Num palco improvisado, a referência em inglês “#Putin criminoso de guerra”, ao lado a frase “Sim à Ucrânia”, num ecrã eletrónico, em rodapé, “Ucranianos resistirão”.
No painel colado ao palco surgem quatro fotos, lado a lado: Saddam Hussein, Slobodan Milosevic, Muammar Kadhafi, os três riscados com uma cruz vermelha, e Putin, com um ponto de interrogação no meio da face. Os promotores desta iniciativa parecem desejar ao líder russo o destino fatal dos defuntos dirigentes do Iraque, Sérvia e Líbia.
“A ideia é criar um comité internacional que será dirigido por diversos membros da sociedade civil, incluindo um antigo juiz no Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia [TPIJ]”, o extinto organismo ‘ad hoc’ da ONU responsável pelo julgamento de crimes de guerra, indica um dos promotores da iniciativa.
“Esta campanha terá sucesso, muitos países, muitas pessoas estiveram submetidas à agressão russa, a agressão de Putin, e quando unirem os seus esforços esta campanha vai reforçar-se”, prossegue o jovem, pleno de convicção.
No cimo da escadaria, onde se perfilavam vários homens fardados que filtravam as entradas para mais perto do palco, exibiam-se alguns dos despojos da “revolução de Maidan”, entre finais de 2013 e inícios de 2014. Escudos, capacetes, máscaras de gás, barras de ferro. Os jornalistas acotovelam-se, e o seu número quase rivaliza com os participantes.
“Pelo microfone passou um representante da República Chechénia da Ichkeria [no exílio] que luta pela independência desta república russa do Cáucaso do Norte, um representante dos tártaros da Crimeia [a península anexada pela Rússia em fevereiro de 2014], um dissidente da ex-URSS membro da sociedade civil e representante da comunidade judaica na Ucrânia”, precisa.
Na escadaria, um pequeno grupo de georgianos mostra a frase que escreveu num longo rolo de papel, “A Geórgia e a Ucrânia serão membros da NATO. Declaração da Cimeira de Bucareste 2008”. Ao lado, uma rapariga com um cartaz azul, “Os georgianos apoiam a Ucrânia”. Um país do Cáucaso onde, à semelhança da região do Donbas, leste da Ucrânia, também foram declaradas duas repúblicas separatistas, Ossétia do Sul e Abkházia, reconhecidas por Moscovo.
Um casal abandona a praça com a bandeira polaca, vermelha e branca, estendida pelas costas. Não longe, muitos cidadãos prestam homenagem aos caídos de Maidan, junto às suas fotos espalhadas pela cidade, em muros, em painéis, atadas a troncos de árvore.
A iniciativa na praça Maidan terminou com um pequeno comício, no dia do “início da agressão russa”, esclarece ainda o jovem, que também prestou tributo aos “Cem Celestiais”, os heróis da revolta desse inverno que mudou os destinos do país.
Desde o início da manhã que muitos habitantes da capital da Ucrânia celebraram o oitavo aniversário da “Revolução da Dignidade”, como também é conhecida a revolta pró-europeia de Maidan que depôs o Presidente “pró-russo” Viktor Yanukovich, mas em ambiente mais tranquilo.
Uma discreta cerimónia, com fanfarra, juntou o atual Presidente Volodymyr Zelensky e o seu arquirrival e ex-chefe de Estado, Petro Poroshenho, que por um momento esqueceram as dissensões políticas e participaram numa missa de domingo a céu aberto junto ao “Templo do Arcanjo Miguel e Novos Mártires Ucranianos”.
Mas Alisa, uma fiel partidária de Maidan, revela um perspetiva muito particular do atual momento.
“Penso que os países europeus esqueceram a verdadeira razão por que motivo aconteceu Maidan. Em França, por exemplo, podemos ver candidatos às presidenciais que tentam demonstrar as suas posições pró-russas apenas por considerarem que a Federação russa é mais forte. Consideram que se houver guerra com a Federação da Rússia, será ela a vencer”.
Também receia que Maidan comece a ser esquecido por muitos dos aliados que hoje juram fidelidade a Kiev no conflito com o grande vizinho.
“Os países ocidentais deveriam recordar porque aconteceu Maidan. Após Maidan, muitas pessoas podiam ter deixado o país mas ficaram, foram para a guerra, proteger o território, desenvolver o seu país, e não se tornaram refugiados”, um fenómeno que considera decisivo nas relações com diversos países europeus.
“Entendo as preocupações dos países ocidentais, julgo que têm medo de um novo grande fluxo de refugiados se houver guerra, talvez esteja errada… É importante lembrar-lhes que Maidan aconteceu porque não queríamos refugiados, antes viver no nosso país e desenvolvê-lo”.
Um dia no qual muitas famílias aproveitaram para passar nos amplos parques da cidade, almoçar em restaurantes, enquanto grupos de jovens se concentravam à saída dos centros comerciais ou de cafés para fumar, conversar, beber cervejas por garrafas de meio litro. Parecem muito longe dos sobressaltos provocados pelos tambores da guerra, que insistem em continuar a ecoar. Foi à sua vida, aos seus pequenos prazeres, que dedicaram este domingo.
*Por Pedro Caldeira Rodrigues, da agência Lusa, em Kiev
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