Imagine-se que José Mourinho encontrava no Tottenham a equipa ideal para treinar durante um longo período de tempo. É sabido que o treinador português nunca ficou mais do que três temporadas completas ao serviço de um clube — Chelsea 2004-07 e Real Madrid 2010-13.
À medida que a idade avança, a fricção entre o treinador e jogadores, clube e adeptos, resultado da exigência do próprio Mourinho e das expectativas dos outros, poderá vir a diminuir. Não porque a exigência é menor, mas porque a forma de gestão da mesma poderá ser diferente. Apesar de já na época transata termos testemunhado a falta de paciência de José Mourinho para com alguns elementos da equipa, esta temporada o treinador português parece disposto a mudar a sua forma de comunicação e, corroborando isso mesmo, está a sua forma de encarar a plataforma digital Instagram.
Num artigo interessante de Pedro Candeias, na Tribuna Expresso, o mesmo explica a reinvenção de José Mourinho e a sua transição de, em 2017 não conseguir lidar com alguns dos hábitos dos jogadores de hoje em dia e a sua falta de maturidade, em comparação com o sentido de humor evidenciado no seu próprio Instagram em 2020, sobre o mesmo assunto. A adaptação e reinvenção sempre foram parte da persona de Mourinho e hoje não é exceção.
Supondo que este decidiu estabelecer-se no Tottenham por cinco a dez anos — como aliás se pensou que faria no United —que termo de comparação terá pela frente dentro do próprio clube? Sim porque, como vimos no United, os termos de comparação são os elementos essenciais à pressão que se tem e que poderão encurtar ou prolongar a estadia de um treinador num clube. No United a pressão de títulos e futebol espetáculo é enorme, e associada a um dos melhores treinadores do mundo, o resultado é sucesso ou saída. No caso do português nem o sucesso lhe poupou a saída. No Tottenham as coisas já não são bem assim. José Mourinho continua com a pressão de ter que vencer, uma vez que é José Mourinho, contudo, os Spurs pela sua história recente sem títulos não colocam pressão adicional. Como tal, o ambiente em volta do treinador e da equipa não serão tão pesados, tão rapidamente.
A década de ouro do Tottenham
A ficar no Tottenham e a vencer, sendo José Mourinho um treinador que gosta de marcar os clubes e adeptos por onde passa, sendo os segundos os que são os que carregam as lendas ao longo dos tempos, onde e como poderá o treinador português ir buscar história e recordes? Precisamente à década do seu nascimento.
Nascido a 26 de janeiro de 1963, em Setúbal, José Mourinho não viria ao mundo a tempo do melhor ano da história dos Lillywhites, uma das alcunhas do Tottenham, mas nasceria a menos de quatro meses da primeira conquista de uma competição europeia, neste caso a Taça das Taças, por parte de uma equipa inglesa, o Tottenham. Um recorde histórico.
Os anos 60 marcaram uma geração de adeptos dos Spurs; a década trouxe alegrias que fazem do clube um histórico do futebol inglês. Com Bill Nicholson à frente do comando técnico da equipa, de 1958 a 1974, a década de 60, em particular, deixou para sempre uma marca muito positiva na equipa.
O lendário técnico, também conhecido como Mr. Tottenham, já tinha ajudado a trazer o clube da segunda para a primeira divisão, em 1949-50, então como jogador, tornando o feito épico ao sagrar-se campeão da primeira divisão precisamente no ano seguinte, 1950-51. O Tottenham vencia o campeonato inglês pela primeira vez na sua história. Não contente com o sucesso como jogador, como treinador a sua marca seria também ela especial. Em 1960-61, na sua terceira época como treinador dos Spurs, Nicholson vencera o campeonato e a FA Cup, fazendo do Tottenham de 61 a equipa com mais sucesso da história do clube, uma vez que era a primeira no século XX a conseguir fazer a dobradinha — vencer o campeonato e a taça no mesmo ano. Feito que não era alcançado desde 1897 na altura pelo Aston Villa.
José Mourinho não poderá fazer muito relativamente à contribuição de Bill Nicholson como jogador do Tottenham, mas com toda a certeza que tem capacidade de igualar ou ultrapassar Mr. Tottenham, o treinador. Se Nicholson levou três épocas a construir uma equipa que viria a conquistar Inglaterra e a Europa, o mesmo não é impossível por parte de Mourinho. Se a mudança de gestão/atitude for real e vier para ficar, tornando assim possível a estadia prolongada do treinador português, se as janelas de transferências trouxerem frutos e se a união do plantel e da direção do clube for no sentido do treinador, talvez tenhamos um José Mourinho de volta aos títulos, mas desta feita com um clube de dimensão diferente dos anteriores.
Conseguir vencer a Premier League, e quem sabe a FA Cup na mesma época, com o Tottenham é a fasquia a atingir. Reitero o que tenho dito desde há umas semanas a esta parte, é muito cedo para considerar o Tottenham candidato ao título e para vencer o campeonato esta temporada o plantel parece ser muito curto. Contudo, a construção e organização tendo em vista o futuro próximo parece existir e como tal, as expectativas tornam-se apenas naturais.
Esta semana na Premier League
O grande destaque da jornada vai para a batalha de Manchester. Com ambos os clubes ainda a ganharem ritmo e intensidade, pela primeira há alguns anos, o dérbi de Manchester poderá ser extremamente equilibrado. Apesar de ambas as equipas já terem sido capazes do melhor e do pior esta temporada, fazendo com que o resultado e exibição de cada uma delas seja completamente imprevisível. É provavelmente um dos jogos mais enigmáticos da temporada no que a previsões diz respeito. Se não existisse mais nenhuma razão esta, por si só, seria mais que suficiente para quereremos assistir a mais um duelo entre históricos do futebol inglês.
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