Caso decida retomar o projeto, suspenso desde março de 2021 na sequência de um ataque armado a Palma, “não vai assumir o ónus de que é uma decisão da TotalEnergies, mas, sim, que há uma avaliação independente que garante que existem lá condições”, disse à Lusa Rui Mathe, investigador na área da indústria extrativa do Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização não-governamental (ONG) moçambicana.
Mathe avançou que a multinacional francesa poderá usar a avaliação do perito independente – Jean-Christophe Rufin, médico, escritor e diplomata falante de português – para legitimar a opção de reiniciar o empreendimento em Cabo Delgado, mesmo num contexto em que a insurgência armada continua ativa na província.
“Está a perceber que a situação de segurança não vai ser normalizada num período curto e a janela de tempo [para a produção de gás natural] vai-se fechando, então, vai-se buscar esta entidade independente para dar o aval para a TotalEnergies voltar”, assinalou aquele investigador.
Rui Mathe considerou que o aumento da volatilidade do setor energético provocado pela guerra Rússia-Ucrânia abriu uma oportunidade para as petrolíferas presentes em Moçambique acelerarem os seus projetos.
Nesse sentido, prosseguiu, a TotalEnergies pode ter repensado a sua posição inicial de que apenas retomaria o empreendimento em Cabo Delgado com a segurança restaurada em toda a província.
“A TotalEnergies exigia aquela paz efetiva”, no norte de Moçambique, para não operar num “cordão de segurança em volta do projeto”, notou Rui Mathe.
Para Fátima Mimbire, ativista social com análises no setor da indústria extrativa, ao optar por uma avaliação independente à situação dos direitos humanos e de segurança, a multinacional francesa poderá pretender credibilizar a decisão de “um cinturão de segurança” na área de implementação do seu projeto de gás natural, com o argumento de que os riscos prevalecentes são “mitigáveis”.
“Estas empresas gostam muito de ser uma ilha dentro de um território e este documento que há de vir de um consultor de segurança independente, deverá, eventualmente, dizer que existe risco, mas que é um risco mitigável, se a TotalEnergies ainda tiver interesses em Moçambique”, destacou Mimbire.
A empresa, continuou, pode ter abandonado a ideia de só voltar a operar em Cabo Delgado com garantias de segurança em toda a província, por se ter convencido da “complexidade” da situação.
Fátima Mimbire considerou que uma aferição independente da situação dará sempre respaldo a qualquer decisão da empresa, incluindo negociar mais benefícios com o Governo moçambicano, sob o pretexto do incremento do esforço com a segurança.
A TotalEnergies também pode recorrer ao relatório da avaliação independente para sair do país, “o que seria estranho, porque as petrolíferas conseguem operar em territórios turbulentos, com guerras e crises”, salientou.
Por seu turno, Fernando Lima, jornalista e analista, também considera que com a escolha de um especialista em direitos humanos a TotalEnergies pretende proteger qualquer decisão que venha a tomar sobre o futuro da sua presença em Moçambique.
“A TotalEnergires está a proteger-se a ela própria e aos seus parceiros” em relação à retoma ou não do seu projeto em Moçambique, frisou Lima.
Se algo correr mal, a empresa “pode dizer que os próprios assessores independentes disseram que havia condições para a retoma do projeto”, argumentou.
Por outro lado, a posição da petrolífera mostra que a situação de segurança e dos direitos humanos em Cabo Delgado é “complexa e delicada”.
Apesar de reconhecer avanços no combate aos grupos armados, as forças governamentais ainda não têm a situação completamente controlada, como demonstram os ataques da última semana em alguns troços de estrada em Cabo Delgado, acrescentou Fernando Lima.
Para aquele jornalista e analista, com os recentes ataques, os insurgentes querem mostrar que “a situação está insustentável”.
A petrolífera TotalEnergies encarregou na sexta-feira Jean-Christophe Rufin de avaliar a situação em Cabo Delgado, produzindo um relatório até final do mês, para decidir se há condições para se retomar a construção da fábrica de liquefação de gás natural, a extrair da bacia do Rovuma, a 40 quilómetros da costa.
A decisão foi comunicada pelo diretor-executivo da TotalEnergies, Patrick Pouyanné, ao Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, após uma visita à região.
A província de Cabo Delgado enfrenta há cinco anos uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.
A insurgência levou a uma resposta militar desde julho de 2021 com apoio do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás, mas surgiram novas vagas de ataques a sul da região e na vizinha província de Nampula.
O conflito já fez um milhão de deslocados, de acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.
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