Dois empates, duas derrotas, zero golos. Este era o registo do Vitória de Guimarães em terras belgas à entrada deste embate com o Standard Liège. Convidados a subir a Europa no âmbito da velhinha Taça UEFA, os vimaranenses nunca conseguiram arrancar mais do que um ponto nas suas deslocações.
Aos empates a zero em 1995/96 com o Standard Liège e em 1996/97 com o Anderlecht, os conquistadores somavam ainda uma derrota com o Beveren por 1-0 em 1987/88 (apesar de passarem a eliminatória nos penáltis) e com Oostende por 2-0 em 1975/76 — esta no âmbito da defunta Taça Intertoto.
O histórico, portanto, não era o mais animador, mas se havia oportunidade para contrariá-lo era esta. Apesar do mau arranque no campeonato — vinha de três empates e uma derrota até despachar o Aves por 5-1 na última jornada —, a equipa de Ivo Vieira estava a manter um registo europeu bem cintilante nesta época de 2019/20.
Com quatro vitórias e dois empates, 15 golos marcados e nenhum sofrido, o Vitória despachou os luxemburgueses do Jeunesse Esch, os letões do Ventspils e os romenos do FCSB (nova designação do velhinho Steaua de Bucareste) para aqui chegar, fazendo-o de forma absolutamente categórica.
Contudo, ao chegar às portas do Paraíso, os conquistadores viram-se antes perante o Purgatório. Apesar de todo o esforço, o Guimarães acabou por cair no (teoricamente) pior grupo das quatro equipas portuguesas — leia-se, o mais difícil —, com Arsenal, Eintracht Frankfurt e Standard Liege.
Perante todas as adversidades, estes últimos — outrora treinados pelo técnico dos seus mais ardentes rivais — mostravam-se ser a mais acessível forma de somar alguns pontos num grupo onde estes não seriam de todo abundantes.
Contudo, logo à partida para o encontro, este Standard Liège não se mostrava assim tão “standard” quanto isso. Atual líder do principal campeonato belga, com 15 pontos após sete jornadas, o clube tem como timoneiro Michel Preud’homme, símbolo não só da casa — com quem venceu um título belga em 2007/08 enquanto treinador, mais dois campeonatos, uma taça e duas supertaças belgas enquanto guarda-redes — mas sendo também referência máxima de quem, em Portugal, tem o coração vermelho e branco, tendo defendido as redes do Benfica durante cinco anos.
Para tomar Liège de assalto e acabar de vez com o enguiço, Ivo Vieira manteve a equipa que jogou contra o Desportivo das Aves à exceção de três alterações: Douglas trocou as luvas com Miguel Silva, Bondarenko remeteu Pedro Henrique para o banco e juntou-se a Tapsoba no eixo central da defesa e Davidson regressou ao onze, compondo o tridente de ataque com Léo Bonatini e Rochinha. Do lado belga, Preud’homme não pôde contar com Selim Amallah, lesionado, que vinha sendo titular em todas as partidas, mas trouxe ao onze a sua maior referência, Mehdi Carcela. Sim, o extremo marroquino que foi campeão pelo Benfica.
Na antevisão da partida, Ivo Vieira prometeu "atacar a baliza do adversário", "ter bola" e "proporcionar um bom espetáculo", mas destas três, só as duas primeiras foram cumpridas na primeira parte. Os minutos iniciais de jogo foram marcados pela vontade do Vitória de mandar na partida, impondo-se no meio-campo adversário. No entanto, o controlo de bola não passou disso mesmo, já que os conquistadores dificilmente conseguiram romper o bloco bem fechado do Standard Liège.
Com Davidson a vir muito atrás procurar criar jogadas e um Leo Bonatini “missing in action”, faltavam referências ofensivas para o Vitória atacar a baliza, sendo que a maioria das jogadas de perigo começaram em desarmes fruto de uma pressão alta que devia ter sido mais constante.
Do lado belga, expectativa e paciência. Remetidos a manobras defensivas, os jogadores comandados por Preud’homme foram procurando contra-atacar, com Carcela e Limbombe a tentar explorar as costas dos laterais vimaranenses, sem sucesso. O perigo que o Standard Liège ia criando foi maioritariamente resultado de más decisões na construção do Vitória - e aí, Mikel Agu, apesar do bom trabalho defensivo, esteve particularmente desleixado, falhando passes a torto e a direito.
Tudo isto para dizer que, no final da primeira parte, imperava o empate no resultado, com um livre perigoso para cada lado e duas oportunidades(zinhas) de golo para o Vitória, ambas de remates pouco convincentes de Lucas Evangelista.
No segundo tempo, mais do mesmo. O Vitória a procurar a baliza belga sem grande sucesso e o Standard Liège a tentar apanhar os conquistadores em contrapé. Numa sucessão de lances, os jogadores de Ivo Vieira foram aproximando-se cada vez mais da baliza de Milinković-Savić: primeiro num livre fácil de Lucas Evangelista, depois num remate de Poha defendido a dois tempos e numa arrancada de Davidson cujo disparo saiu desviado. Todo esse assomo desembocou naquela que foi a melhor hipótese até então, quando, aos 56 minutos, Poha volta a alvejar a baliza, Savic borra a pintura ao deixar a bola cair para a frente mas limpa-a com uma grande mancha a Davidson, que se preparava para aproveitar o erro.
Por altura, sabendo já que o resultado acabou 2-0, o leitor dever-se-á estar a perguntar: “mas, e então o Liège?” Pois bem, ao fim de tanto tentar e de Ivo Vieira até tirar a unidade “menos” em campo — Bonatini saiu por Bruno Duarte —, o Vitória começou a acusar alguma desconcentração e os belgas começaram a aproveitar, orquestrados pelos avanços de Carcela.
Qualquer adepto vimaranense mais supersticioso que estivesse a ver o encontro já deveria estar a adivinhar que, mesmo contra a corrente de jogo, o Standard Liège acabaria mesmo por marcar. Foi o que aconteceu. Na única jogada de perigo verdadeiramente bem construída dos belgas, o lateral Vojvoda faz um cruzamento tenso para dentro da grande área e Hanan, mal-posicionado, tenta cortar a bola mas desvia-a para dentro da baliza. Pasme-se, os comandados de Preud’homme estavam a vencer e ainda nem tinham feito um remate à baliza.
A reação do Vitória foi imediata e a produção atacante subiu muito de rendimento quando Agu deu lugar ao criativo Pêpê. Os conquistadores começaram a carregar cada vez mais: Tapsoba atirou de cabeça para uma defesa espetacular de Milinković-Savić junto ao poste e Bruno Duarte viu um golo negado por Bokadi no coração da pequena área belga, sendo que o defesa-central do Standard teve sorte de não ver pénalti assinalado por mão na bola em lance com Rochinha.
Apesar de todos os esforços da equipa de Ivo Vieira, seria mesmo Preud’homme a sorrir, quando Tapsoba, numa má abordagem a uma bola aérea, deixa-a escapar para o recém-entrado M'Poku. O avançado só precisou de desviar de um Miguel Silva já fora da baliza.
Perdido um dos jogos teoricamente mais fáceis do seu grupo, o Vitória de Guimarães tem agora uma tarefa bastante mais espinhosa pela frente. Não é que a sua bonita história de superação futebolística tenha acabado, mas fica definitivamente manchada. Foram seis jogos de invencibilidade — e sem golos sofridos — na Europa, mas à sétima partida, o Vitória parou.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
O Vitória deve ter deixado Léo Bonatini no aeroporto Francisco Sá Carneiro à espera de um embarque que nunca aconteceu, porque o avançado brasileiro nem se viu em Liège. Trazido por empréstimo do Wolverhampton Wanderers para, supostamente, aportar alguma experiência do futebol inglês aos vimaranenses, a única coisa britânica que demonstrou foi uma excessiva simpatia pela defesa belga, tanto que quase não lhes deu qualquer trabalho. É verdade que o ex-Estoril ainda está a ganhar rotinas, mas, sem surpresas, o futebol ofensivo dos conquistadores subiu muito de nível quando foi substituído-
Vanja Milinković-Savić, a vantagem de ter (mais de) dois metros
Sim, o apelido não é estranho. Não só Vanja é irmão do bastante mais mediático Sergej, peça fulcral da Lazio, como o seu pai era Nikola Milinković, que jogou no Chaves e no Alverca nos anos 90. Todo este pedigree vale o que vale, mas o guardião de 2,03 metros, emprestado pelos italianos do Torino ao Standard Liège, honrou o nome de família nesta estreia, ao fazer um par de defensas fundamentais — em particular ao cabeceamento de Tapsoba — para impedir o Vitória de marcar. No alto (e bem alto) dos seus 22 anos, é capaz de ter futuro, especialmente se prestar atenção aos ensinamentos do seu treinador.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
Talvez nunca tenha sido jogador para grandes voos, mas isso não quer dizer que Mehdi Carcela não tenha daqueles pézinhos mágicos que apenas alguns possuem no jogo bonito. (Re)Veja-se o que fez aos 81 minutos, desvencilhando-se de dois jogadores do Vitória em rápida sequência e despachando um terceiro com uma roleta.
Nem com dois pulmões chegava a essa bola
Em sentido diretamente oposto ao brilharete acima descrito, há atletas que deviam ter mais consciência das suas limitações. Não é assim tão raro ver centrais a fazer incursões pelo meio-campo adversário, mas é bastante mais incomum vê-los a tentar terminar essas invectivas com um passe de calcanhar. Foi o que Valeriy Bondarenko tentou fazer, mas acabou a calcorrear o ar e a cair para a frente. Não é que tenha dois blocos de cimento no lugar pés, mas também não é nenhum Mehdi Carcela.
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