“Não é em instrução que se vai fazer o que se omitiu no inquérito”, lê-se na decisão instrutória, que considera prova proibida a utilização do Relatório final elaborado pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAAF), por entender que o recurso a esse relatório põe em causa o direito do piloto à não autoincriminação.
A juíza de instrução, Margarida Ramos Natário, decidiu, no entanto, levar a julgamento o piloto Carlos Conde d’Almeida, que, de acordo com a acusação, após a paragem do motor da aeronave, não escolheu de imediato, como deveria ter feito, o local para aterrar e perdeu demasiado tempo a tentar reativá-lo.
“Sabia o arguido Carlos Conde D’Almeida que, perante a falha do motor em voo, devia ter escolhido o local para aterrar e tentado o arranque do motor conforme previsto no Manual Operacional do Piloto [POH] do CESSNA 152 e que, frustrando-se tal tentativa de colocar o motor em funcionamento, devia ter navegado a aeronave para aquele local e procedido a uma aterragem forçada sem potência”, é referido na decisão instrutória.
“Por causa da conduta do arguido Carlos Conde D’Almeida ocorreu o acidente aéreo […] e, por força de tal, as lesões que determinaram, direta e necessariamente, a morte de José Lima e Sofia António, resultado que o arguido previu, ainda que não se tenha conformado com a sua verificação”, é acrescentado.
O piloto instrutor está acusado de condução perigosa de meio de transporte por ar e de dois crimes de homicídio por negligência.
No que respeita aos outros seis arguidos, três da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), incluindo o presidente Luís Ribeiro, e três da Escola de Aviação Aerocondor (EAA), acusados do crime de atentado à segurança de transporte por ar, agravado pelo resultado morte, o tribunal entendeu que não houve nenhum incumprimento de deveres a que estivessem obrigados que justifique serem levados a julgamento.
“Os autos não demonstram terem os sobreditos arguidos omitido qualquer ato que devessem ter praticado e/ou tenham incumprido qualquer dever jurídico que sobre eles impendesse, não tendo contribuído para a produção do resultado danoso produzido que jamais poderiam ter evitado”, lê-se na decisão de não pronúncia destes arguidos.
“Somos de entendimento de que, cotejada a prova carreada para os autos em sede de inquérito e julgamento – já assim resultando, aliás, do próprio inquérito – não se mostram minimamente indiciadas as sobreditas omissões de fiscalização, de segurança e de supervisão da ANAC relativamente à EAA, nem tão pouco as omissões de contratação e formação de pilotos instrutores e de segurança por banda da EAA”, é referido.
A aeronave em causa descolou do Aeródromo de Cascais (distrito de Lisboa) com destino a Évora, para um voo de instrução em 02 de agosto de 2017, mas após reportar uma falha de motor, cerca de cinco minutos depois de descolar, fez uma aterragem de emergência no areal de São João da Caparica, no concelho de Almada (distrito de Setúbal), provocando a morte de Sofia Baptista António, de oito anos, e José Lima, de 56, que estavam na praia.
"Estamos muito satisfeitos, não só pelo sentido da decisão, mas também pelo reconhecimento - além de outros pontos da nossa defesa - de que as pessoas da ANAC não incumpriram deveres", referiram Rui Patrício e Nuno Igreja Matos, advogados de defesa da ANAC, num comentário à decisão enviado à Lusa.
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