Eram os melhores tempos, eram os piores tempos. Começa assim a “História de duas cidades”, de Charles Dickens, e poderia começar assim a história da presente era da NBA.
Eram os melhores tempos porque nunca tivemos uma equipa com tanto talento ofensivo e defensivo. Uma equipa tão completa, tão profunda e com tantas soluções nos dois lados do campo. Eram os melhores tempos porque estamos a assistir a história diariamente e estamos a testemunhar a era daquela que pode muito bem ser a melhor equipa de sempre (muitos dirão que é de certeza).
Para os mais distraídos, estamos a falar, claro, dos Golden State Warriors. Uma equipa que tem dominado a liga nas últimas três épocas. Que fez, no ano passado, a melhor temporada regular de sempre (73-9), e que teve este ano, pela terceira época consecutiva, uma temporada regular com mais de 63 vitórias (o que é recorde da NBA).
No ano passado bateram recordes a torto e a direito e este ano voltaram a fazer disso uma coisa corriqueira. O ataque foi ineditamente bom: lideraram a liga em pontos marcados, assistências, percentagem de lançamentos e rating ofensivo (pontos marcados por cada 100 posses de bola).
Ou seja, marcam muitos pontos, marcam de forma eficiente, partilham a bola e jogam de forma agradável à vista.
E ainda por cima também defendem bem. Têm o maior candidato a Defensor do Ano (Draymond Green), alguns dos melhores defensores do perímetro da liga (Klay Thompson, Andre Iguodala, Draymond Green), homens para o trabalho sujo (Zaza Pachulia, David West) e um Kevin Durant que evoluiu tanto desse lado do campo e se tornou num defensor e protetor do cesto de elite.
Tudo isso resulta num “net rating” (diferença entre os pontos marcados e os pontos sofridos) de +11.4, que foi, de longe, a melhor marca da liga (mais de 3 pontos acima dos segundos, os San Antonio Spurs).
Portanto, atacam bem, defendem bem e divertem-se enquanto fazem tudo isso. É coisa para deixar as outras equipas roídas de inveja.
E agora, um ano depois dessa melhor temporada regular de sempre, estamos a um jogo de assistir à melhor campanha de sempre nos playoffs. Com a vitória desta madrugada em Cleveland lideram as Finais por 3-0 e vão com um recorde de 15-0 nos playoffs. Nunca houve uma equipa invicta na segunda fase da temporada (o recorde é dos Lakers, em 2001, que perderam apenas um jogo em todos os playoffs) e os Warriors estão a 48 minutos de entrar (ainda mais e de mais uma forma) na história.
Mas eram os piores tempos porque, aparentemente, nunca tivemos uma equipa tão superior à concorrência e isso está a destruir o equilíbrio competitivo da liga e a prejudicar o interesse dos fãs. Mais sobre isso daqui a nada, mas, antes, vamos perceber como chegámos até aqui.
Como é que esta equipa se formou? As regras da NBA não deviam impedir este tipo de super-equipas?
Sim, mas esta possibilidade da melhor equipa de sempre numa fase regular conseguir acrescentar um dos 3 melhores jogadores do mundo deveu-se a uma circunstância extraordinária: devido à entrada em vigor do novo contrato de direitos de transmissão e à enorme subida das receitas da liga, o tecto salarial subiu a pique neste Verão e passou de 70 para 94 milhões. E, de repente, todas (ou quase todas) as equipas tinham espaço salarial para oferecer um contrato máximo a um jogador como Kevin Durant.
A liga propôs uma subida gradual e faseada do tecto salarial, mas os jogadores recusaram. E deu-se esta circunstância anormal que permitiu a formação desta mega-equipa (que em condições normais, não teria sido possível, pois os Warriors não teriam espaço salarial para tal). Mas Durant, numa das decisões mais polémicas desta offseason, escolheu os Warriors e aqui estamos.
Como dissemos lá em cima, depois da melhor temporada regular de sempre, este ano preparam-se para fazer os melhores playoffs de sempre e podem continuar a dominar a liga durante o futuro próximo. Os quatro jogadores que formam o núcleo da equipa estão no auge da carreira (Curry tem 29 anos; Durant, 28; Thompson, 27; e Green, 27) e têm, pelo menos, mais meia dúzia de anos no topo.
É verdade que vão ter de gastar muito dinheiro para manter esta equipa junta (o contrato do Curry acaba este ano e o de Kevin Durant no próximo ano; e em 2019, terão de renovar Thompson e Green; e, nessa altura, os dois contratos super-máximos de Curry e Durant vão tornar impossível oferecer dois contratos máximos a Thompson e Green), mas, para já, o presente e o futuro mais próximo é deles.
E isso, afinal, é bom ou mau para a liga?
Bem, os nerds dos basquetebol (sem ofensa, eu sou um) podem não gostar, mas não é mau para a popularidade da liga. Os fãs mais ferrenhos podem não gostar da falta de paridade, mas para os fãs casuais e para o público em geral isso não é um problema. Pelo contrário, até pode beneficiar a popularidade da liga, pois alguns dos momentos mais populares da liga são precisamente quando houve equipas a dominar a liga.
O que nos leva ao ponto final: a NBA sempre foi uma liga de super-equipas. Só que, ao contrário do futebol, por exemplo, não são sempre as mesmas super-equipas. Mudam os emblemas, mas o facto de que as super-equipas dominam a liga mantém-se ao longo da história.
Podemos nunca ter tido uma como esta, esta pode até ser a melhor super-equipa de sempre, mas é a mais recente numa história de super-equipas. Que dominam a sua era e depois passam. E outras se seguirão. E a NBA continua.
Começámos com Dickens, terminamos com (uma inspiração de) Mark Twain: as notícias da morte da liga são manifestamente exageradas.
Márcio Martins já foi jogador, oficial de mesa, treinador e dirigente. Atualmente, é comentador e autor do blogue SeteVinteCinco. Não sabe o que irá fazer a seguir, mas sabe que será fã de basquetebol para sempre.
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