Teixeira de Pascoaes “quis ser enterrado num caixão em forma de lira, o caixão de Eduardo Lourenço tem, qualquer que seja a sua forma, a forma de Portugal, do qual ele foi e será, para muitas gerações futuras, um explorador e um cartógrafo, um detetive e um psicanalista do destino, um sismógrafo e um decifrador de signos, uma antena política e um investigador generoso e iluminado”, afirmou o cardeal, durante a sua homilia a Eduardo Lourenço, que morreu na terça-feira, aos 97 anos.
“Depois dele, todos podemos dizer que nos entendemos melhor a nos próprios”, acrescentou o bibliotecário da Santa Sé, que concelebrou a missa de corpo presente, no Mosteiro dos Jerónimos, a que Eduardo Lourenço chamava “Jardim de pedra”, com o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente.
Tolentino Mendonça considerou que, a Eduardo Lourenço, “devemos a lição de interrogar, não só a vida, mas também a morte, com sabedoria, distanciamento, serenidade e esperança, lutando para conter a história nos limites do humanamente aceitável, tarefa trabalhosa e inacabada, mas também indeclinável, se quisermos que a civilização e o humanismo sejam mais do que uma abstração”.
“A Lourenço devemos, além disso, uma rara capacidade de cuidar da ideia de comunidade, reforçando sempre o nosso conjunto como nação elucidando a experiência do bem comum que é um país (…), mostrando-nos que todos somos habitantes da solidão de Pessoa, e do profetismo de Antero ou de Agostinho da Silva, do levantamento do chão de Saramago, ou da praia lisa que Sophia sonhou”, afirmou, perante uma igreja meio cheia, e ainda com o espaço do distanciamento social necessário entre as pessoas.
Para sustentar as suas afirmações, Tolentino Mendonça socorreu-se das “milhares de páginas” que Eduardo Lourenço escreveu e nas quais acredita que “talvez se veja que a ideia de comunidade” foi “aquela que afinal ele mais perseguiu, e que esta ideia constituiu a sua paixão maior”.
O cardeal e poeta, que começou a homilia a falar dos lutos com que Eduardo Lourenço viveu — da mulher e dos pais -, salientou depois que “há lutos que se vivem no domínio pessoal, pois dizem respeito à nossa pequena história, e há lutos que excedem esse domínio, pois configuram uma experiência de perda coletiva”, e neste contexto incluiu o luto pela morte de Eduardo Lourenço.
“Quando morre um escritor, a literatura fica enlutada mas também acontece, raramente, é verdade, mas acontece que, com alguns escritores, a própria literatura ou ideia de literatura ou uma inteira ética da literatura morra com eles, pois naquele criador que partiu, os leitores de uma geração, que até pode ser de uma geração futura, reconhecem uma razão, uma sabedoria, uma verdade ou um fulgor, onde se encontraram refletidos”, afirmou.
Por isso, considerou que, “com razão, todos tememos morrer um pouco na morte deste homem que jaz diante de nós”.
O bibliotecário e arquivista do Vaticano afirmou que “quem conheceu Eduardo Lourenço e o ouviu rir e sorrir muitas vezes, com os outros, consigo mesmo, com as histórias que contava, com as suas curiosidades, com as manhas de contador, com os seus deleites e, para sempre, esta associação entre alegria e sagacidade, entre aquela extrema inocência que nos surpreende nos muito sábios e aquela inimitável ironia, que nele era um sinal de maturação e sabedoria”.
Sobre a ideia de Deus, Tolentino Mendonça recordou um episódio em que perguntaram a Eduardo Lourenço o que pensava de Deus, ao que ele respondeu, abrindo com essa resposta um “alçapão”: “Sabe, mais importante do que dizer o que eu penso de Deus é saber o que Deus pensa de mim”.
Quase a terminar a missa, o cardeal patriarca de Lisboa, Manuel Clemente lembrou que Eduardo Lourenço foi sempre movido por uma “inquietação profunda” e afirmou que, “na raia do céu onde finalmente chegou, agora tem a resposta, já sabe o que Deus pensa dele”.
As cerimónias fúnebres que decorreram hoje no Mosteiro dos Jerónimos contaram com a presença do Presidente da Republica, Marcelo Rebelo de Sousa, e do primeiro-ministro, António Costa.
Entre as várias personalidades que foram prestar a última homenagem ao ensaísta, encontravam-se os escritores Lídia Jorge, Gonçalo M. Tavares, Pedro Mexia e Nuno Júdice, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, e o ex-presidente da República Cavaco Silva.
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