“Houve razões extraprocessuais que comandaram este processo”, disse Ricardo Sá Fernandes, nas alegações finais do julgamento, que decorre em Santarém, salientando ter existido “uma luta de instituições”.
Dividindo as alegações em vários segmentos, o causídico lembrou que “foi anunciado” que o furto ia acontecer, sendo que “a denúncia foi mal avaliada por quem a recebeu”, Polícia Judiciária (PJ), Ministério Público (MP) e a então procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal.
“Se a PJ e o MP tivessem participado, haveria uma probabilidade razoável de se ter evitado o furto”, considerou.
Sobre o furto, o advogado do major Vasco Brazão advertiu que o que o Tribunal sabe “foi o que [João] Paulino quis dizer”. João Paulino é apontado como presumível autor do furto de armas do paiol da base militar de Tancos, estando acusado de seis crimes.
“Comemos a palha que o Paulino nos deu para nós comermos”, declarou, estabelecendo depois ligação entre a situação de Tancos e o furto das Glocks do armeiro da PSP, processo no qual João Paulino foi absolvido, para assinalar que se desconhece qual seria “o destino das armas” ou “quem está acima”.
Referindo-se depois ao que designou de guerra entre a PJ e a PJM, para salientar que nem uma nem outra estiveram bem nesta situação, pois “deveriam ter tido uma cooperação institucional”, Ricardo Sá Fernandes sustentou que “quem começou a guerra foi a PJ”, pois “começou logo por não ter participado o furto”.
Sobre o alegado acordo para a recuperação do armamento, o advogado perguntou: “Então estas pessoas iam fazer um acordo com aquele que é um criminoso? Não é verosímil nem tem consistência. Seria profundamente injusto dar como provado que estes militares da PJM e da GNR fizeram um acordo com o Paulino”.
Vasco Brazão está acusado dos crimes de associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação ou contrafação de documentos, denegação de justiça e prevaricação, e favorecimento pessoal praticado por funcionário.
O MP afastou o crime de associação criminosa, considerando ter ficado provado os crimes de favorecimento pessoal praticado por funcionário e de falsificação de documento, e pediu uma condenação a cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e a pena acessória de suspensão do exercício de funções por dois a três anos.
Para Ricardo Sá Fernandes, o crime de tráfico de armas imputado aos arguidos militares “é o erro mais grave” que imputa “ao MP, aos juízes de instrução – foram dois -, sobretudo ao segundo” neste processo, designando a acusação deste crime como “uma distorção, perversão” para justificar prisões preventivas e obrigações de permanência na habitação como medidas de coação.
O advogado acrescentou que Vasco Brazão não cometeu o crime de denegação de justiça.
“Houve falta de cooperação institucional, mas não houve crime nenhum. Num caso desta natureza parece-me razoável que ele não tenha tido a ousadia de bater à porta do MP e da PJ”, declarou, pois se o fizesse teria violado regras militares, mas frisando que o major está arrependido de não o ter feito.
“O que moveu os arguidos militares foi um desígnio militar, que foi recuperar o material de guerra e isso deve-se-lhes e isso tem de contar a favor deles”, adiantou.
Para Ricardo Sá Fernandes, a benevolência deve ser a suspensão da pena e a não aplicação de qualquer pena acessória.
Já a defensora de Nuno Gonçalo Reboleira, ex-coordenador do Laboratório de Polícia Técnico-Científica da PJM, deu voz à indignação que disse sentir enquanto cidadã e advogada, para afirmar que este processo “nasce de uma mentira, de egos, de ciúmes, de insegurança e de vinganças de quem teme a concorrência e não deixa entrar ninguém na [sua] coutada”.
Suzana Garcia sustentou não haver “provas nenhumas, nem no inquérito, nem na acusação, nem nas diversas sessões do julgamento que indiciassem sequer os crimes” pelos quais o arguido Nuno Reboleira foi acusado.
Para Suzana Garcia, é “impossível analisar criticamente o que não existe no processo”, questionando “como isto foi possível, quem responderá por isto”.
No final das alegações finais, levantou-se e dirigindo-se aos arguidos, afirmou: “Desculpem”.
Nuno Gonçalo Reboleira está acusado de cinco crimes em coautoria, associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação ou contrafação de documento, denegação de justiça e prevaricação, e favorecimento pessoal praticado por funcionário.
O caso do furto das armas foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a recuperação de algum material ocorrido na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a PJM, em colaboração com elementos da GNR de Loulé.
O julgamento dos 23 arguidos do processo de Tancos, entre os quais está o antigo ministro da Defesa Azeredo Lopes e o ex-diretor da PJM Luís Vieira, começou em 02 de novembro de 2020.
Em causa estão crimes que vão desde terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça e prevaricação até falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, recetação e detenção de arma proibida.
Nove dos arguidos são acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais e os restantes 14, entre os quais Azeredo Lopes, que se demitiu do cargo ministerial no seguimento do processo, e os dois elementos da PJM, da encenação que esteve na base da recuperação do equipamento.
O julgamento prossegue à tarde.
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