Foram oito dias de competição em Sarasota, na Florida, nos Estados Unidos da América (EUA), uma zona que ainda foi ameaçada pelas tempestades tropicais e furacões que todos os anos assolam o país. Mas o local da prova escapou ileso e foi dada luz verde para as equipas começarem a chegar antecipadamente. A organização construiu e montou um complexo imponente, dignificando em muito o desporto e o comité organizador da prova.
De salientar que, infelizmente, Portugal não esteve presente nesta prova a nível desportivo, mas apenas através do construtor Nelo e os seus inovadores barcos. A decisão de não participação foi da Federação Portuguesa de Remo: com base nos resultados desportivos das Taças do Mundo, o organismo concluiu que as potenciais equipas portuguesas participantes não iriam ter bons resultados que justificassem a deslocação. Curiosamente, na última vez que esta prova se realizou nos EUA, em 1994 em Indianápolis, Portugal conquistou a sua única medalha em Campeonatos do Mundo de Seniores.
E se estivemos 23 anos sem Campeonatos do Mundo nos EUA, a organização da prova quis deixar a sua marca e dar a entender que o país é capaz de grandes e boas organizações. Tive a oportunidade de falar com Nuno Mendes e Pedro Fraga, presentes no evento em representação comercial da Nelo, e ambos foram unanimes nos comentários. “O ambiente foi fantástico e a organização muito boa, nível de Jogos Olímpicos” referiu Nuno Mendes. Pedro Fraga referiu também que “parecia um evento olímpico, muito bem organizado e com estruturas de Jogos Olímpicos”, não deixando de mencionar que Portugal não teve nenhuma equipa presente.
Nuno Mendes ainda deu destaque ao facto do interesse na marca Nelo ser cada vez maior devido às inovações do casco, da prova e diferenciação das cores. O feedback tem sido bom.
Nações: O regresso da Itália ao topo da tabela
Uma das grandes surpresas foi ver a Itália a regressar ao topo da tabela de medalhas e logo para a primeira posição. A Itália sempre teve uma grande tradição no remo mas esteve afastada dos grandes resultados por vários anos. A sua última medalha de ouro olímpica foi em Sydney 2000, quando venceu o Quadri-Scull Masculino (M4x).
Contudo, em Sarasota, a Itália arrecadou três medalhas de ouro, três de prata e três de bronze. Uma equipa renovada e com muita garra, a vencer e a fazer resultados surpreendentes, com uma imagem de marca: uma ponta final que fez muitos estragos.
A Nova Zelândia já nos habituou a grandes inícios de ciclo olímpico e também ficou muito perto da Itália, escapando-lhe o titulo de Skiff Masculino devido a uma lesão de Rob Manson (atual recordista mundial).
A Austrália fechou o pódio de medalhas e recuperou um titulo que lhe fugia há 26 anos no 4- Masculino.
Ainda de salientar pela positiva, o regresso da Roménia às medalhas de ouro, com duas, e o resultado do Brasil, que arrecadou uma medalha de ouro e outra de bronze. Por outro lado, a Grã-Bretanha e a Alemanha, grandes nações de remo, ficaram-se por resultados modestos: apenas uma vitoria para cada uma.
Já a nação da casa, os EUA, conseguiu cinco medalhas, mas nenhuma de ouro. De referir o regresso do treinador Mike Teti ao trabalho com o Shell 8 Masculino (M8+), ultimo treinador a conseguir levar o país a ser campeão mundial neste barco. E o regresso foi logo com a medalha de prata, o que parece prometer o retorno dos EUA ao topo do Shell 8.
Mas não nos devemos esquecer que este é o primeiro ano do novo ciclo olímpico, que sofreu alterações a nível de barcos olímpicos, e que algumas equipas acabam por ser renovadas com atletas mais novos, aproveitando alguns atletas olímpicos para começar a época mais tarde.
Contudo, começamos já a ter uma ideia de quão imprevisível será este ciclo, com mais países a entrarem na luta pelas medalhas e a Itália de novo a trazer muitas equipas para as finais.
Femininos: regatas cada vez mais disputadas e intensas
Se num desporto com uma forte componente física seria de esperar uma maior participação e intensidade nos masculinos, no remo as senhoras são cada vez mais rápidas e com intensidades muito elevadas. O aumento do numero de barcos olímpicos deverá aumentar ainda mais o nível do remo feminino.
O Shell 4 sem timoneiro (W4-), novo barco olímpico, já apresentou 12 equipas participantes e teve uma das finais mais disputadas do evento. Cinco equipas disputaram o titulo até aos últimos metros, com a Austrália a levar a melhor, logo seguida, a menos de 1 segundo, pela Polónia e depois pela Russia.
À semelhança da regata de W4-, também as provas de Double-Scull Feminino (W2x), de Quadri-Scull Feminino (W4x) e Double-Scull Ligeiro Feminino (LW2x) tiveram uma disputa até ao final pelo primeiro lugar. Mas isto não significa que as outras regatas tenham sido aborrecidas. Pelo contrário, ouve luta intensa pelas medalhas no Shell 8 Feminino (W8+) — Canadá e Nova Zelândia disputaram o 2.º e 3.º lugar — ou o Quadri-Scull Ligeiro Feminino (LW4x), disputado de forma renhida por Austrália, Canadá e China .
Com a possibilidade de visualizar todas as provas do Mundial no site da FISA (desde as eliminatórias até às finais), a descrição de cada prova é desnecessária. É a primeira vez que a Federação Internacional disponibiliza os vídeos de todas as provas, continuando a inovar e a fazer um bom trabalho na promoção do desporto.
Masculinos: níveis e cadências cada vez mais elevados.
Se nos femininos a intensidade é cada vez maior, os homens não se ficam atrás. Se há uns anos todos ficávamos impressionados com equipas de ligeiros a fazerem regatas sem baixar das 40 remadas por minuto, em barcos de 4 ou de 8, neste momento já o vemos nos skiffs e dois sem timoneiro. Se há uns anos haviam táticas de prova, cada vez mais vemos que não é apenas no Shell 8 que as equipas “largam rápido e mantêm-se rápido”. Cada vez há menos “entrar no ritmo” de meio de prova. E, contudo, vimos pontas finais das equipas italianas a conquistarem medalhas nos últimos 250 metros. Vale a pena repetir: vão ver as regatas!
É difícil escolher qual a regata ou tripulação que mais impressionou. O Shell 2 sem timoneiro peso ligeiro (LM2-) da Irlanda faz uma prova de cortar a respiração, com uma cadência mínima de 44 remadas por minuto. Prova em que a Itália “roubou” a prata aos brasileiros nos últimos metros.
No Skiff ligeiro (LM1x), Paul O’Donovan vence a prova e mostra que mesmo tendo treinado a maior parte do tempo com o seu irmão em Double-Scull (LM2x), entra no skiff e torna-se o melhor do mundo.
O Quadri-Scull Ligeiro, que foi ganho pela França por 0,17 segundos, ganhou muito interesse após a retirada do Quatro sem Ligeiro (LM4-) do programa olímpico, sendo já altamente competitiva.
Por fim, o LM4-, que estava destinado a desaparecer mesmo dos campeonatos do mundo, depois de nos proporcionar das regatas mais emocionantes dos últimos anos. Foi das provas menos interessantes do mundial, ganho pela Itália. Não nos esquecemos ainda do único barco olímpico na categoria de ligeiros, o LM2x, de novo entregue à imbatível equipa Francesa, embora a luta pelo 2.º lugar tenha sido intensa entre Itália (2.º), China (3.º) e Polónia.
Nos pesos absolutos, Ondrej Synek domina o Skiff (M1x), com Rob Manson a não conseguir recuperar da lesão que sofreu depois de bater o recorde do mundo. Em Double-Scull (M2x), a Nova Zelândia fez uma prova fantástica e ganhou por escassos 0,59 segundos aos polacos.
No dois sem (M2-), das provas mais esperadas, os irmãos Skinkovic não conseguem a vitória como esperado. Ou melhor, a Itália com mais uma ponta final demolidora, tirou-lhes o ouro. A Nova Zelândia também tentou surpreender mas não conseguiu melhor que o bronze.
Em M4-, como referido, a Austrália acabou um jejum de 26 anos e venceu categoricamente a prova. A Itália conseguiu ainda ficar com a prata e os eternos vencedores (Grã-Bretanha) ficaram-se pelo bronze. Por fim, o Shell 8 Masculino ficou para a equipa favorita (Alemanha), mas com os EUA (2.º), Itália (3.º) e Holanda (4.º) a acabarem a menos de um barco de distância.
De salientar a curiosidade na regata de QuadriScull (M4x), prova que a Lituânia venceu (como era, de resto, esperado), o voga da equipa da Grã-Bretanha, Peter Lambert, lesionou-se no aquecimento para a final. Devido a esta lesão, o atleta foi substituído por Graeme Thomas mas, mesmo assim, os britânicos conseguiram arrecadar a medalha de prata, muito pressionados pela Estónia (3.º) e Holanda (4.º). Quem sabe se a equipa original teria vencido, mas, em todo o caso, ninguém diria que esta alteração manteria o alto nível do conjunto.
Congresso FISA: igualdade de género também nos mundiais
No dia a seguir ao Campeonato do Mundo de Remo ocorreu o Congresso da sua Federação Internacional. Além da entrega das medalhas de honra e decisão dos eventos de 2019, o congresso votou e aprovou a igualdade de género para as provas dos Campeonatos do Mundo.
Deste modo, depois de desaparecer do programa olímpico, o LM4- sai também do programa dos mundiais. O programa de regatas fica assim igual para masculinos e femininos e apenas se mantém o Shell de 8 como barco com timoneiro. Deixa de haver M4+ e M2+ em Seniores, ficando apenas presente em Sub-23 e Juniores, tanto masculinos como femininos.
Em relação aos eventos de 2019, a novidade é a saída de Lucerna como 3.ª Taça do Mundo. As Taças do Mundo ficam assim em Plovdiv (Bulgária), Poznan (Polónia) e Roterdão (Holanda). O Campeonato do Mundo de Juniores de 2019 será em Tóquio (Japão) e o de Remo de Mar será em Hong Kong. Foi ainda atribuído o Campeonato do Mundo de 2021 a Shanghai (China).
De salientar, ainda, a entrada de dois novos membros na FISA: Cambodja e Guiné, num total de 153 federações nacionais.
Estevão Pape é vice-presidente da Federação Portuguesa de Remo e colaborador do Fair Play para o Remo, acompanhando as várias vertentes da modalidade (Remo Olímpico, Remo Indoor, Yolle e Remo de Mar).
O Fair Play é um projecto digital que se dedica à análise, opinião e acompanhamento de diversas ligas de futebol e de várias modalidades desportivas. Fundado em 1 de Agosto de 2016, o Fair Play é mais que um web site desportivo. É um espaço colaborativo, promotor da discussão em torno da actualidade desportiva.
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