Começou por ter nacionalidade brasileira. Tinha um nome de código: ATL-100. Era uma aeronave que juntava a capacidade de carga (2,5 toneladas) à possibilidade de transporte de passageiros (19) e podia operar em pistas não pavimentadas.

O todo-o-terreno dos ares, o primeiro a ser construído totalmente em Portugal, estava previsto sair da linha produção no Aeródromo de Ponte de Sor em 2023. O primeiro protótipo deveria ter levantado voo nesse ano e prometia mudar a face do concelho do Alto Alentejo, hub português da aeronáutica.

O CEiiA (Centro de Engenharia e Desenvolvimento) e a DESAER, empresa brasileira, eram os primeiros promotores deste projeto cujo investimento, comparticipado por fundos europeus, estava orçado em 160 milhões de euros.

De acordo com o Diário de Notícias deveria ter criado 1200 postos de trabalho, distribuídos por três distritos alentejanos (Portalegre, Évora e Beja).

O projeto deu algumas voltas e reviravoltas, mas não saiu do papel nem aterrou no aeródromo municipal.

Um par de anos depois, levantará, finalmente voo. No ano em que era suposto ter nascido. 2023.

Regressa à base de Ponte de Sor, terá a contribuição do CEiiA, mas já não nasce a partir de capital do outro lado do atlântico.

É, e será, todo feito em solo português. “É a primeira aeronave construída em Portugal de A a Z”, sublinha ao SAPO24, Rogério Alves, vice-presidente da câmara municipal de Ponte de Sor e responsável pelo aeródromo municipal, durante a apresentação da 6.ª edição do Portugal Air Summit, cimeira aeronáutica a decorrer entre 12 e 15 de outubro naquela localidade norte-alentejana.

A quase da totalidade da aeronave tem o selo do Alentejo. Este é “um projeto regional, terá engenharia de Évora (Parque do Alentejo de Ciência e Tecnologia) e a produção feita em Ponte de Sor”, informa. “Um avião alentejano, com raízes no CEiiA, no norte do país”, detalha. “O KC-390 [projeto desenvolvido por este centro nortenho para a Embraer] ganhou competências nessa área”, anota.

A maquete da fábrica será apresentada durante a Air Summit (dia 12). “O Município já autorizou a cedência do terreno a sul do último investimento que temos”, acrescenta.

Ganhou o nome de batismo de Lus 222 e o investimento, diz, cifra-se num “total 120 milhões de euros de investimento a nível global”. O avião é inserido numa “agenda mobilizadora Aero.Next", consórcio alargado gerido pela EEA Aircraft, que envolve empresas portuguesas e estrangeiras e quer “desenvolver programas aeronáuticos em Portugal, a partir deste avião pilotado e o fabrico de outras aeronaves não pilotadas (drones).

A aeronave tripulada regional ligeira terá capacidade para “19 passageiros, 2000 quilos de carga e um alcance de 2000 quilómetros”, enumera.

Tal como o seu antecessor é um “todo-o-terreno dos ares”, um avião “versátil e facilmente convertido de mercadoria para passageiros e vice-versa”, explica.

Rogério Alves adianta ainda que o “mercado procura e existe essa resposta”. A versão civil e militar do Lus 222, cujo primeiro protótipo deve ver a luz do dia em 2023, “destina-se a mercados internacionais, países com dificuldades de acessibilidade, em África e América do sul, onde há procura por aeronaves que podem aterrar e fazer operação em pistas curtas e pouco pavimentadas, inclusive sem pavimento”, identifica. 

Inteligência Aeroespacial vigia lixo no espaço

A maior cimeira de aeronáutica, espaço e defesa da Península Ibérica, promovida pela autarquia de Ponte de Sor, cidade do distrito de Portalegre, em parceria com a The Race, cuja edição se desenvolve sobe o mote “Flying for a world of opportunities” tem como um outro ponto de atração a apresentação do consórcio da agenda Neuraspace –, com o apoio da Portugal Space - Agência Espacial Portuguesa.

“É uma empresa portuguesa de Inteligência Artificial que se propõe monitorizar o lixo espacial de forma que os satélites lançados consigam desviar-se desse lixo”, resume Rogério Alves, referindo-se ao projeto de 26 milhões de euros que visa aumentar a capacidade da Europa de agir de forma sustentável no espaço.

“O lixo espacial é um entrave tremendo à continuidade de lançamento de satélites para o espaço. Antes tínhamos de ter um grande foguetão para lançar um grande satélite, hoje com um pequeno foguetão lançamos dezenas de microssatélites que comunicam entre si. É completamente diferente”, continua.

“Temos uma necessidade enorme de ter satélites que nos fornecem informação a partir do espaço, mas estamos desde os anos 60/70 (do século passado) a lançar lixo para o espaço, continua em órbita e não conseguimos retirá-lo de lá”, sustenta o responsável pelo aeródromo municipal. 

Drones, desfile de moda, Spitfire, airbus para teste e F-16 a voar

Para além das atrações de índole nacional, onde se encaixa a inauguração do hangar de 8 mil metros quadrados, entregue à AEROMEC,  empresa portuguesa de manutenção de aeronaves integrada no Grupo Omni Aviation, um investimento de dois milhões de euros a equipar a fábrica, o Portugal Air Summit dará enfoque às “oportunidades de investimento disponíveis para uma retoma que se espera singular até 2030”, adiantou Hugo Hilário, edil de Ponte de Sor durante a apresentação da cimeira.

Recordou alguns números de Ponte de Sor e da indústria. “Começou há 10 anos quando a cidade ganhou um concurso para a Proteção Civil. Hoje temos um cluster. 14 empresas e 350 empregos qualificados”, sustentou.

O evento acolhe uma formação da IATA com cerca de 80 delegados de todo o mundo e inclui um programa com 70 painéis de conferências, cerca de 200 oradores, 20% dos quais estrangeiros e cerca de 30% são presidentes ou vice-presidentes do Conselho de Administração de grandes empresas internacionais.

Entre as intervenções, destaque para a Tekever, empresa portuguesa liderada por Ricardo Mendes. “Investimos mais de 10 anos nos drones antes de ser um produto de mercado” e “estamos em Ponte de Sor desde 2016”, um sítio que “chamamos casa, para ficar”, e onde produzem e testam alguns dos produtos, frisou durante a sessão de apresentação do Air Summit.

Os temas são sérios, mas a parte lúdica não fica atrás, conforme explicou Nuno Mousinho, responsável da The Race.

Haverá uma “aterragem de um Airbus 320 da SATA Airlines para testar a capacidade do aeródromo” e está garantido a vinda de um SpitFire, avião inglês que já esteve em Portugal, desvendou.

E, por fim, estreia o Portugal Air Fashion, um desfile de moda. “Fomos repescar o que acontecia nos anos 60, basicamente uma competição entre companhias aéreas, tinha a ver com um desfile de moda com as fardas das companhias. No sábado à noite (15 de outubro) vamos ter um desfile com 10 companhias. Vai-nos trazer o glamour’ das companhias aéreas”, acrescentou Nuno Mousinho.

Fora de Ponte de Sor, dia 16, a parte lúdica voa para Oeiras e para a Praia de Santo Amaro, onde decorrerá Air show com os aviões da Air Race Championship, o Spitfire culminado na passagem dos F16 da Força Aérea Portuguesa, que lançam fogo-de-artifício a partir das asas e o Aerosparx, espetáculo de velocidade, luz, cor, música e pirotecnia nas asas de dois aviões.