo, não incluía os profissionais liberais e apenas contemplava três anos de benefício. Ainda assim, os números do último ano continuam a denunciar falhas e a oposição não se cansa de apontar erros.
Este ano, com relação aos rendimentos de 2022, beneficiaram do IRS Jovem 73.684 jovens, num valor total de rendimentos do trabalho dependente de cerca de 1 060 milhões de euros. No que respeita a rendimentos empresariais e profissionais (recibos verdes) esse valor ascendeu a 103 milhões de euros. O benefício fiscal médio anual para aqueles que aderiram ao mecanismo foi de 425 euros.
53% dos jovens recebem até 767 € por mês
Alguns dados podem explicar parte do fracasso da medida. Importa lembrar que quem recebe o Salário Mínimo Nacional, que em janeiro passará de 760 € para 820 €, não paga IRS. Ou seja, o chamado mínimo de existência passa para 11.480 € euros em 2024, segundo a proposta de OE, e sempre que o rendimento depois da tributação é inferior a este valor o contribuinte está automaticamente isento de IRS.
"As melhorias que foram sendo introduzidas no regime permitiram também reforçar o seu impacto no rendimento líquido dos jovens: nos cinco anos de aplicação do benefício, um jovem com um salário de 1.500 euros por mês tinha, em 2022, uma poupança global na ordem dos 2.600 euros; com as regras atuais, essa poupança sobe ultrapassa os 4.200 euros por ano", disse ao SAPO24 o deputado Miguel Cabrita, coordenador do PS na Comissão de Orçamento e Finanças.
Com as regras agora anunciadas, e "de acordo com as contas disponíveis, estas mudanças representam, para um jovem com salário mensal de 1.500 euros, uma poupança em sede de IRS superior a 10.500 euros em cinco anos", acrescenta Miguel Cabrita.
Acontece que em Portugal o salário médio dos jovens está longe dos 1.500 euros. A remuneração média mensal em 2021 era de 799 € para a faixa etária entre os 18 e os 24 anos e de 997 € para os que estão entre os 25 e os 34 anos, segundo o INE. Em 2022 havia 1.107.840 jovens entre os 20 e os 29 anos de idade em Portugal. Ou seja, o número de beneficiários é apenas cerca de 6,65% disto, uma ínfima parte.
Francisco tem 27 anos e move-se num meio onde todos sabem o que é o IRS Jovem: "Trabalho na área da fiscalidade, lido com impostos". Está empregado desde os 24 anos, mas só começou a beneficiar deste regime um ano depois, "mesmo no limite" da idade. Este é o segundo ano como beneficiário.
Apesar das críticas, admite que, no seu caso, o regime é "extremamente benéfico". Contas feitas, "acabo por receber sensivelmente 1.400 €" de reembolso.
Mas esta é uma excepção, se tivermos em conta que 53% dos jovens recebem até 767€ por mês e apenas 3% recebem mais de 1.642 € mensais, segundo um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS).
E é com a realidade de 53% dos jovens portugueses que Beatriz esbarra todos os dias. Conta que acede ao regime do IRS Jovem, mas é o mesmo que nada. "Recebo tão pouco que fico abaixo dos mínimos. Logo, com ou sem IRS Jovem não teria de pagar imposto. Este ano [rendimentos de 2023, declaração 2024] deverá ser igual, tendo em conta que estive desempregada parte do tempo".
"Dá imenso trabalho aderir, é preciso entregar uma quantidade de papelada"
Mas a crítica não fica por aqui: "Dá imenso trabalho aderir, é preciso entregar uma quantidade de papelada e o reembolso chega no fim de todos - quando chega, porque tenho diversos amigos que não recebem e vão para as filas das Finanças".
Se vale a pena e é suficiente? "Claro que não, a receber mal como a maior parte dos jovens recebem em Portugal, sem objetivos de vida e sem condições de trabalho, com um governo que não quer saber, não são medidas destas que nos ajudam. Mas, ao menos, no futuro os jovens terão a devolução do valor das propinas", desabafa Beatriz.
A demora nos reembolsos é comum aos entrevistados pelo SAPO24. Também Alexandra tem dúvidas sobre se vai aceder ao IRS Jovem em 2024 (rendimentos de 2023). "Se calhar, não. Quando aplicamos o IRS Jovem a Autoridade Tributária pede-nos um comprovativo da frequência e término do curso, licenciatura, mestrado ou doutoramento, o que é uma chatice, porque atrasa os reembolsos, que são os últimos a chegar", diz.
Alexandra entrega a sua declaração através de uma contabilista, que, como Francisco, confirma a demora nos reembolsos para a quase totalidade dos casos. E, "como se não bastasse, há casos em que a AT levanta dúvidas quanto à veracidade da declaração e o processo tem de voltar ao início", afirma.
A contabilista Sofia Costa recorda ainda que "o enquadramento tem de ser requerido no preenchimento da declaração, não é automático". "Na qualidade de contabilista, se o cliente não me der indicação, não sei se cumpre ou não os requisitos. Por outro lado, quando preenchemos a declaração, na última validação o sistema diz que o sujeito passivo 'pode' estar enquadrado no IRS Jovem, a máquina dá um alerta (acredito que pela idade), pelo que depois é questionar o cliente".
Há ainda outros dados do estudo da FFMS que vale a pena reter: 19 anos é a média de idade com que os jovens com emprego começam a trabalhar. Do total, 86% trabalham por conta de outrem e só 49% são efectivos, enquanto 14% têm trabalho por conta própria.
Dos jovens que trabalham por conta de outrem, 9% recebem até 413 € por mês e apenas 4% dos jovens auferem entre 1.376 € e 1.642 €, a fasquia que o deputado do PS indica como exemplo.
Além disso, o sistema está longe de ser equitativo, e esta é uma das críticas da oposição. O deputado Rui Tavares, líder o Livre, disse ao SAPO24 que para o partido "os incentivos fiscais aos mais jovens devem servir para fomentar a entrada no mercado de trabalho e ajudar trabalhadores-estudantes. Nesse sentido, o IRS Jovem é uma medida que aponta na direção certa, mas, sozinha, é muito insuficiente para resolver o problema do pouco rendimento disponível que os jovens têm em Portugal".
Por isso, "os apoios aos mais jovens devem ser muito mais extensos que meras reduções temporárias de carga fiscal e devem incidir, sobretudo, no salário, na habitação, nomeadamente através do apoio ao arrendamento e à compra de casa, e também ao nível da mobilidade e dos transportes públicos".
Também a Iniciativa Liberal considera que "a medida tem um bom princípio - a redução de impostos sobre o trabalho -, mas, à imagem das políticas do PS para os jovens, não demonstra ambição no futuro e peca por uma execução medíocre".
Para os liberais "uma medida fiscal não deve discriminar entre contribuintes, ainda menos com base na sua idade, sem estabelecer um racional que não seja o benefício temporário desses mesmos contribuintes com o objetivo de incentivar a sua permanência no país".
Além do mais, "o IRS Jovem traduz o reconhecimento por parte do PS da importância de uma redução generalizada da carga fiscal sobre o trabalho, principalmente para os rendimentos que se encontram abaixo do salário médio, onde se inserem a larga maioria dos jovens qualificados em Portugal".
Para a IL, o IRS Jovem é "insuficiente, por se limitar aos mais jovens", "ineficaz, porque a sua execução fica sistematicamente abaixo do orçamentado e exclui contribuintes que cumprem os critérios com base numa interpretação injusta da lei", e "incapaz, porque o objectivo final não se concretiza e, obviamente, os jovens preferem começar a sua carreira fora do país por não valorizarem o benefício temporário por comparação com a possibilidade de receberem melhores salários de forma sistemática".
Francisco também considera que este "é um sistema altamente injusto. Penso que devia mais igualitário e estendido até aos 35 anos. A minha geração nunca conheceu um ciclo de crescimento económico e este tipo de benefícios não nos desmotiva tanto", diz.
"Não podemos candidatar-nos ao IRS Jovem porquê, somos velhos?"
Também "é injusto que alguém que por qualquer azar acabe mais tarde a universidade já não possa concorrer". Como aconteceu com José e com Matilde, alunos de 20 e 19 valores, que entregaram as teses de mestrado aos 26 e 27 anos. "Não podemos candidatar-nos ao IRS Jovem porquê, somos velhos?", perguntam.
"A nossa geração tem sido altamente prejudicada, temos salários muito baixos, não temos qualquer tipo de ajudas e para quem quer começar a vida isto seria bom. Como disse, nunca vivi em crescimento económico e todas as memórias que tenho não são de esperança, antes pelo contrário, são bastante desanimadoras", considera o jovem fiscalista. Francisco lembra que qualquer miúdo "quer sair de casa dos pais a partir dos 24, 25 ou 26 anos, no momento em que passa a efetivo no trabalho. Mas depois esbarramos com a realidade".
Medida custa 31 milhões, mas Estado arrecada quase 17 mil milhões em IRS
Em 2022 a carga fiscal bateu novo recorde: 87,1 mil milhões de euros (+14,9% do que no ano anterior). Os dados são do INE (Instituto Nacional de Estatística) e revelam que só a receita com o IRS cresceu 1,925 mil milhões de euros e atingiu quase 17 mil milhões de euros. Os números contrastam com os 31 milhões de euros não cobrados no âmbito do IRS Jovem.
Miguel Cabrita garante que "quando o regime do IRS Jovem foi revisto pela última vez, no quadro do Orçamento do Estado para 2022, não se antecipava um aumento da receita fiscal tão significativo como aquele que agora é conhecido".
"Quanto à margem para ir mais longe e mobilizar mais recursos para esta medida, o governo já deu a resposta: haverá um reforço significativo do IRS Jovem".
Para o PSD "a proposta do governo é uma medida curta, conjuntural e que não responde de forma estrutural ao problema de retenção e atração de jovens talentos, dos seus baixos rendimentos e da elevada tributação e progressividade na sua carreira profissional".
Os sociais-democratas propõem "uma taxa máxima de IRS de 15% para os jovens até aos 35 anos, com exceção do último escalão, reduzindo o IRS dos jovens para 1/3 do que pagam atualmente". O PSD lançou um desafio ao PS "para um pacto fiscal que garanta a estabilidade deste regime por 15 ou 20 anos".
Esta medida - "criar um regime fiscal próprio para as novas gerações em sede de IRS" - já foi apresentada pelo PSD no último OE e rejeitada, com os votos contra do PS e a abstenção do BE, Livre e PCP. A proposta representava então um custo estimado de 460 milhões de euros, "dinheiro que ficaria nos bolsos dos jovens em vez de ser recolhido pela Autoridade Tributária".
O PCP tem sobre esta questão um posição diferente. "O PCP não acompanha, de modo geral, medidas que aprofundem injustiças fiscais, e que vão no sentido da diferenciação da tributação, não em função dos rendimentos, mas em função de outros critérios", justifica o grupo parlamentar do Partido Comunista Português.
"A medida do IRS Jovem – quer a que está em vigor, quer as propostas que têm vindo a público – não responde aos principais problemas sentidos pelos jovens, que se prendem com os baixos salários, a precariedade dos vínculos laborais, a desregulação de horários ou a crise da habitação, fatores que impedem os jovens de uma efetiva emancipação", considera.
Por isso, "o PCP bater-se-á por outra política fiscal. Apresentámos já nesta sessão legislativa propostas para um alívio generalizado do IRS, com maior peso nos rendimentos mais baixos e intermédios, com a redução de três pontos percentuais das taxas dos primeiros três escalões, a atualização da dedução específica (congelada há dez anos) e a atualização dos limites dos escalões à taxa de inflação".
Também o Chega critica o IRS Jovem, mas por motivos diferentes. "É mais uma medida cartaz apresentada pelo governo. A medida parece atrativa, mas, para aferirmos a sua real eficácia, temos de perceber o enquadramento. De acordo com o Eurostat, em 2021, um trabalhador em Portugal com menos de 25 anos ganhava, em média, 1090,4 euros líquidos. E, segundo dados do Ministério do Trabalho, no primeiro trimestre deste ano 78 mil jovens no país auferiam a remuneração mínima".
"Considerando que atualmente o Salário Mínimo Nacional não paga imposto e estamos a falar sempre de reduções sobre taxas marginais, o seu impacto efetivo para a esmagadora maioria dos jovens será insignificante ou até nulo".
Adicionalmente, o Chega acredita que esta é "uma medida discriminatória, porque irá beneficiar muito mais os jovens com maiores rendimentos em detrimento dos jovens com menores rendimentos, ressalvando ainda o facto de não se tratar de uma medida atrativa e automática".
Além disso, "não consideramos que esta medida vá evitar que jovens altamente qualificados vão para o exterior, porque, quanto a nós, o problema não é o imposto, mas os salários que não são condizentes com o seu valor num mercado cada vez mais global [...]. A diferença salarial que um jovem licenciado consegue saindo de Portugal face a países como a Holanda, Reino Unido ou Estados Unidos, certamente que não será pelo imposto que vai ficar em Portugal".
Rui Tavares também insiste que "os apoios em sede fiscal devem ser pensados em função dos rendimentos e não da idade de quem os aufere, de maneira a que não se criem situações de clara injustiça fiscal, em que alguém com mais rendimentos saia ainda mais beneficiado por causa da sua idade e se prejudique quem já tem menos rendimentos".
"É com este princípio em mente", diz, "que o partido trabalhará as medidas em matéria fiscal que apresentará no OE2024, nomeadamente o ajuste dos escalões de IRS à inflação dos últimos anos, a reforma da dedução específica e a atualização do mínimo de existência".
Além de medidas fiscais, o Livre também insistirá na sua proposta para a criação do programa "Ajuda de Casa", que consiste num apoio à compra da primeira casa através de um financiamento de até 30% do valor de mercado para a entrada de um imóvel a juros reduzidos e com o Estado a deter a percentagem equivalente do imóvel até à pagamento desse montante.
Já a Iniciativa Liberal garante que "não deixará passar qualquer oportunidade para baixar os impostos sobre o trabalho, manifestando o seu voto favorável a estas medidas". Além disso, "propõe a eliminação de impostos, taxas e contribuições que, muitas vezes, se traduzem em custos adicionais encapotados ou em dupla tributação e que têm impacto na vida dos jovens. Aí se inserem as propostas para redução dos impostos para aquisição de habitação ou ainda a actualização dos valores das deduções em matéria de IRS, que não são actualizados com a frequência desejada, ainda para mais num quadro de elevada inflação".
O Bloco de Esquerda e o PAN não responderam às perguntas do SAPO24 até à data de publicação deste artigo.
Nota de edição: Este artigo teve uma primeira edição a 9 de outubro. A edição atual foca-se nos objetivos da medida e nas alternativas.
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