“É preciso começar [o estudo do Grego e do Latim] no ensino secundário. Enquanto isso não voltar a acontecer, a qualidade das nossas humanidades e o estudo da história e cultura portuguesas estarão no futuro seriamente comprometidos”, disse Frederico Lourenço, hoje, na cerimónia de entrega do galardão, que decorreu na Culturgest, em Lisboa, na presença do Presidente da República e dos ministro da Cultura e da Educação, entre outras personalidades.
“Quando vemos que noutros países europeus os alunos do ensino secundário, que para tal mostrem apetência, têm a possibilidade de fazer cinco ou mais anos de latim e grego antes de chegarem à universidade, bem lamentamos a situação dos nossos alunos portugueses, que estão condenados a iniciar o latim e o grego na universidade, em licenciaturas que duram apenas três anos”, disse Frederico Lourenço.
“É preciso que tomemos consciência urgente deste facto: os três anos de licenciatura não são suficientes para estabelecer as bases de línguas como o latim e o grego: é preciso começar mais cedo, antes da universidade: é preciso começar no ensino secundário. Enquanto isso não voltar a acontecer, a qualidade das nossas Humanidades e o estudo da história e cultura portuguesas estarão no futuro seriamente comprometidos”, declarou.
“Uma das razões pelas quais o estudo do grego me parece tão importante é que o grego é a mais antiga língua europeia. É uma língua da qual existem registos escritos que remontam ao século XIII antes de Cristo”, disse o tradutor da Bíblia Grega, citando vocábulos portugueses como “elefante”, “hipismo”, “hipódromo” e “antropologia”, com origem no grego.
Quanto ao Latim sentenciou: “Sobre o caráter imprescindível do latim, num país com a história do nosso, penso que nem deveria ser necessário insistir. Até ao século XVIII, quase metade dos livros publicados em Portugal eram em latim. Como é que iremos estudar, no século XXI, a história do nosso país se aceitarmos passivamente a ideia de que as línguas clássicas são inúteis? Como é que vamos estudar a epigrafia romana do nosso território?”.
Sobre o necessário estudo do latim, o tradutor da “Odisseia”, de Homero, título que publicou em 2005, deixou uma outra interrogação: “Como é que vamos ler no futuro os acervos extraordinários dos mosteiros que foram extintos no século XIX, como Alcobaça e outros?”.
Frederico Lourenço, que já recebeu, entre outros, o Prémio P.E.N. Clube Primeira Obra, em 2002, sublinhou: “A ideia da pretensa inutilidade das línguas clássicas é um enorme equívoco, que toda a minha vida profissional me tenho esforçado por combater”.
Referindo-se à tradução integral da Bíblia Grega, que iniciou em 2014, e está na base da atribuição do Prémio Pessoa, o investigador afirmou que “o papel do tradutor não é para pessoas que gostem de uma vida calma. A história da tradução da Bíblia é a história de homens zangados uns com os outros”.
O tradutor recordou que, no início do século XX, quando se publicou em Atenas a primeira edição do Novo Testamento, “em que o texto tinha sido modernizado de modo a refletir o grego falado dois mil anos depois de Cristo, veio imediatamente a condenação feroz da Igreja Ortodoxa, que considerou esse Novo Testamento moderno um insulto e uma blasfémia”.
“Houve manifestações de rua em Atenas tão violentas que morreram oito pessoas”, e a edição foi “logo proibida e retirada de todas as livrarias”.
Há 1500 anos, “os santos Agostinho e Jerónimo desentenderam-se por causa de questões referentes a opções de tradução da Bíblia”, contou Frederico Lourenço, referindo ainda que “os primeiros dois tradutores da Bíblia para inglês foram queimados em praça pública, sendo que só o primeiro teve a sorte de já estar morto quando isso aconteceu”.
“João Ferreira de Almeida, o primeiro tradutor português da Bíblia, escapou de ser queimado em efígie pela Inquisição de Goa”, e referindo o historiador José Pedro Paiva, presente na sala, como “um dos maiores especialistas mundiais da história da Inquisição”, ironizou: “Ele bem nos poderia dizer o que teria sido o meu destino se eu tivesse nascido no reinado de D. João V – ou até no reinado de D. José, não sei. Vivendo, como tenho o privilégio de viver, no Portugal de hoje, verifico que em vez de ser queimado vivo em praça pública ganhei o Prémio Pessoa”.
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