Segundo o acórdão de quinta-feira do STA, divulgado hoje pelo jornal Público e ao qual a Lusa teve também acesso, “sem a competente autorização de residência, o cidadão estrangeiro está colocado numa situação de grande fragilidade e vulnerabilidade decorrente de se encontrar indocumentado, e como tal, a residir num país de forma clandestina”.
Em causa está um cidadão estrangeiro, natural do Bangladesh, que apresentou em maio de 2020 um pedido de autorização de residência temporária e que nunca obteve resposta das autoridades, encontrando-se em situação irregular em Portugal.
Apresentou uma intimação (meio processual para proteção dos direitos, liberdades e garantias) à AIMA para obter uma resposta urgente, com os tribunais a entenderem que este método não era o adequado, surgindo então este recurso para o STA, que lhe veio dar razão.
“É inquestionável que o prazo de 90 dias de que a Administração dispunha para proferir decisão foi longamente ultrapassado e que no caso, esse silêncio, não vale como deferimento tácito”, pode ler-se na decisão, reforçando que a situação de clandestinidade deste cidadão se deve “à falta de decisão por parte da Administração relativamente ao pedido de atribuição de residência que apresentou logo que ingressou em território nacional”.
O STA rebateu os argumentos das decisões anteriores de que a urgência associada à intimação não se enquadrava, por já ter passado muito tempo desde o prazo legal, ao considerar este entendimento “demasiado redutor” por parte das instâncias anteriores.
Acrescentou ainda que o “caráter urgente na obtenção de uma autorização de residência é incontestável e atual” e que se exige que “a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável” para assegurar os direitos, liberdades e garantias do imigrante, com o STA a reconhecer que a atual situação coloca em causa o direito ao trabalho, à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, à saúde e à família.
“Um cidadão estrangeiro indocumentado está numa situação irregular, a qual se exprimirá depois na forma como os seus direitos são usurpados, vendo-se, desde logo, compelido a aceitar um trabalho precário, que os cidadãos nacionais não querem, quando, a partir do momento em que entra em território nacional, tem direito a beneficiar dos mesmos direitos. Enquanto a autorização de residência não for concedida ao Recorrente o mesmo permanece vulnerável a abusos”, reforçaram os juízes.
Numa resposta enviada à Lusa, a AIMA refere que se reorganizou “internamente para garantir uma resposta tempestiva aos processos que correm termos em tribunal”.
A agência indica ainda que a intimação é utilizada “há muitos anos contra o SEF, tendo-se intensificado desde o início de 2023, em virtude da crescente aceitação da providência pelos tribunais”.
Em declaração à Lusa, o advogado Marco Spínola Barreto, que representa o imigrante, considerou este acórdão “de enorme coragem e consciência” e acrescentou que “vai mudar tudo” nestes processos de regularização de estrangeiros em Portugal.
“É revolucionário porque a partir de agora é extremamente urgente e isto vai deixar a AIMA numa posição ingrata. Estas pessoas têm a vantagem de poder executar e pedir responsabilidades ao presidente e diretores da AIMA”, afirmou.
O advogado sublinhou ainda o facto de a decisão ter sido assinada por dez juízes do STA e destacou que “o resto dos tribunais vai basear-se nesta decisão”.
Em 2023, Portugal processou perto de 180 mil regularizações de imigrantes, mas ainda há cerca de 400 mil pendências na AIMA.
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