“Já prometi que seria testemunha no seu caso. Darei toda a informação que sei”, afirmou Xanana Gusmão, num excerto de declarações que deu ao programa Four Corners da televisão australiana ABC a transmitir hoje e que será dedicado ao caso.
Questionado pelo jornalista da ABC, Xanana Gusmão admitiu que a informação que poderá divulgar no tribunal pode envergonhar anteriores governos australianos: “acredito que sim”, disse.
Um homem conhecido apenas como “testemunha K” e o seu antigo advogado Bernard Collaery são acusados de conspiração pelas autoridades em Camberra, crime que tem uma pena máxima de dois anos de prisão, e estão a ser julgados num tribunal australiano.
Os dois foram acusados no ano passado de conspirar para revelar informações protegidas pela lei dos serviços secretos, que abrange o sigilo e a comunicação não autorizada de informação, num processo envolto em segredo.
Os comentários mais recentes de Xanana Gusmão sobre este caso surgem dois meses depois de ter afirmado, em Lisboa, que Timor-Leste se sentiu traído por “um país amigo”, a Austrália, aquando do uso dos serviços secretos do combate ao terrorismo em função de grandes interesses económicos.
“Sentimo-nos traídos por um país, supostamente amigo, e com o qual contávamos reconstruir [Timor-Leste]”, disse Xanana Gusmão, em Lisboa, na apresentação do livro “Passar dos Limites – A História Secreta da Austrália no Mar de Timor”, da escritora australiana Kim McGrath e que aborda a ação daquele país insular em território timorense nos últimos 50 anos.
A existência do esquema de escutas montado em 2004 pelos serviços secretos australianos em escritórios do Governo timorense, em Díli, durante as negociações para um novo tratado para o mar de Timor, foi denunciada pela “Testemunha K” (a sua identidade nunca foi revelada publicamente).
Na altura, como agora, Xanana Gusmão – primeiro Presidente de Timor-Leste desde a restauração da independência e primeiro-ministro na altura em que descobriu da existência das escutas – lançou um apelo ao Governo australiano.
“É nesta revolta íntima, que arde cá dentro, que, humildemente, faço aqui um apelo público à razão para que o Governo da Austrália reconsidere e pare com a injustiça que está a ser praticada contra Bernard Colleary e contra a testemunha K”, declarou, na cerimónia que decorreu durante o quinto encontro ministerial do g7+.
“Não era a segurança do Estado que estava em causa, mas o facto de se ter utilizado a inteligência militar para espiar assuntos de negócio entre a riquíssima Austrália e o paupérrimo Timor-Leste”, considerou o antigo chefe de Estado, acrescentando: “Não era uma questão de segurança. Nós tínhamos acabado a guerra. Se tínhamos algumas armas, que já não funcionavam, não tínhamos armas. Aquilo não era uma questão de segurança da Austrália, nós não íamos invadir a Austrália”.
De acordo com os relatos, através das escutas, o Governo australiano obteve informações que permitiriam favorecer as intenções australianas nas negociações com Timor-Leste da fronteira marítima e pelo controlo da zona Greater Sunrise, uma rica reserva de petróleo e gás.
Quando tomou conhecimento da existência das escutas, Díli contestou o tratado e apresentou uma queixa contra a espionagem de Camberra junto do Tribunal Arbitral de Haia, argumentando que, devido às ações do Governo australiano, o acordo era ilegal.
A acusação contra os dois homens, que tem decorrido em segredo na justiça australiana, tem sido alvo de muitas criticas na Austrália e Timor-Leste, como o Movimento Contra Ocupação Mar de Timor (MKOTT) a exigir que Camberra abandone a acusação.
Collaery, que não pode falar publicamente sobre o caso, escreveu na semana passada uma mensagem ao povo timorense, divulgada pelo MKOTT.
No texto, o advogado — que acompanhou a questão de Timor-Leste durante décadas — declara “orgulho por ter apoiado o povo de Timor-Leste na luta pela justiça” comprometendo-se a continuar a dar esse apoio “apesar da perseguição” de que é atualmente alvo.
Juvenal Dias, porta-voz da MKOTT, insiste na necessidade da Austrália abandonar a acusação contra os dois homens, estando a recolher assinaturas para uma petição nesse sentido.
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