Quando em outubro o FC Porto perdeu no estádio da Luz por 1-0 diante do Benfica, no final do jogo, Sérgio Conceição disse: “Não gostamos de perder. Talvez esta seja a última derrota”.
Esse jogo e essas declarações são um marco na atual época portista. Depois do desaire, os azuis e brancos somaram nove vitórias consecutivas, marcaram 27 golos e sofreram cinco. O FC Porto que era acusado da falta da espetacularidade com que abrilhantou as exibições da temporada passada dava lugar à primazia da consistência. E se os analistas de programas de comentário desportivo hesitavam em elogiar com os adjetivos devidos os desempenhos de Óliver e companhia, Sérgio Conceição via um compasso de espera vitorioso até voltar à espetacularidade.
Hoje foi esse dia.
O jogo de para a Liga dos Campeões, diante do Schalke, que terminou 3-1 a favor dos dragões, é o espelho do trabalho de Conceição, dentro e fora de campo, ao longo deste ano e meio. Um técnico que torna difícil a escrita de um texto objetivo quando olhamos para o que andou até aqui chegar.
Contextualizemos: Sérgio Conceição chegou ao FC Porto na temporada passada, montou uma equipa competitiva baseando-se no regresso de jogadores que estavam emprestados e deu garra aos portistas, aquela garra que só quem amou e suou com a camisola do clube pode transmitir. Terminou a época como campeão nacional, colocando fim ao reinado do Benfica que perdurava há quatro temporadas.
Esta temporada, com nenhuma contratação sonante para além de Éder Militão, um central que se cimenta como uma promessa mundial, sobreviveu à saída de Marcano, à “birra” de Marega, fez de Jesús Corona um novo jogador e mostrou a todos que sim, Óliver é um verdadeiro maestro dentro de campo.
Tudo isto aconteceu sem se queixar de falta de jogadores. De falta de verbas.
Sérgio Conceição é um caso raro no futebol moderno. E o trabalho que faz nos treinos e a nível psicológico com os jogadores, traduzem-se nesta calma com que depois de uma derrota com um dos principais rivais à conquista do campeonato nacional diz que tudo vai correr bem. E faz com que, efetivamente, tudo corra bem.
E hoje, o jogo que Conceição disse que seria um dos mais difíceis desta fase de grupos, não o foi. Porquê? Porque o treinador português fez com que não fosse. O teste foi explicado na conferência de imprensa antes do encontro, com o português a anunciar como os alemães iam jogar, aplicando depois, de forma simples e exemplar, os 'exercícios' praticados nas 'aulas'.
Foi assim:
O jogo começou lento, típico de duas equipas que ouviram o apito inicial sabendo que já estavam apuradas para os oitavos-de-final. Mas ficar em primeiro é melhor do que ficar em segundo, devem ter-se lembrado os intervenientes da partida. Então, os alemães assumiram a iniciativa e tentaram por duas vezes, praticamente consecutivas, fugir pela ala direita dos dragões. Felipe ‘limpou’ as duas tentativas. E depois disso só deu FC Porto.
Danilo com um remate de fora de área, aos 18 minutos, deu o brilhantismo a R. Fährmann. O guarda-redes alemão voltou a brilhar três minutos depois, quando o médio defensivo volta a tentar um remate de fora de área que bate e fica perdido nas pernas adversárias, mas que Marega recupera, carrega até à entrada da área e transforma num belo remate em efeito ao canto superior direito da baliza do Schalke. O guardião ainda voltaria a brilhar em cima do intervalo, com uma defesa aos pés de Herrera, isolado dentro da grande área.
Ao meio tempo, as estatísticas eram desniveladas. Se uma equipa parecia sem vontade, satisfeita com a simples qualificação, a outra queria definitivamente passar em primeiro lugar do grupo e garantir a finta a alguns dos maiores tubarões europeus no sorteio futuro.
E assim começou a segunda parte, bem à imagem do 'professor' Sérgio Conceição. À dragão. Canto estudado do lado esquerdo batido por Corona, Óliver domina à entrada da área, olha, pensa, espera, cruza e Éder Militão, de cabeça e como mandam as regras, faz o golo inaugural. Dois minutos depois, num lance de futebol tricotado entre (outra vez) Corona e Brahimi, o mexicano ficou em boa posição na área alemã e fez o golo.
A consistência dava lugar à espetacularidade e Felipe, imperial no setor mais recuado, por pouco não se tornou no expoente máximo da evolução da equipa ao arriscar-se a marcar um enorme golo de pontapé de bicicleta à entrada da área. Mas o ferro foi desmancha prazeres.
Na espetacularidade ainda houve espaço para exibir mais uma vez a razão e o treino. Num livre estudado, Óliver coloca a bola por cima da barreira e deixa Corona isolado diante da baliza. O mexicano manda a bola a rasar o poste.
Contar o resto do jogo é falar de uma imprudência do médio espanhol que valeu um pénalti para os alemães, bem convertido, mas que, a nível anímico não se traduziu em nada. É difícil olhar para a turma orientada por Domenico Tedesco e compará-la à da temporada passada, que terminou a Bundesliga em segundo lugar. Os alemães parecem não se ter recomposto da saída de Goretzka e do finca-pé de Konoplyanka, que tentou forçar a saída no início da temporada. Tal traduziu-se em cinco derrotas consecutivas a abrir a época e agora, numa fase que deveria ser de recuperação, a um nível exibicional bastante baixo para uma equipa que vai disputar os oitavos-de-final da liga milionária.
Contar o resto do jogo é, também, falar do golo de classe de Marega, já nos descontos a sentenciar o jogo num 3-1 fácil para os dragões e a cimentar tudo aquilo que escrevi sobre Conceição, que hoje se tornou no segundo treinador a ultrapassar a fase de grupos da Champions pelo FC Porto por mais do que uma vez, juntando-se a Jesualdo Ferreira, que passou sempre a fase de grupos nas quatro épocas em que orientou o clube (entre 2006/07 e 2009/10).
Pelas notas do técnico, aquela talvez tenha sido mesmo a última derrota.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
Ninguém consegue executar o seu trabalho com uma eficácia de 100%. Às vezes estamos com a bola nos pés e perguntamo-nos se deixámos o fogão ligado ou se trancámos o carro antes de ir embora. Provavelmente, foi isto que aconteceu a Maxi Pereira quando fez um atraso horrível para Casillas, aos 38 minutos, que deu um canto desnecessário aos alemães.
Éder Militão, a vantagem de ter duas pernas
Tem nome de herói e da maneira como se tem atirado aos jogos habilita-se a atos heróicos. Aos 20 anos, Militão é uma das maiores promessas do futebol mundial. Hoje, não teve muito trabalho lá atrás, mas só porque… nem os deixou lá chegar. Fez três interceções, quatro alívios e ganhou dois duelos aéreos.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
Imaginem um jogo de FIFA entre dois amigos em que a goleada já vai tal que o primeiro avança com central até à área para fazer o golo da noite. Foi mais ou menos neste espírito de vontade que o central brasileiro ia fazendo o golo da época. Felipe ia enfiar no bolso o golo de Ronaldo frente à Juventus na época passada. Uma bicicleta à entrada da área que embateu na barra.
Nem com dois pulmões chegava à bola
Se tocasse na bola cometeria uma infração, mas o treinador do Schalke não conseguiu surpreender minimamente. O futebol da equipa de Domenico Tedesco foi lento, previsível e jogado com pouca vontade. P.S. Que desta generalização se salve o nome de Ralf Fahrmann que só não defendeu o impossível.
Comentários