Ao contrário de outras modalidades dentro da esfera encarnada, o Futsal tem sido o “parente pobre” nos últimos anos. Se, por um lado, o grande rival se reforçou com jogadores de classe mundial, almejando a conquista da UEFA Futsal Cup, o Benfica entrou numa apatia que lhe permite ser "apenas" o segundo melhor em Portugal o que, obviamente, não agrada nem satisfaz os adeptos vorazes encarnados e as vozes das bancadas, sempre famintas de títulos.
Os dois títulos da época passada (Taça de Portugal e Supertaça) não escondem nem compensam o falhanço da derrota perante o AAUM/Braga nas meias-finais do Campeonato, nem o gorar da qualificação para a UEFA Futsal Cup. Uma época desastrosa que terá de servir de lição para a estrutura encarnada.
Contudo, de acordo com as movimentações dentro da estrutura e, inclusivamente, dos reforços, a lição parece ter sido aprendida. Joel Rocha parece nunca ter sido verdadeiramente o líder do balneário (quem não se lembra do episódio da agressão com Formiga do Unidos Pinheirense?) e isso talvez possa ser explicado com algumas movimentações dentro do balneário por parte de jogadores com muitos anos de casa. O terceiro lugar da época passada fez perceber que certos jogadores estariam ultrapassados — seriam já um "empecilho" — apesar da sua elevada remuneração e preponderância dentro do balneário.
Assim, a estrutura encarnada começou por “varrer” o balneário, tendo deixado sair Bebé (agora no Leões de Porto Salvo) e tendo “promovido” Gonçalo Alves a um papel de dirigente. Por outro lado, saíram também Ré (igualmente para o Leões de Porto Salvo) após épocas de constantes altos e baixos; Fernando Wilhelm, que pareceu nunca se ter adaptado verdadeiramente ao Futsal encarnado, apesar de ter sido considerado o melhor jogador do último Campeonato do Mundo; Alessandro Patias, um jogador cujo rendimento caiu a pique desde a sua 1.ª Época em Portugal e que demonstrava já não ser o Pivot que Joel Rocha necessitaria; e Cristián e Franklin, dois tremendos erros de casting. Elisandro foi também um dos elementos que abandonaram a Luz, não por falta de qualidade, fim de ciclo ou necessidade de mudança, mas sim por uma qualidade absolutamente ímpar que lhe valeu a transferência para o Campeão Europeu e Espanhol, o InterMovistar.
Paralelamente, o SL Benfica reforçou-se com muita qualidade, tendo assegurado Diego Roncaglio para a baliza, colmatando uma lacuna deixada por Juanjo; André Coelho e Tiago Brito, os dois motores e virtuosos do AAUM/Braga de Paulo Tavares; Robinho, ala de 34 anos com um poderosíssimo 1x1; Deives, ex-Pivot do Carlos Barbosa; e Raúl Campos, uma das figuras do ElPozoMurcía.
Estas profundas mudanças no plantel encarnado deixam antever duas alterações importantes: a liderança de balneário, agora recaindo mais sobre jogadores como Bruno Coelho e Chaguinha, sendo que Joel Rocha também parece sair reforçado; na forma de jogar, onde o 3x1 com Pivot deixa de o sistema preponderante, passando o ênfase para o 4x0 dinâmico.
E será esta segunda alteração que poderá ser a chave de um renascer do Benfica. Ao longo das últimas épocas encarnadas, as águias pareceram sempre muito presas a um modelo herdado dos tempos da vitória na UEFA Futsal Cup, o 3x1 com Pivot. A quadra encarnada sempre foi brindada com enormes intérpretes no jogo de Pivot, de César Paulo a Elisandro, não sendo por isso de estranhar a preferência por este modelo. Contudo, com o evoluir da dinâmica futsalística, este sistema começa a parecer algo arcaico, "parado no tempo". Demasiado dependente de individualidades, o 3x1 com Pivot dependerá sempre da qualidade do intérprete. Esta preferência contrasta com o modelo do rival, muito mais dinâmico, muito mais criativo, que depende das movimentações do coletivo e não das suas valências individuais (apesar de existirem).
Contudo, Joel Rocha pareceu sempre um técnico muito "mandão", pouco inclinado a abdicar das suas ordens para entregar o controlo do jogo aos seus jogadores. O técnico encarnado, vendo-se sem Pivots como Elisandro (Deives e Raúl Campos são Pivots que derivam imenso para a posição de ala, sendo quase “Falsos-Pivots”), terá de perder a obsessão pelo controlo e deixar os intérpretes assumir o seu devido papel. Jogadores como Robinho, Henmi e até Chaguinha precisam dessa liberdade para arriscar e errar, sendo que, dada a sua qualidade, serão sempre mais vezes bem-sucedidos do que mal.
Espera-se, então, uma mudança para um sistema que se aproxime do 4x0 dinâmico, um sistema já usado por Joel Rocha, especialmente na sua 2.ª época ao leme do clube encarnado, que usa e abusa da movimentação dos seus jogadores e do seu entrosamento. As contratações de Tiago Brito e André Coelho, habituados a jogar neste sistema no Braga, permitirão ao Benfica criar um modelo de jogo mais atual, mais próximo da mobilidade e dinamismo que o jogo do Futsal requer, mais do que nunca. A entrada de Roncaglio, exímio no jogo de pés, permitirá construir este modelo de jogo desde trás, escusando-se dos lançamentos longos com as mãos e as “tremideiras” nos atrasos de bola.
Não obstante estas mudanças profundas, o SL Benfica parte atrás na corrida pelo título. Nuno Dias, técnico do Sporting CP, foi capaz de criar uma identidade e forma de jogar única em Portugal, aliando a qualidade individual absurda ao seu dispor a um modelo de jogo completo, com propostas para todos os momentos.
Joel Rocha terá de demonstrar aquilo que vem clamando há vários anos: a qualidade do Benfica, que precisa de ser mais do que uma equipa feita para ganhar ao rival, precisa de se transcender e reencontrar.
Bracarense de nascença, Benfiquista de paixão, Portuense por escolha. Pedro Afonso é o editor do Fair Play para o futsal. Mais do que viver desalmadamente uma camisola, procuro encontrar a ciência, o determinismo, dos desportos em que a bola beija a rede após um pontapé. Licenciado em Ciências Biomédicas, a escrita desportiva surge como meio de me aproximar de uma paixão, sempre com a racionalidade que a seriedade do assunto nos exige.
O Fair Play é um projecto digital que se dedica à análise, opinião e acompanhamento de diversas ligas de futebol e de várias modalidades desportivas. Fundado em 1 de Agosto de 2016, o Fair Play é mais que um web site desportivo. É um espaço colaborativo, promotor da discussão em torno da actualidade desportiva.
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