“Neste momento, estou um bocadinho emocionada ainda. Acho que hoje, aqui, fizemos algo que nunca imaginámos fazer na vida, na ginástica portuguesa. Acho que nos superámos a todos os níveis e estou superorgulhosa do nosso trabalho”, salientou, com a voz embargada.
Filipa Martins era o rosto da felicidade quando passou na zona mista da Arena Bercy, palco da ginástica artística dos Jogos Olímpicos Paris2024.
“Estava quase a chorar ali, mas tentei conter-me até porque estava difícil de respirar na altura. Mas estou muito orgulhosa daquilo que fizemos aqui hoje. Acho que podemos sonhar, se calhar, com a final, temos de esperar até ao final do dia. Claro que havia coisas que podíamos ter feito um bocadinho melhor, nós atletas queremos sempre mais também, mas estamos muito satisfeitos com a competição de hoje, muito mesmo”, resumiu.
A portuguesa de 28 anos foi a primeira ginasta — integrada na subdivisão três da qualificação – a entrar na Arena Bercy, sendo entusiasticamente aplaudida pelos espetadores.
Vestida de um verde reluzente, a histórica ginasta portuguesa iniciou a qualificação no cavalo, com um salto que a deixou de sorriso rasgado e que valeu uma pontuação de 14.133 e um grito de “Bora Filipa” vindo das bancadas.
“Aquele salto, eu se calhar estou a treiná-lo desde 2014 ou 2015, só que é um salto tão arriscado que temos sempre medo de o meter em competição, por isso, aos meus 28 anos, pu-lo em competição… Não tenho palavras. Acho que tanto eu como o meu treinador [José Ferreirinha] estávamos um bocadinho com medo, porque é um salto bastante difícil e bastante arriscado”, assumiu.
Designado ‘Yurchenko com dupla pirueta’, o salto que fez sorrir a ginasta do Acro Clube da Maia consiste “numa rondada com ‘flic’ por cima da mesa e um mortal com duas piruetas”.
“Termos conseguido superar esse primeiro aparelho e esse passo tão difícil foi muito bom, muito positivo e acho que nos acabou por dar um bocadinho de força para o resto também”, confessou, depois da conclusão da sua subdivisão de qualificação.
Sempre de pé, Martins foi assistindo às prestações das suas ‘rivais’ no cavalo, aparelho em que foi superior à panamenha Hillary Heron e à colombiana Luísa Blanco, mas não à norte-coreana An Chang-ok (14.183).
Nas paralelas assimétricas, a sua especialidade, perdeu tempo a limpar minuciosamente as barras, antes de executar um exercício ‘limpo’ e confiante, avaliado em 13.800, a melhor nota entre as quatro.
“Foi a melhor nota que eu tive este ano, mas eu senti que podia ter feito um bocadinho melhor. […]. Acho que já fiz provas um bocadinho melhores e tive nota mais baixa, por isso saímos satisfeitos com a nota”, analisou.
Antes da trave, foi treinando o equilíbrio e a rotina, às vezes de costas para o aparelho, sem parar um minuto no mesmo sítio, num contraste com as outras ginastas do seu grupo, sentadas tranquilamente a assistir às performances das restantes.
No compasso de espera para entrar em ação — o solo das ginastas japonesas mesmo ao lado a isso ‘obrigou’ -, esfregou as mãos vezes sem conta, deu pequenos saltos, inspirou fundo, numa antecipação de um exercício em que um pequeno desequilíbrio se traduziu numa pontuação de 12.600.
“A trave foi um bocadinho um déjà vu do Rio de Janeiro, porque também fui a última a competir e também fiquei imenso tempo à espera. Trave é sempre trave, podia ter feito ali mais algumas ligações, mas o importante era não cair”, defendeu.
Com uma música epopeica, cumpriu o seu solo, avaliado em 12.633, visivelmente contente, fundindo-se num abraço com o seu treinador José Ferreirinha.
Depois de um histórico 17.º lugar nas paralelas assimétricas em Tóquio2020, a ginasta portuguesa espera agora que a sua terceira participação olímpica lhe valha uma presença na final — a qualificação ainda decorre.
“Agora, é aproveitar com a família que está cá, a quantidade de portugueses que eu vi na bancada, que parecia que eu estava em casa, foi muito, muito, muito bom. É desfrutar, ver as outras competições também, e o que vier vai ser ótimo, porque para mim estou supersatisfeita com a prova que fiz hoje, sem palavras, e para mim foi tipo o auge”, descreveu.
Filipa Martins acredita que o seu histórico salto poderá também abrir horizontes em Portugal, mostrando que é possível “não fazer só o que estamos habituados”.
“É preciso treinar muito mais, é preciso muito mais apoio e nós não temos, por isso são processos que demoram e aos pouquinhos acho que Portugal está a crescer muito na nossa modalidade e continua a não ter muitos apoios ainda. Por isso, é histórico não só pelo que fizemos aqui, mas por todo o não apoio, entre aspas, que tivemos, e conseguimos fazer isto”, concluiu.
AMG // JP
Lusa/Fim
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