Há um Benfica com Jonas e há um Benfica sem Jonas. Há um FC Porto com Marega e há um FC Porto sem Marega. Foram estes os dois pontos de partida para o Clássico deste final de tarde disputado no Estádio da Luz, quando se soube que o brasileiro não ia pisar o relvado - nem se ia sentar no banco - e que o maliano iria regressar ao onze dos dragões.
Se é bem verdade que desde que começou a vestir a camisola encarnada, Jonas nunca foi prolífico em decidir grandes jogos, por outro lado é sabido que, quer marque, quer não (e esta época tem sido raro não marcar), a ausência do avançado canarinho faz do ataque dos encarnados uma ofensiva desorganizada nos momentos de transição. O ataque fica como que uma orquestra sem maestro, em que os instrumentos se sobrepõem uns aos outros numa velocidade descontrolada. Em alguns momentos soará bem, claro. Em alguns momentos o ataque estará perto da partitura de Rui Vitória, não treinassem eles juntos durante toda a semana. Mas quando ouvimos o concerto completo não é a mesma coisa.
Elevada por um estádio vestido de gala em que o apoio das bancadas não se silenciou por um segundo, a primeira parte da equipa encarnada bateu com a partitura. Depois de 19 minutos em que ninguém quis meter toda a carne no assador, Rafa, aos 20 minutos de jogo, atirou uma bola ao poste, num cruzamento-remate que deixou Casillas encostado ao ferro. E antes que a banda encarnada pudesse sequer desafinar, dois minutos depois Zivkovic lançou para Grimaldo na ala esquerda e o espanhol, num lance entre canhotos, assistiu Cervi que vinha em velocidade e que rematou para defesa de Casillas.
Mas se este era um Benfica sem Jonas, este era um FC Porto com Marega. E os dragões com o maliano são diferentes, capacitados a regressar ao estilo de jogo largo na frente, com a bola pelo ar e a apostar no físico e na velocidade do avançado azul-e-branco, que lhes valeu a liderança durante praticamente todo o campeonato. Posto isto, eis que aos 25 minutos, Marega, assistido por Soares, num trabalho individual, remata ao lado, muito perto da baliza de Bruno Varela.
Depois de cinco minutos frenéticos, o jogo começava a partir-se, a favor de um Benfica mais perigoso, mas desorganizado no momento de finalizar, e com um Porto à espreita de explorar o melhor que o regresso do maliano poderia trazer, ladeado por uma exibição de um Ricardo Pereira que, atrevido no ataque, começava a piscar o olho a Fernando Santos e a um possível lugar entre os convocados para o Mundial.
O momento em que a orquestra encarnada esteve mais perto da sinfonia do pentacamepoanto foi aos 44 minutos: Cervi cruza da esquerda, Raúl dá um toque para Pizzi e deixa o internacional português na cara do golo. Contudo, no frente-a-frente com Casillas, o guardião espanhol levou a melhor com uma enorme defesa.
Mas este não era um jogo qualquer. Era "o jogo". E n'"o jogo", ninguém quer ficar sem resposta, pelo que, ainda antes do intervalo, Ricardo Pereira cruza atrasado no lado direito do ataque portista e encontrou Marega que, na passada, volta a atirar ao lado da baliza encarnada.
Chegava ao fim a primeira metade do jogo em que se podia dizer que o Benfica tinha sido ligeiramente melhor, nem que fosse pelo facto de Bruno Varela não ter sido obrigado a fazer uma única intervenção.
Neste jogo, Benfica e Porto pisaram o relvado a depender apenas de si mesmos e sabendo que apenas um deles poderia sair com a mesma condição. Para isso, os encarnados tinham de conseguir aquilo que não faziam há quatro anos para o campeonato (vencer o FC Porto) e os dragões aquilo que não conseguiam há duas jornadas fora de casa, vencer.
Foi com uma orquestra desafinada e uma equipa a querer inverter o infortúnio a que foi submetido nas últimas jornadas na condição de visitante, que a segunda parte começou. E começou, aliás, como a primeira tinha terminado: com o FC Porto no ataque. Logo aos 48 minutos, Marega, claro, na área do Benfica, obrigou Bruno Varela a sair-lhe aos pés e a fazer a sua primeira defesa da noite.
O Benfica só apareceria na segunda parte, a tocar a partitura, quando Jardel, na sequência de um canto, ganhou a frente ao adversário e finalizou com perigo, de pé direito, a pouca distância do poste.
Mas os astros tinham mudado e o ascendente nesta metade parecia destinado ao FC Porto que quase o ia materializando num belo golo do argelino Brahimi, com um remate em arco a rasar o poste aos 66 minutos.
O que Brahimi não fez, viria Héctor Herrera a fazer com uma finalização de nota artística igualmente elevada, num golo histórico: pela primeira vez no registo de encontros entre Benfica e Porto, os dragões marcavam aos 90 minutos em casa do adversário.
O mexicano, que já em 2016 tinha aberto o caminho para a vitória dos dragões na Luz, aproveitou um mau alívio de Grimaldo para, ao seu bom estilo, à entrada da área, colocar a bola no fundo das redes, ao canto superior direito, sem hipóteses para Bruno Varela.
O placar marcava 89 minutos e era como se se tivesse ouvido o apito final de Artur Soares Dias no estádio. A bomba do mexicano tinha acabado com um jogo que, depois do tento, mal se jogou.
Num ataque em busca da igualdade, o Benfica ainda obrigou o árbitro a recorrer ao VAR num lance sobre Zivkovic na área do Porto. Mas Soares Dias seguiu, sem ver motivo para grande penalidade.
Num jogo de incertezas, nervoso, em que o resultado do placar poderia ter sido decidido por uma questão de pontaria, o golo de Herrera levou tudo para o fundo da baliza de Bruno Varela - das incertezas, aos recentes infortúnios portistas - e levou o Porto de volta para o lugar onde passou praticamente toda a temporada, o topo da tabela classificativa.
Num domingo em que se ficaram a conhecer os campeões das ligas holandesa, francesa e inglesa, o campeonato português continua aberto e impróprio para cardíacos.
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