Desde a primeira época ao serviço do Manchester City que Pep Guardiola faz a inversão dos laterais, uma estratégia que consiste em trazer os defesas que jogam mais próximo da linha para o centro do terreno quando a equipa ataca, passando estes a atuar como trincos. Isto dá aos médios centro a oportunidade de explorarem zonas de criação, normalmente reservadas aos avançados centro e extremos. Guardiola guardou esse sistema após a primeira época, utilizando-o sempre que necessário desde então. Com os problemas de finalização que a equipa apresentou no início desta temporada, Pep resolveu trazer de volta parte dessa estratégia e, desde então, um português tem sido muito valioso para a execução do esquema de Guardiola e do Manchester City, João Cancelo de seu nome.
A capacidade física do jogador português que lhe permite subir e descer no terreno e a capacidade técnica que lhe permite jogar igualmente no centro do terreno têm feito de Cancelo uma das duas chaves que possibilitam, de momento, uma longa série de 21 vitórias, para todas as competições, consecutivas.
Quando João Cancelo coloca os pés no centro do terreno, significa que a partir desse momento İlkay Gündoğan, o personagem principal nesta trama, deixa de ser um médio centro. A segurança da equipa é agora oferecida pelo português, em parceria com Rodri, assim como apoio técnico ao ataque, assegurado pelo jogador formado no Benfica e todos os outros jogadores de meio-campo. Isto permite a Gündoğan tornar-se um médio ofensivo, um ala, um finalizador dentro da pequena área. Enfim, tudo o que seja humanamente possível ao experiente médio alemão.
Com os valores apresentados acima, percebemos que Gündoğan, apesar da anormal quantidade de golos que marcou esta temporada, tem aproximadamente o mesmo número de remates que em épocas anteriores. Onde está então a diferença?
O facto de o médio marcar hoje 1 golo a cada 3 remates mostra que o alemão é neste momento um avançado de elite. Já iremos perceber porquê. Para já é necessário entendermos a magnitude da sua percentagem de conversão. A explicação é simples, contudo. A relação com Cancelo, e o facto de Guardiola colocar o jovem lateral português no centro do terreno, como vimos acima, levam a que o ex-Dortmund possa aventurar-se mais do que o habitual e assim ter acesso a remates de menor dificuldade. Isto é, remates dentro da área, como podemos ver por um dos valores em destaque na tabela. Mas se pensarmos que os números de İlkay Gündoğan são melhores apenas por este ter acesso a golos de bandeja estamos enganados.
O alemão transformou-se num finalizador nato, num avançado de classe mundial, e isso percebe-se devido ao número de golos esperado por remate (xG/remate) e aos golos, de facto, conseguidos pelo alemão.
Antes de avançarmos, uma pequena nota sobre ‘golos esperados’. Golos esperados (xG) é uma medição, baseada em probabilidade que nos diz quais as chances de um determinado remate resultar em golo. Tendo olhado a uma base de dados com um grande número remates efetuados das mais variadas posições e ângulos no campo, e considerando quais desses remates resultaram em golo, os golos esperados têm como objetivo prever os golos que uma equipa/jogador marcarão a partir desses mesmos remates. Assim sendo, os golos esperados mostram-nos o quão boa foi uma oportunidade de remate, tendo em conta a probabilidade que remates em posições semelhantes tiveram de terminar em golo.
Na prática, o que isto tudo significa quando olhamos para o valor de 0.5 de um golo esperado (xG) para um determinado remate, por exemplo? Diz-nos que a cada 10 daquele ‘tipo’ de remates são esperados 5 golos. Um penálti por exemplo, tem um xG de 0.76, o que significa que em 10 penáltis espera-se que 7.6 dos mesmos terminem em golo.
Assim sendo, e como se pode mais uma ver na tabela, tendo em conta as posições dos 37 remates efetuados por Gündoğan esta temporada, era esperado que este marcasse 1.6 golos a cada 10 remates. O que por si só nos diz de imediato que as posições das quais Gündoğan está a rematar esta temporada são quase duas vezes mais benéficas para a finalização do que nas épocas anteriores, onde era esperado que este efetuasse 0.8 golos a cada 10 remates efetuados.
Este valor estatístico diz-nos que Gündoğan está a rematar de posições mais favoráveis, mas não nos diz a verdadeira qualidade do médio alemão, sobretudo quando percebemos que o médio está, na realidade, a fazer 2.9 golos a cada 10 remate efetuado esta temporada, ao contrario dos 1.6 golos/10 remates esperados. Graças aos números estatísticos conseguimos perceber que Gündoğan é quase duas vezes mais eficaz que o jogador médio resultante da análise de dados.
Como termo de comparação, olhemos para os números de Mohamed Salah. O egípcio tem de momento um xG de 0.13 e uma percentagem de conversão de remate de 23%. Ou seja, os golos esperados na realidade pelas finalizações de Salah, exclusivamente, são de 0.23. Ao olharmos para essa diferença, entre os golos esperados e os golos realizados, apercebemo-nos que Mo Salah tem um saldo positivo de +0.1, ou 10% se quisermos, enquanto que Gündoğan apresenta um saldo positivo de +0.14, ou seja 14% mais eficaz do que o esperado. O contra-argumento dir-nos-á que Salah tem uma amostra de 73 remates, praticamente o dobro de Gündoğan, daí a sua percentagem poder ser afetada. Contudo, há que ter em conta que o alemão não é um avançado puro e a medição de golos esperados é um dado extremamente imparcial. De qualquer das formas, um feito incrível para um médio que passou toda a sua carreira em posições mais recuadas no terreno.
Esta é a razão pela qual Gündoğan é neste momento um avançado de classe mundial e também uma das razões pela qual o Manchester City foi capaz de enveredar por uma louca e de rompante série de vitórias que culminarão, com quase toda a certeza, no título de campeão da Premier League.
Esta semana na Premier League
Como não poderia deixar de ser o destaque vai inteirinho para o dérbi de Manchester, entre City e United, um dos duelos mais entusiasmantes de Inglaterra. Contudo, um Chelsea v Everton não pode passar despercebido, uma vez que a luta entre o quarto classificado, o West Ham, e o sétimo, Everton, é de apenas apenas dois pontos. Como aliciante extra: os pupilos de Ancelotti têm um jogo a menos que Hammers e Blues.
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