O partido tem a sua sede em Barcelos e poucos recursos financeiros. Combinar esta entrevista não foi fácil e o cabeça-de-lista do MAS - Movimento Alternativa Socialista, que não tem transporte próprio, acabou por "fretar" a ajuda de um amigo para o levar até Braga, onde nos encontrámos.
Vasco Santos, auxiliar de ação médica, o sexto de sete irmãos, confessa que não é fácil ser-se um partido pequeno: "Os media dão cobertura aos partidos com assento parlamentar e os mais pequenos acabam por ficar um pouco fora do radar. Isso acaba por dificultar imenso passar a nossa mensagem, mesmo em altura de eleições".
O MAS, que nas últimas europeias conseguiu 12.442 votos, foi constituído em 2013 como Movimento Alternativa Socialista e é nessa condição que no final de julho completa seis anos de existência. Mas já foi Ruptura/FER e é o resultado da fusão entre a Frente da Esquerda Revolucionária e dissidentes do Bloco de Esquerda.
O partido quer uma União Europeia de esquerda anticapitalista em alternativa "ao projeto de Merkel, de Macron e de Costa ou ao modelo idealizado pela extrema-direita".
Como faz um partido como o MAS para sobressair no meio de 17 candidaturas?
Tentamos aproveitar todas as oportunidades para aparecer. Mas é verdade que os media dão cobertura aos partidos com assento parlamentar e os mais pequenos acabam por ficar um pouco fora do radar. Isso dificulta imenso passar a nossa mensagem, mesmo em altura de eleições. Mas utilizamos a Internet e os meios tradicionais, sendo que a nossa campanha deve ser a que anda por valores mais baixos: 5 mil euros.
"Acreditamos que o socialismo é a melhor solução para a sociedade"
Que mensagem quer passar o MAS e o que significa uma alternativa socialista?
Nós acreditamos que o socialismo é a melhor solução para a sociedade. A nossa proposta é uma sociedade mais justa e igualitária, o que obriga a uma transformação, às vezes mais difícil, fruto de experiências menos positivas do passado. Mas precisamos de partilhar os recursos que temos para que eles cheguem às pessoas e elas passem a ter uma vida melhor.
Parte do MAS são dissidentes do Bloco de Esquerda que já não se reviam no partido. Qual e a sua visão da União Europeia?
Acreditamos que esta União Europeia não serve aos trabalhadores. Acreditamos que quem governa esta Europa acaba por criar dois projetos: a União Europeia de Merkel, de Macron e de Costa, que continua uma política de austeridade, uma austeridade encapotada; e um modelo ainda mais sinistro, que é o da extrema-direita: uma austeridade agravada e piores condições para os trabalhadores, com racismo, com xenofobia. E se a extrema-direita continua no crescendo que se tem verificado pelo mundo - sendo que os casos da Itália, da Hungria e outros são fenómenos que consideramos já neofascistas - representa a perda de ainda mais direitos para quem trabalha. Estes são os projetos dos ricos e dos poderosos. Nós queremos criar uma Europa fora deste projeto, uma União Europeia que dê condições aos trabalhadores.
"A dívida que foi contraída por Portugal não foi usada em benefício dos trabalhadores"
A esquerda, e disse-me que o MAS está à esquerda do Bloco, não é, tradicionalmente, europeísta.
Somos a favor da Europa, mas não desta Europa. Temos diferenças em relação ao PCP e ao Bloco, mas também não posso dizer que não sejam europeístas, o que não são é a favor desta Europa. Se bem que neles há uma contradição, como acontece aqui em Portugal: criticam o governo, mas aprovam os orçamentos, para depois andarem a queixar-se o resto do ano das consequências daquilo que foi aprovado por eles mesmos. Não é consequente. Por exemplo, para lhe dar uma ideia de algo com que a esquerda, Bloco e PC, deixaram de se preocupar: achamos que a dívida que foi contraída por Portugal não foi usada em benefício dos trabalhadores, das pessoas. Ou seja, o empréstimo não foi utilizado em serviço de quem o está a pagar. E, por isso, achamos que a dívida tem de ser auditada, tem de se ver para onde foi o dinheiro, para o que serviu exatamente.
"Somos o país que tem o maior número e trabalhadores a ganhar salário mínimo, cerca de 25% dos trabalhadores"
Quais são as ideias do MAS para a União Europeia?
O MAS pretende, por exemplo, que se crie um salário mínimo europeu. Repare, trabalho para o Estado português há 25 anos, o meu salário é o salário base, o mais baixo pago pelo Estado Português: 635 euros. Tenho de pagar água, luz, gás, casa, alimentação... Se não fosse a minha família, não sei como seria. Como se pode comprar um livro, ir a um cinema ou espetáculo, algo que é essencial para o desenvolvimento de uma civilização? Somos o país que tem o maior número e trabalhadores a ganhar salário mínimo, cerca de 25% dos trabalhadores. Isto é uma injustiça. Acreditamos que os tetos do salários dos gestores das empresas e dos bancos devem ser limitados, independentemente de serem instituições públicas ou privadas. Para nós não faz sentido um gestor ganhar 46 vezes mais do que ganha a sua força de trabalho, a disparidade é anormal. Quem produz riqueza são os trabalhadores.
"O governo fala na criação de emprego, mas 63% dos empregos criados são precários"
Os cidadãos da União Europeia têm no topo das suas preocupações, segundo o Eurobarómetro, o crescimento da economia. O que pode ser feito neste domínio?
Temos na Europa cinco mil banqueiros que recebem mais de 1 milhão de euros e temos, também, mais de 100 milhões de europeus que vivem no limiar da pobreza. Estas pessoas não têm capacidade de aquisição do básico, quanto mais capacidade de poupança. Com uma agravante, vão viver de reformas miseráveis, quando há quem tenha reformas elevadíssimas. As reformas também deviam, no nosso entender, ter tetos máximos. Aliás, os salários baixos também penalizam a Segurança Social. O governo fala na criação de emprego, mas 63% dos empregos criados são precários. Assim não se consegue planear uma vida, a compra de bens, constituir família, ter filhos. O Estado nem para si é bom: há recursos, mas têm de ser melhor geridos. Se podemos investir milhões nos bancos ou na indústria do petróleo e do carvão, por exemplo, então algum desse dinheiro tem de reverter para a sociedade. A questão do ambiente, aliás, é fundamental para nós.
"Propomos para a União Europeia um carga horária máxima de 35 horas semanais"
Fale-me, então, das preocupações com o ambiente, de como se pode combater as alterações climáticas. Qual o plano?
Fazendo a reconversão energética. Há indústrias que vão ter de parar. É preciso deixar de extrair petróleo e carvão, há outros recursos que substituem os combustíveis fósseis. Com a transição para as energias limpas é possível criar empregos. E, a propósito dos empregos, a redução da carga horária também é uma solução. Propomos para a União Europeia uma carga horária máxima de 35 horas semanais. Em Portugal são 40 horas, mas normalmente as pessoas trabalham muito mais do que isso, seja para ganhar dinheiro em horas extraordinárias, seja para ganhar nada. No meu local de trabalho há pessoas com 300 horas positivas e por cada três pessoas que se reformam entra uma. A redução da carga horária e a renovação de setores estratégicos ajudaria a criar emprego.
Como é que o Hospital de Barcelos sente a União Europeia, como é que vive a União Europeia?
Portugal, digamos assim, não ficou a ganhar com esta União Europeia. Se eu lhe dissesse que nada melhorou desde que entrámos para a União Europeia, estaria a mentir. Se lhe dissesse que em 2019 está igual ao que era em 1986, estaria a fazer demagogia. Mas em 1986 também estávamos melhor do que em 1971, e não estávamos na União Europeia. Fizemos sem a União um Serviço Nacional de Saúde que chegou a ser considerado dos melhores do mundo. Só que se fizer o balanço entre ganhos e perdas, penso que Portugal, como uma boa parte dos países, perdeu. Vamos lá a ver: tínhamos uma frota pesqueira, tínhamos siderurgia, tínhamos estaleiros navais, tudo isso desapareceu. Diz-se que entrou muito dinheiro em Portugal, e entrou. Mas entrou para quê, para onde, para quem?
Só deste último quadro plurianual são mais de 10 milhões por dia...
Os governos que temos tido, de facto, não têm feito as melhores apostas. Mas a quem têm servidos as políticas da União Europeia? Não é só aos ricos e poderosos deste país. Saem milhões em juros da dívida, são 8 mil milhões por ano, que podiam servir, por exemplo, para o Serviço Nacional de Saúde, que tem sido sangrado todos os anos. E este dinheiro também acabou por beneficiar... A Autoeuropa, da Volkswagen, veio para Portugal e é das mais rentáveis do grupo. Porquê? Porque beneficiou de um conjunto de vantagens e isenções que o Estado lhe concedeu e até de fundos comunitários.
"Os empresários alemães não fazem empresas aqui porque os coitadinhos dos portugueses precisam de emprego, é porque é mais rentável para eles"
Se assim não fosse, a empresa teria vindo para Portugal?
Está bem, mas quem está a ganhar mais com isso? Os trabalhadores ganharam, porque receber um ordenado de 1200 euros, quando em Portugal se ganha 600, é muito bom. Mas quanto ganha um alemão para fazer exatamente a mesma coisa, exatamente para o mesmo patrão? É que um tem um prémio de mil euros, o outro tem um prémio de dez mil. Se calhar para os trabalhadores nacionais não está a ser assim tão bom. Ao vir para cá, a Volkswagen não está a fazer favor nenhum, é porque beneficia com isso. Ou seja, os empresários alemães não fazem empresas aqui porque os coitadinhos dos portugueses precisam de emprego, é porque é mais rentável para eles. Falamos de democracia: a imensa maioria da população europeia é trabalhadores. Então, a União Europeia, em vez de estar a beneficiar essa pequena, essa ínfima minoria que são os grandes empresários, deve beneficiar os trabalhadores. Por isso, também defendemos que as grandes fortunas sejam taxadas de forma a devolver valor à sociedade, seja em salários, seja em serviços públicos de qualidade.
Há pouco estava a falar-me da política do MAS para as alterações climáticas e proteção do ambiente e mudou para o desemprego e a economia. Pode falar-me mais na tal reconversão energética?
O MAS propõe uma reconversão energética até 2035 porque, a continuarmos neste caminho, isto vai correr muito mal. Estamos à beira do abismo, é este o consenso científico. O Acordo de Paris tinha como objetivo manter o aquecimento global abaixo dos 2 °C e as emissões de gases com efeito de estufa deviam ser reduzidas em 50% [em relação aos valores de 1990] até 2050. Atualizando, já terá de ser feito um esforço maior e até 2035. Voltamos ao mesmo: a União Europeia tem injetado milhares de milhões na banca. Então não pode apoiar algo como o transporte público coletivo não poluente? A Europa tem de ter bons transportes públicos, porque o que vemos é cada pessoa no seu carro, em Portugal e noutros países. Também os voos têm de ser reduzidos, e mesmo reduzidos às necessidades básicas, se queremos atingir os objetivos. As empresas poluentes têm de ser reconvertidas e esta reconversão vai criar muitos empregos. Sabemos também que as indústrias fabricam produtos que são desenhados e pensados para ter prazos de vida curtos, exatamente para venderem mais. É preciso usar melhor e mais racionalmente os recursos disponíveis. Temos de mudar a forma como estamos a viver, não podemos continuar a consumir a e poluir como se não houvesse amanhã, porque, a continuarmos assim, não vai haver amanhã. Para isso, entendemos que também as pessoas devem ter incentivos para reciclar, para não consumir.
"Os países da União Europeia são imensamente responsáveis por uma boa parte dos dramas humanitários a que assistimos"
Para a imigração, qual a política do MAS?
O mote da campanha do MAS é "por uma Europa sem muros nem austeridade". E assenta em quatro pilares: o primeiro é o dos direitos sociais, onde está a questão do salário mínimo europeu, o segundo é o ambiente, o terceiro tem a ver com as opressões - direitos da mulher, combate à xenofobia, ao racismo, apoio das minorias - e o quarto e último é o combate à extrema-direita, que está a crescer e que a história nos diz como acaba. Para responder à sua pergunta: temos de abrir a porta e receber as pessoas, não podemos ser uma Europa fortaleza. Os países da União Europeia são imensamente responsáveis por uma boa parte dos dramas humanitários a que assistimos. Até mesmo os relacionados com o clima, porque as alterações climáticas são provocadas pelos povos ricos, pelas economias europeias e norte-americanas, e não pelos países menos desenvolvidos. Quem menos polui é que está a pagar a fatura dos estilos de vida que nós, norte-americanos, europeus, pessoas do primeiro mundo, temos. Como as guerras, também fomos nós que as fomentámos, que vendemos armamento - além do consumo do petróleo. Depois, transformámos o Mediterrâneo num cemitério. Temos de ter condições para receber estas pessoas - mas há mais gente a berrar contra essas pessoas (islamofóbicos) do que refugiados a entrar na Europa.
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