Num comunicado hoje divulgado, a SOS Racismo “lamenta e repudia que um tribunal português tenha deferido, por razões ‘humanitárias’, o pedido de Mário Machado para deixar de estar obrigado ao cumprimento de uma medida de coação, no âmbito de um processo-crime em que é arguido por indícios de posse ilegal de arma, discriminação racial, discurso e propagação de ódio na Internet”.
O jornal Expresso avançou, na sexta-feira, que Mário Machado já não está obrigado a cumprir a medida de coação de apresentações quinzenais numa esquadra de polícia, tendo a decisão sido tomada no seguimento de um pedido interposto pelo seu advogado, para que este possa deslocar-se à Ucrânia.
Segundo a decisão judicial, citada pelo Público, um juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) considerou que perante “a situação humanitária vivida na Ucrânia e as finalidades invocadas pelo arguido para a sua pretensão, o arguido poderá deixar de cumprir a referida medida de coação enquanto estiver ausente no estrangeiro”.
A SOS Racismo recorda que Mário Machado “já cumpriu pena de prisão e já foi condenado pela prática de vários e múltiplos crimes, incluindo crimes discriminação racial”, “já pertenceu e pertence a várias organizações de extrema-direita, responsáveis por incontáveis crimes”, e “foi um dos que [participaram] no linchamento de negros no Bairro Alto, em Lisboa, na noite em que os seus cúmplices assassinaram Alcindo Monteiro”.
A SOS Racismo sublinha que “está tudo devidamente documentado”, alertando que “são sobejamente conhecidas as suas ligações à extrema-direita europeia, inclusivamente, ao movimento neonazi na Ucrânia”.
“Quando um juiz considera que, perante tudo isto, Mário Machado é um altruísta, um humanista que pode ser dispensado do cumprimento de deveres perante a justiça, para, conforme consta do requerimento do arguido, ir para a Ucrânia prestar ajuda humanitária e, se necessário, combater ao lado das tropas ucranianas, devemos estar muito preocupados”, defendeu a SOS Racismo.
Aquela associação acusa a Justiça de “legitimar um nazi” e de “legitimar o não cumprimento de medidas de coação, quando um arguido pretende ‘combater'”.
“Mário Machado não se voluntariou para ajudar vítimas de guerra — nunca o fez para nenhum dos múltiplos conflitos mundiais, da Síria ao Iraque, da Palestina ao Afeganistão. E não o faz agora. Mário Machado voluntaria-se para se reunir com um grupo de nazis e para se desobrigar de responder à justiça”, reforça.
A SOS Racismo apela ao Ministério Público, aos tribunais superiores e ao Conselho Superior de Magistratura para que revertam “esta vergonha”.
A decisão de isentar Mário Machado das apresentações quinzenais mereceu também comentários do Partido Comunista Português (PCP) e do Bloco de Esquerda (BE).
Num comunicado hoje divulgado no ‘site’ oficial do partido, o PCP referiu que esta decisão “não pode deixar de ser olhada com perplexidade”.
“Sublinhe-se que Mário Machado é conhecido pelo seu envolvimento e promoção de atividades criminosas e que estão na origem da sua condenação. Não é possível ignorar ainda que, invocando questões de natureza humanitária, o que Mário Machado manifesta é o seu propósito de se juntar a forças fascizantes e nazis que combatem na Ucrânia com as quais se identifica e integra”, alertou o partido.
Já a líder do BE, Catarina Martins, numa publicação na sua conta oficial no Twitter, lembrou que “o Ministério Público pode recorrer” da decisão.
“Esperamos que o faça. Há um país democrático que anseia por sensatez”, escreveu Catarina Martins.
No início deste mês, Mário Machado anunciou na sua conta na aplicação Telegram que iria deslocar-se à Ucrânia, juntamente com outras vinte pessoas, no que designou “Operação Ucrânia1143”.
Na sexta-feira, o advogado de Mário Machado disse ao Público que o seu cliente partiria ainda naquele dia para a Ucrânia “integrado num grupo de 20 pessoas, entre portugueses e brasileiros”.
Mário Machado esteve ligado a diversas organizações de extrema-direita, como o Movimento de Ação Nacional, a Irmandade Ariana e o Portugal Hammerskins, a ramificação portuguesa da Hammerskin Nation, um dos principais grupos neonazis e supremacistas brancos dos Estados Unidos da América. Fundou também os movimentos Frente Nacional e Nova Ordem Social, que liderou de 2014 até 2019.
O nacionalista tem também um registo criminal marcado por várias condenações, entre as quais a sentença, em 1997, a quatro anos e três meses de prisão pelo envolvimento na morte, por um grupo de ‘skinheads’, do português de origem cabo-verdiana Alcindo Monteiro na noite de 10 de junho de 1995.
Tem ainda uma outra condenação de 10 anos, fixada em 2012 por cúmulo jurídico na sequência de condenações a prisão efetiva em três processos, que incluíam os crimes de discriminação racial, ofensa à integridade física qualificada, difamação, ameaça e coação a uma procuradora da República e posse de arma de fogo.
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