O verão dos Cleveland Cavaliers não estava a ser nada famoso. Pouca ou nenhuma flexibilidade para melhorar o plantel sem sair algum dos 7/8 melhores jogadores que fazem parte da rotação, já que estão hard capped — tal significa que estão acima do limite salarial que os proíbe de contratar jogadores que aufiram mais do que o salário mínimo. Existe ainda a mid-level exception que as equipas que estão em situação de pagar luxury tax, o imposto que os franchises pagam por ultrapassarem 119,2 milhões de dólares da folha salarial, que os possibilita contratar um jogador de forma excepcional sem que seja pelo salário mínimo. Neste caso, o valor ronda os 2,6 milhões de dólares por ano.
Até à bomba que Kyrie Irving detonou na sexta-feira passada, que certamente já teria acontecido no seio da equipa, já tinha havido um episódio bastante caricato que mostrou quão frágil está a organização liderada por Dan Gilbert. Como foi noticiado na altura, o General Manager David Griffin terá sido desvinculado quando até estaria em negociações para a aquisição via troca de Jimmy Butler, dos Chicago Bulls. Os Cavs estiveram sem homem do leme nas semanas mais importantes da offseason — período que se inicia a 1 de Julho com a abertura do mercado de jogadores livres.
Lebron James mostrou-se logo descontente e perturbado com a situação e agora ficámos a perceber que não foi o único. Kyrie Irving reuniu-se com o seu agente e com o dono dos Cavaliers, Dan Gilbert, e pediu para ser trocado. De acordo com a reportagem de Brian Windhorst, da ESPN, Irving deseja ser a primeira opção de uma equipa e não quer continuar a jogar com Lebron James — algo que terá deixado 'King James' devastado.
Muito rapidamente, antes de irmos analisar possíveis trocas, lendo nas entrelinhas, o que parece é que Kyrie Irving não quer continuar em Cleveland. A Final deste ano mostrou que estão a anos-luz de Golden State, têm poucas possibilidades de melhorarem, o banco está velho e não conseguem defender a um nível tão elevado como o aquele que é necessário para parar a melhor equipa da história. A saída de David Griffin numa altura tão capital, no meio de negociações com um jogador do calibre de Jimmy Butler, em vésperas de começar a free agency, certamente que colocou Kyrie ainda mais em alerta — e nem mencionei os rumores de que Lebron James poderá entrar na sua última temporada como Cavalier.
Irving está a ver a situação na sua atual equipa a deteriorar-se, com alguma falta de rumo vinda da direção, com o segundo melhor jogador de todos os tempos prestes a abandonar o barco e um pensamento que poderá ter passado pela sua cabeça é que quanto mais cedo sair, melhor será para todos, principalmente para si e para o que ainda pretende da sua carreira na NBA.
Não nos podemos esquecer que Kyrie Irving tem 25 anos, já tem um anel de campeão e vem de 3 Finais consecutivas. Está nos primeiros anos do seu prime, o seu valor de troca nunca será mais alto daquele que é agora; isto é, toda esta situação vai permitir-lhe arranjar mais facilmente um bom negócio e, acima de tudo, não vai precisar de hipotecar 1 ou 2 anos numa equipa onde não quer jogar.
Se o base dos Cavaliers pretende ser um franchise player, i.e uma primeira opção, à qual se constrói um plantel à sua volta, certamente que não deseja que tal aconteça em Cleveland, Ohio. Se os rumores de que Lebron vai mesmo sair no próximo verão se tornarem realidade, Irving automaticamente se tornaria a face da equipa. Contudo, ele quer ter esse poder bem longe dali, e faz sentido que assim seja, já que, incluindo o próprio James, 3 dos 6 maiores contratos na folha salarial de Cleveland são jogadores que pertencem à agência de Lebron, a Klutch Sports. Kyrie Irving não tem qualquer poder nos Cavaliers, mas ganha-o forçando a sua saída.
Faltam 2 anos até se tornar um jogador livre pela primeira vez na sua carreira. Porque isto de escolher a equipa onde querem jogar e a cidade onde pretendem viver é uma liberdade que só aparece ao terceiro contrato das suas carreiras; primeiro são escolhidos num draft por um franchise e no final do vínculo de rookie, quem os escolheu tem direito preferencial por si. Logo, só ao oitavo ou nono ano de carreira na NBA é que geralmente ganham essa capacidade contratual. Como referi um pouco acima no texto, o valor de troca de Kyrie Irving nunca mais será tão elevado como é agora, porque a equipa que arriscar dar uma série de ativos pelo base dos Cavs, quererá algumas garantias de poder assinar um novo contrato com ele, ou, pelo menos, aproveitar ao máximo 2 dos seus melhores anos de carreira para o convencer a ficar.
Não vou discutir quem terá tornado a vontade do jogador pública porque há dois lados completamente opostos a serem noticiados. Ou partiu de Irving e do seu agente para mostrar que quer sair e acelerar o processo, ou do lado de Lebron James para deixar o seu colega de equipa mal na fotografia. Segundo Adrian Wojnarowski, da ESPN, Kyrie já tinha pedido para ser trocado logo após as Finais em Junho, só que os Cavs não puderam aceder a tal porque o seu General Manager estava de malas feitas no olho da rua. Portanto, já não existe a possibilidade de o trocarem por picks do draft que passou, mas ainda podemos imaginar alguns cenários bem interessantes. E, de acordo com as intenções do jogador ou da equipa... vamos a isso!
Ei-los, os alvos
Os 4 alvos do base de 25 anos, de acordo com a primeira notícia que saiu na ESPN, são San Antonio, Miami, Minnesota e Nova Iorque. Irving não tem qualquer poder decisório nas negociações, mas pode influenciar estas 4 equipas a oferecer mais por ele — tendo mais garantias de que permaneça no próximo vínculo que realizar. No entanto, os Spurs seriam a sua grande prioridade. Sabendo à priori que não seria o melhor jogador nesse plantel (lá mora um tal de Kawhi Leonard...), há que contar de novo com uma gestão de egos. Esta separação que Kyrie quer de Lebron parece muito devido ao facto dos seus egos não caberem numa mesma sala, no mesmo court e não haver ninguém capaz de geri-los ou controlá-los.
Mas não é só. Trocar os Cavs pelos Spurs significa passar de uma organização que está prestes a implodir para uma das duas organizações de excelência da NBA — sendo os Golden State Warriors a outra.
A reportagem deste domingo, dia 23, que saiu na ESPN, co-escrita por Brian Windhorst, Ramona Shelbourne, Dave Mcmenamin e que juntou contou com as colaborações de Zach Lowe e Chris Haynes, sugere que o ex-General Manager David Griffin até conseguiu controlar as aspirações de Kyrie Irving querer ser o co-líder da equipa com relativo sucesso, não se sabendo ainda o timing exato em que o base dos Cavs pediu para ser trocado a primeira vez. Porém, é sabido que nos Spurs há uma gestão de recursos humanos, uma divisão de responsabilidades e uma união quase robótica em torno do objectivo de ganhar, algo vai de encontro àquilo que Irving deseja.
O trabalho, a confiança e a vontade de vencer são características intrínsecas do seu carácter. Não obstante, isto em nada veio travar aquele que parece ter sido o obstáculo inultrapassável na sua estadia em Cleveland: a diferença de tratamento relativamente a Lebron James. Em San Antonio, nunca pareceu haver tais distinções entre Tim Duncan, Tony Parker e Manu Ginobili; nem recentemente com Kawhi Leonard e LaMarcus Aldridge. Há franchises que parecem que trabalham sob uma magia que modifica logo o comportamento das grandes estrelas. Outro exemplo: as 4 estrelas dos Warriors, Steph Curry, Kevin Durant, Draymond Green e Klay Thompson, têm um valor para a equipa diferente dentro do court, mas são tratados de igual maneira pela organização.
De San António viajamos até Miami. Caso a equipa do General Manager Pet Riley se viabilize como um dos possíveis destinos de Kyrie, quase de certeza que Dion Waiters teria que ir em sentido contrário ou ser colocado numa terceira equipa, já que eles nunca se deram bem quando jogaram juntos em Cleveland. Só que isto parece pouco provável, visto que Waiters assinou agora um contrato de 52 milhões de dólares por 4 anos; ou seja, isto é algo que também pode complicar a situação visto que um jogador livre depois de assinar um contrato novo não pode ser trocado para outra equipa nos primeiros 3 meses após a assinatura do vínculo, ou antes do dia 15 de Dezembro, como seria o caso aqui, por ser o que acontece mais tarde.
Pondo isto, analisemos a ida até Minnesota. Verificando-se este cenário, tal implicaria, pelo menos em teoria, o regresso de Andrew Wiggins à equipa que o escolheu em primeiro lugar no draft de 2014, considerando que Karl-Anthony Towns e o recém-chegado Jimmy Butler são inegociáveis para Tom Thibodeau. Jeff Teague também seria alguém que estaria de saída, provavelmente para uma terceira equipa (os Cavs acabaram de contratar Derrick Rose), colocando-se a mesma situação que Dion Waiters em Miami: este só pode ser trocado a partir do dia 15 de Dezembro.
Finalmente, os New York Knicks seriam uma espécie de regresso a casa — Irving nasceu em Melbourne, mas cresceu em New Jersey — que pode vir a ser uma oportunidade de ouro para a equipa de Madison Square Garden, pois iria juntar um grande jogador ao talento proeminente de Kristaps Porzingis. Mais: livravam-se de Carmelo Anthony e Lebron James podia ver mais dois amigos juntarem-se à sua equipa. Tendo ainda este plano de fundo, a troca mais falada até ao momento seria uma que envolveria uma terceira equipa, os Phoenix Suns e que seria algo como Kyrie Irving ir para NY, Eric Bledsoe e Carmelo Anthony para Cleveland e Frank Ntilikina e Iman Shumpert para Phoenix. Haveria também uma movimentação de escolhas do draft, com os Cavs a receberem uma de primeira ronda dos Knicks e a darem uma de segunda ronda aos Suns. Eric Bledsoe é agenciado por Rich Paul, melhor amigo de Lebron James, com quem partilha a titularidade da agência Klutch Sports.
Para além dos 4 alvos de Irving, certamente existirão outras equipas com vontade de aproveitarem a oportunidade, já que é raro um jogador desta qualidade estar disponível no mercado de trocas, ainda para mais com 2 anos no seu atual contrato por cumprir, que para o panorama salarial atual é extremamente atrativo. Contudo, é igualmente necessário perceber que tipo de ativos é que os Cavaliers pretendem receber numa troca de Kyrie Irving. Isto torna-se especialmente difícil por causa da cada vez mais provável saída de Lebron James no final da época que se avizinha. Aquela proposta de Eric Bledsoe e de Melo tornar-se-ia um péssimo retorno caso James só fique mais este ano.
O dono dos Cavs, Dan Gilbert, e o recém-promovido a General Manager Kobi Altman devem começar a pensar num futuro pós-Lebron James e têm este trunfo em Kyrie Irving para conseguir um considerável retorno para suplantar a saída do principal símbolo do franchise dentro de 12 meses. É por esta razão que devem olhar para outras equipas com jovens ativos em ascensão na NBA e engodá-los a saltarem uns passos no desenvolvimento ao avançarem com a sua troca pelo talentoso base de 25 anos.
Dentro deste grupo temos Milwaukee, Denver, Phoenix e Philadelphia como as 4 que considero que vão tentar alguma coisa. Um candidato muito perigoso seriam os Boston Celtics. Da maneira como o plantel dos comandados de Brad Stevens está construído com Jae Crowder, Gordon Hayward, Marcus Morris e Al Horford, a dupla Lebron James-Kevin Love terá muito mais dificuldades em dominar uma potencial série de playoffs entre ambas, enquanto que com a saída de Avery Bradley para Detroit, Isaiah Thomas ficaria muito mais exposto perante Kyrie Irving. Se retirarmos Irving de uma série entre Cleveland e Boston, é retirar a arma que mais pode magoar os vencedores da fase regular no Este na época que terminou.
Lebron James parece magoado com toda esta situação e a continuação do seu feito incrível de 7 Finais consecutivas, à procura da oitava, vai ser colocado em cheque. A noite de domingo terminou com mais duas notícias, uma de cada lado do conflito, que mostram como a situação já não foge da separação litigiosa. Enquanto que a facção Irvinguiana garante que terá sido Lebron a fazer chegar a sua intenção de ser trocado à imprensa — algo que faz todo o sentido visto que James costuma ser a principal fonte de Brian Windhorst no que toca a assuntos dos Cavs. Por outro lado, a facção Jamesiana transmitiu que o que quer que aconteça com Kyrie, Lebron não levantará a cláusula do seu contrato que o impede de ser trocado sem o seu consentimento. Está tudo nas mãos de Dan Gilbert, que ficou a saber que nem vale a pena pensar em limpar o castelo. Lebron James vai certamente querer dar uma lição a Kyrie Irving dentro do court. Uma ruptura no franchise que tem dominado finalmente veio tornar a Conferência Este imperdível.
Imaginem o quão escaldante vai ser o regresso de Kyrie a Cleveland com a sua nova equipa no dia de Natal depois de Stephen A. Smith ter tornado público (através de fontes próximas do jogador) que Lebron está capaz de lhe dar uma carga de pancada se o vir à frente!
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Ainda não está provado que faça mal à saúde ver tanta NBA como eu, portanto vou aproveitando antes que a medicina evolua nesse sentido. João Portugal escreve para o Fair Play.
O Fair Play é um projecto digital que se dedica à análise, opinião e acompanhamento de diversas ligas de futebol e de várias modalidades desportivas.
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