Há quedas de que não se recupera, mas o Famalicão não é caso disso. O clube deixou a primeira liga em 1994 mas foi 14 anos depois que bateu no fundo, disputando a Divisão de Honra da Associação de Futebol de Braga em 2008/09 (que é o mesmo que dizer, jogou nas “distritais”). No entanto, costuma-se dizer que às vezes o mais importante não é como acontece, mas como se recupera. Usando um chavão daqueles com “C” grande, o clube minhoto reergueu-se qual fénix e, depois de subir à primeira liga, tem impressionado no seu retorno.
Uma boa parte da responsabilidade desta campanha vitoriosa pode atribuir-se a Miguel Ribeiro, CEO tornado Presidente da SAD do clube. Depois de oito anos no Rio Ave, onde o trabalho do dirigente enquanto diretor geral ajudou a cimentar o clube de Vila do Conde na metade superior da tabela, Miguel Ribeiro voltou à sua terra para fazer do Famalicão um clube vencedor.
Foi tendo em conta o trabalho que tem vindo a desenvolver no Famalicão que o dirigente foi convidado para dar o seu contributo à conferência “Liga Portugal - The Challenge of Internationalization” [“Liga Portugal - O Desafio da Internacionalização”], realizada no último dia do Soccerex Europe 2019 em Oeiras. O painel contou também com Tiago Madureira, diretor de conteúdos e marketing da Liga Portugal, Pedro Martins, treinador do Olympiacos, e Simão Sabrosa, ex-jogador e agora embaixador da Liga.
Ao SAPO24, o líder famalicense falou nos dois pilares em que assenta o projeto do Famalicão, o investimento e a estruturação.
No primeiro caso, Miguel Ribeiro diz que “o clube entendeu transformar a sua SDUQ [Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas] numa SAD [Sociedade Anónima Desportiva] e abri-la ao investimento”, tendo este ocorrido pela via da compra de ações por parte do fundo Quantum Pacific Group. Para o dirigente, a direção do clube merece aplausos porque “em boa hora percebeu que este era o caminho a elevar o Famalicão a um patamar diferente e assim aconteceu”. [Nota de edição: aquando a realização desta entrevista, Miguel Ribeiro era CEO do Famalicão e o Quantum Pacific Group detinha 51% da SAD do clube; entretanto, o fundo de investimento reforçou a sua posição para 85% e Miguel Ribeiro passou a ser Presidente da SAD]
Mas o dirigente defende também que de pouco vale estar a injetar dinheiro num projeto mal gerido, tendo, portanto, procedido a uma profissionalização do clube. Foi por isso que se operou uma estruturação, não só administrativa e financeira, mas também nas áreas comerciais e de marketing, não esquecendo a desportiva, nos “departamentos de apoio à equipa como o de saúde, de rendimento, de nutrição, no departamento dos jogadores de futebol profissional e na secretaria técnica”, explica.
Durante a conferência, Miguel Ribeiro falou também nesta ideia. Parafraseando o título do livro do dirigente desportivo espanhol Ferran Soriano — dizendo que “a bola não entra por acaso” - o presidente da SAD minhota recordou que o Famalicão “rapidamente se estruturou para estar num nível alto”, sendo parte da solução encarar o lado da estrutura dos clubes como “uma empresa que por acaso é de futebol”.
No fundo, indica Miguel Ribeiro ao SAPO24, o plano para o Famalicão, projetado a dois ou três anos, era, indica Miguel Ribeiro, “criar um clube de primeira na segunda liga”. “Isso é mais fácil falar do que fazer. Porque de facto é duro, mas nós conseguimos. Isso também catapultou-nos para o sucesso da época passada e apetrechou-nos também para nesta época termos alguma estabilidade”, completa.
Mas a atual época não tem sido caracterizada apenas por estabilidade. O Famalicão iniciou-se na edição de 2019/20 com três vitórias e um empate, projetando o clube para o primeiro lugar da Liga NOS. Tal feito motivou comparações precoces com os clubes ingleses Leicester — que em 2015/16 venceu a Premier League, um ano depois de ter subido de divisão — e Wolverhampton Wolves — projeto treinado por Nuno Espírito Santo, repleto de talento português, que venceu o Championship em 2017/18 e atingiu os lugares europeus na Premier League na edição passada. Contudo, Miguel Ribeiro prefere não embandeirar em arco.
Face ao sucesso recente, o presidente da SAD diz que o clube tem reagido “com tranquilidade”, considerando que, “mais do que qualquer tipo de excitação negativa”, os últimos resultados têm lembrado apenas “da responsabilidade e a satisfação de estar a correr no trilho certo, e saber que estes bons jogadores estão a fazer uma boa equipa”. Para além disso, há ainda a noção de que a equipa passará por dificuldades num novo patamar “nomeadamente por alguma ausência de know-how em cultura desportiva”, admite o líder famalicense.
Com a subida, a direção procedeu a uma revolução no plantel, substituindo Carlos Pinto por João Pedro Sousa na equipa técnica, contratando mais de 20 jogadores e cedendo outros tantos. Para Miguel Ribeiro, tal operação era necessária. “Nós quando vimos um desafio tão grande como atingir a primeira liga portuguesa, tínhamos de estar munidos a esse nível”, diz o dirigente.
Por isso é que, por um lado, se procedeu à contratação de João Pedro Sousa, que apesar de se estar a estrear enquanto treinador principal, o facto de ter sido adjunto de Marco Silva — acompanhando-o em clubes como o Sporting CP, Olympiacos, Watford ou o Everton — fê-lo estar “há muitos anos na alta roda do futebol europeu”, justifica Miguel Ribeiro. Por outro, em relação à equipa, o objetivo era construir um conjunto “forte, que nos diferentes setores tivesse competição interna”, havendo o desafio de criar uma equipa coesa a partir da contratação de “bons jogadores internacionais e de jogadores que vieram de vários campeonatos e de vários clubes”.
A seu ver, a meta foi atingida, tendo o Famalicão preparado “três boas equipas — os sub-19, sub-23 e a equipa A —, assente num misto de jogadores jovens com muito potencial”, considerando que essa fórmula vai “aportar ao clube um futuro risonho, quer do ponto de vista desportivo, como do ponto de vista financeiro”.
No entanto, apesar desta fórmula de investimento estar, até agora, a dar frutos, Miguel Ribeiro recusa-se a arriscar afirmar se o modelo de gestão seguido pelo Famalicão poderá ser replicado por outros clubes, pois “cada caso é um caso”. No entanto, o dirigente apontou a centralização dos direitos televisivos como uma solução natural para os problemas de liquidez dos clubes portugueses. Tratando-se de uma receita que os clubes “não conseguem explorar com a amplitude que deveria haver”, o presidente da SAD minhota recordou que a liga portuguesa é das poucas na Europa que não tem os direitos centralizados, pelo que “às vezes, quando um carro entra em contramão, é preciso perceber que é o nosso que está errado e não os outros todos”.
Esta ideia também viria a ser por si explorada durante a conferência, mencionando que a capacidade de segurar talento em Portugal está relacionada com um maior poderio financeiro que os clubes deterão com as receitas dos direitos televisivos centralizados. Foi por isso que sublinhou que, apesar de ter “os melhores jogadores, os melhores treinadores, os melhores dirigentes e os melhores árbitros”, a primeira liga “ainda está na necessidade que se abra as janelas [de transferências] de janeiro e de junho e de se olhar para uma venda e não uma compra como uma bandeira”.
Enquanto tal não ocorrer, o dirigente, em entrevista, deixa outra sugestão, para que “os clubes avancem para a sua profissionalização e para a sua estruturação, porque um clube bem estruturado tende ao sucesso e até ao lucro”. “Temos a felicidade de estar num país fortemente exportador, em que a sua boa mão-de-obra está sempre sob escrutínio, é reconhecida portas fora e é bem paga, ou seja, conseguimos ter uma boa indústria do futebol em Portugal. É essa indústria que poderá capitalizar receita para os nossos clubes”, defende o presidente da SAD do Famalicão.
Estrutura, gestão, jogadores e treinador. Praticamente tudo mudou no Famalicão no último ano. Mas não os adeptos. Esses, os responsáveis pelo Estádio Municipal 22 de Junho ter tido a maior média de assistências da segunda liga no ano passado, prometem voltar a causar enchentes nesta temporada. Apesar de um possível temor perante as transformações no clube, Miguel Ribeiro defende que é “um sentimento de orgulho que descreve melhor a relação entre o clube e os seus adeptos”. “O nosso desafio é termos os jogos em casa sempre cheios com os nossos, porque tenho a profunda convicção que vamos conseguir fazer uma época inteira com 90% do estádio com os nossos adeptos”, reforçou o dirigente. "Se há clube que tem um 12º jogador é o Famalicão”, rematou.
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