O troféu foi ganho por 26-08 frente ao Olímpico Pozuelo de Espanha, numa exibição completamente desequilibrada para o lado das leoas.
A formação, treinada por Nuno Mourão e Pedro Leal, foi “forçada” a passar do jogo de Sevens para uma equipa de XV, algo que raramente acontece no rugby português feminino.
Nos últimos 15 anos, o rugby feminino tem sofrido constantes alterações e mudanças, com o fim do rugby de 13 e a passagem para os Tens, sendo que os Sevens foram convertidos no “diamante” competitivo feminino.
Esta foi uma das primeiras más decisões federativas (alinhada com alguns emblemas nacionais), num rol de erros e limitações impostas que têm condenado o crescimento do rugby feminino em Portugal.
A imposição constante da variante de sete levantou limitações para atletas mais pesadas, menos rápidas ou ágeis, tornando-as, desde logo, inviabilizadas, na sua maioria, de jogar rugby. Sobraram algumas resistentes, que foram apostas constantes dos seus treinadores tanto por mérito como por necessidade (vários clubes enfrentam dificuldades para garantir números mínimos de atletas), mas percebia-se que não eram atletas para os Sevens.
A demografia do rugby feminino português caiu com grande estrondo e, apesar de existirem vários emblemas a actuar nos Campeonatos Nacionais de Sevens e Tens, a maioria sente graves dificuldades em apresentar números consistentes de atletas torneio após torneio.
A decisão de apostar no jogo de sete para sete foi baseada em alguns factores: apuramento para os Jogos Olímpicos 2016 e Jogos da Juventude 2018, suscitar o aparecimento de novos clubes ou abertura da secção feminina em vários emblemas e possibilitar desenvolver ainda mais a Selecção Nacional de Sevens, a única em funcionamento no género feminino.
Portugal esteve perto de chegar ao Jogos Olímpicos em 2016, com a ida até à fase de Repescagem, sem conseguisse sair da Irlanda com o apuramento na mão. A nível do Circuito de Sevens Europeu o crescimento sustentado caiu a pique e Portugal desceu mesmo de divisão em 2018, sem grandes surpresas naquilo que será um tropeção preocupante. A nível interno, o rugby feminino ressentiu-se como já tínhamos feito menção, apesar do sucesso de um ou outro caso.
É impossível ter conhecimento dos números totais de atletas femininas em Portugal, mas é bem possível de observar que existem atualmente menos jogadoras nos relvados, até pela “extinção” da maioria dos pilares e segundas linhas, para além do facto de que os Sevens limitam o número de convocados por jogo/torneio.
O foco esteve sempre no “fim” e não no “meio”, ou seja, tanto a Federação Portuguesa de Rugby (alinhada com alguns quantos clubes) como o Sporting CP tiveram olhos para as conquistas ou patamares superiores, sem ter cuidado com os processos que ficaram para trás esquecidos.
O desenvolvimento da selecção de sub-18 feminina tem permitido cativar as jovens atletas que surgem no rugby feminino português, uma vez que não há escalões entre os sub-14 e séniores.
Isto significa que, a partir dos 14 anos, todos as atletas juntam-se no mesmo escalão, forçando um desenvolvimento mais acelerado das mais jovens por um lado, sendo que do outro existe o fantasma das desistências por não estarem fisicamente ao mesmo nível que as mais velhas.
Este problema é atenuado pela existência da Selecção Nacional de sub-18 feminina (treinada por João Pedro Catulo, antigo jogador) que aproveita a boa forma e desenvolvimento em crescendo dessas atletas para atingir melhores resultados em torneios internacionais. Contudo, os problemas dos processos continuam lá e a falta de ideias ou estrutura para desenvolver com outra veemência o rugby feminino em Portugal são um dos principais dilemas no futuro próximo.
Uma das maiores questões vai para o investimento e a falta do mesmo na maioria dos casos. Todavia, o caso do Sporting Clube de Portugal vai contra a corrente do desinvestimento e ausência de apoio no rugby feminino.
O emblema de Alvalade investiu na vinda de Kate Matau e Harono Iringa, duas internacionais neozelandesas, sem que fossem divulgados os valores em relação do investimento realizado. Matau fez parte das Black Ferns que levantaram o título de Campeãs do Mundo em 2017, e só este facto cria um “boom” de atenção formidável para a modalidade em Portugal.
Todavia, será proveitoso recrutar duas atletas de alta qualidade para uma realidade competitiva medíocre? Em Portugal, jogam-se apenas duas variantes, como já aludimos, e não se extende durante dez ou nove meses de forma constante, forçando uma intensidade mínima sem que se retirem ganhos positivos para as atletas e treinadores envolvidos.
Para além da vinda das kiwis, destaque também para o “empréstimo” de Daniela Correia (melhor atleta nos prémios da Federação Portuguesa de Rugby 2018) e a chegada de atletas brasileiras que ajudaram o clube atingir uma honra nunca antes conquistada.
Mas a pergunta mantém-se: até que ponto esta vinda terá sido positiva para o rugby português? Terá este investimento retorno na captação e/ou fomentação de mais atletas? E a criação de um super-Sporting, não criará uma maior divisão entre os clubes que participam nas competições femininas?
Em termos de marketing e publicidade, o jogo entre as campeãs de Portugal e Espanha foi um sucesso. Durante os cinco dias antes do encontro, foram vários os meios de comunicação social envolvidos nos trabalhos do Sporting Clube de Portugal, dando atenção como nunca à variante feminina.
No dia de jogo, a Sporting TV esteve presente com a transmissão em directo, para além de todos os grandes jornais desportivos e generalistas terem marcado presença. Houve “barulho” em redor da Taça Ibérica e esse factor é fundamental para a captação de novos investidores, garantindo um apoio ainda maior ao clube.
Porém, será que essa vontade de investir e patrocinar vai para além do emblema de Alvalade? O retorno esperado pelos possíveis novos patrocinadores tem de ir para lá da “compra de direitos de imagem”, indo para a secção de “apoio a um projecto com futuro”, colando totalmente essa imagem de salvadores de um clube ou, mesmo, da modalidade de forma apaixonada.
A vitória do Sporting CP traz esse foco de atenção, dá garantias aos sponsors de terem feito uma boa aposta num clube que respeita o patrocínio, levando o plantel para outro patamar. E a vinda das duas neozelandesas é um truque publicitário decisivo, trazendo uma sonoridade ainda maior aos feitos do Sporting CP, veiculado por alguns órgãos de comunicação social internacional.
Mas, será que o rugby português de facto ganha alguma coisa de palpável com a vitória do Sporting Clube de Portugal? Ou será que os ganhos terminaram logo após o apito final?
Sem um fio condutor em termos de projecto, o rugby português ganha muito pouco com este grande investimento dos “leões”, isolando quase por completo os ganhos nas novas campeãs ibéricas. Pelo meio, o Sporting CP reforçou-se de uma forma extraordinária, garantindo um poderio total, decisivo nas competições nacionais.
Por isso, escasseiam-se os projectos locais, regionais e nacionais em redor do rugby feminino, com a falta de ideias para activar a marca neste sector e, para além do Sporting CP, conta-se o RC Santarém com um apoio sustentado por parte de Tim Vieira, um dos mais recentes entusiastas pela modalidade em Portugal.
Portugal sempre enfrentou graves problemas no fomento de boas equipas femininas nas maiores modalidades colectivas mundiais, sendo que só nos últimos 20/30 anos tem sido feito um investimento estatal claro e com vontade nesse sentido.
No caso do rugby, o facto da modalidade ter enfrentado sérias dificuldades económicas e financeiras, retirou a possibilidade de realizar um maior investimento em campanhas dedicadas exclusivamente à fomentação do rugby feminino. Mas, a insistência na variante de sete não será nociva para a vontade de aumentar o número de atletas?
Enquanto que o rugby de XV feminino vai ganhando uma dimensão espectacular, em Portugal essa realidade é inexistente. Nesse ponto, a vitória das “leoas” na Taça Ibérica tem de ser aplaudida, uma vez que só por uma vez em dois anos jogaram rugby de quinze, demonstrando que é possível jogar a variante principal da modalidade em território nacional.
Um projecto interessante de analisar seria a criação de um supra-campeonato português, com a formação de super-clubes de XV, unindo-se equipas por regiões ou até por concurso geral. Seria assim possível constituir, pelo menos, cinco super-equipas seguindo-se um campeonato a duas voltas que significaria oito jogos para cada um dos emblemas.
A exemplo disso, foi a mais recente união do CR São Miguel ao CR Évora, com os dois clubes a perceberem da necessidade em se unir nos femininos de modo a garantir os números mínimos e uma competitividade boa nos campeonatos de Sevens e Tens.
Será impossível formular um campeonato de XV que se realize durante três meses e beneficie a longo prazo as selecções nacionais?
Os esforços feitos pelos selecionadores nacionais de rugby feminino nos últimos anos não apagam a falta de investimento e visão por parte da Federação Portuguesa de Rugby, que nos últimos 10 anos pouco fez para além da alteração de modelos competitivos, formatando a modalidade para uma direção que, talvez, não esteja correta. Até que ponto a excessiva atenção dada ao escalão de Sevens (não se pede o fim da aposta, atenção) pode estar a limitar o crescimento do rugby feminino português?
Será que uma vitória Ibérica realmente representa um passo fulcral para o rugby português ou é apenas um marco que precisava de outro acompanhamento geral para ser mais importante?
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