Pela primeira vez Portugal chega a uma grande competição de seleções de medalha ao peito. Somos campeões da Europa. Os anúncios não nos pedem “menos ais, menos ais”, nem para “jogar mais”. Não, exigem-nos que cumpramos o ritual de 2016, que estejamos sentados no sofá, no bar ou na praça da cidade ao lado dos mesmos, com as cores da seleção à espera do outro pontapé das nossas vidas.
Fomos felizes. Estamos felizes.
Pela primeira vez fomos felizes. O ceticismo diminuiu. Não partimos para a Rússia embalados pelas conversas de café a vaticinar a nossa participação no Mundial. Os velhos do Restelo não evocam as deceções de 1986 no México, de 2002 na Coreia do Sul e no Japão ou mais recentemente no último Campeonato do Mundo, no Brasil onde à semelhança dos exemplos anteriores não passámos sequer da fase de grupos. Agora, os velhos do Restelo junto ao balcão sorriem e dizem que “talvez, talvez cheguemos lá”.
Claro que há, e sempre haverá, os irremediáveis, os que comparam a vitória do Europeu à vitória na Eurovisão e que dizem com todos os dentes que têm na boca que a seleção portuguesa irá do céu ao inferno. Mas os jogos de preparação deram-nos otimismo. O final da primeira parte diante da Bélgica mostrou que Portugal não assina o empate por baixo e que é uma equipa capaz de criar perigo e estar perto do golo. Fizémo-lo uma, duas três e quatro vezes. Por Gonçalo Guedes, por Bernardo Silva, por Gelson Martins e por Raphael Guerreiro, a bola ameaçou sempre o poste e as redes de Courtois.
Mas a equipa das quinas empatou, e o empate ‘cheirava’ a França, ao Euro. Soava a ritual.
É então que Cristiano Ronaldo chega a seleção e diante da Argélia, no último jogo de preparação, frente a uma equipa frágil na defesa e bela no ataque, Fernando Santos rasga o ritual ao mostrar que a seleção portuguesa era capaz de atacar tão bem como defendia. E mais, que os novos convocados podem trazer o jogo bonito ao jogo eficaz.
Mas se este será o Mundial do ritual para os que acompanham a seleção, não é com certeza para o selecionador nacional. Fernando Santos não o disse, mas ficou implícito logo no dia 17 de maio quando anunciou a convocatória e que dela não faziam parte 11 campeões europeus. Quando aquela equipa, por força de um enorme reforço de opções de grande qualidade em vários setores, era notoriamente outra, estava dito: sim, era para ganhar, mas o ritual até à final não será o do empate.
Mas por muito que a entrada de jogadores que pudessem dar o jogo bonito à seleção portuguesa entusiasmasse o adepto mais irritado com o ritual do empate, havia um buraco na convocatória que não deixava ninguém indiferente. Era mais importante do que tudo: o nome de Éder não estava lá.
“Foi extremamente difícil definir os 23. Esta convocatória deu-me muitas dores de cabeça. Finalizámos a convocatória há duas horas. Temos de enquadrar muitos fatores. Custa-me deixar de fora os que participaram no Euro 2016”, disse o técnico campeão europeu.
Desculpa, Éder.
O herói improvável, o autor do golo mais importante da história da seleção nacional, não vai. Por isso, Portugal jogará na Rússia com a certeza de que não repetirá a proeza de ser campeão no país onde joga o luso-guineense, com um golo dele.
Seria incrível, mas não vai acontecer. Como, provavelmente, não vamos andar de empate em empate, a empatar o sonho dos portugueses e o jogo bonito nos pés dos nossos craques. Não, porque esta é uma seleção que tem mais. Tem Bernardo Silva - um criativo, de pé esquerdo irrequieto, uma das peças do incrível Manchester City de Pep Guardiola -, tem Bruno Fernandes - a revelação do campeonato português desta temporada, ofensivo, bom de remate e com uma visão de jogo soberba -, tem Gelson Martins e Gonçalo Guedes - que oferecem imprevisibilidade e velocidade ao momento ofensivo.
Os céticos dirão que tem tudo isto, mas tem também uma média de idades na defesa a rondar os 35 anos. É verdade. No eixo central Rúben Dias é exceção perante a experiência e currículos de Bruno Alves, José Fonte e Pepe. Mas desengane-se se alguém pensa que qualquer outra das seleções em prova dispensaria ter estes jogadores na sua formação, sobretudo Pepe, uma das peças basilares da conquista em França.
Há mais de 10 milhões de portugueses à espera de ouvir Fernando Santos dizer que só volta para Portugal no dia 16 de julho, no dia a seguir à final em Moscovo que coroará o campeão do Mundo, que dará a 23 jogadores, a uma equipa técnica e a um país o título que muitos sonham em criança, o título que eternizou Pelé e Maradona.
Mas para Portugal, este não é o momento dos rituais.
Há que ter “os pés assentes na terra”, como diz Ricardo Quaresma em entrevista ao canal da Federação Portuguesa de Futebol. Sim, Portugal é campeão da Europa. Sim, temos legitimidade para sonhar. O cadeado do ceticismo, da tragédia grega de 2004, dos penáltis de Zidane em 2000 e 2006, caiu. Mas não nos pode tirar os pés do chão.
Porque primeiro há um grupo complicado para ultrapassar. Espanha roubou o título a França de besta negra e tem sido uma dor de cabeça para a seleção lusa nesta década, depois de ter eliminado Portugal nos oitavos-de-final na África do Sul e de em 2012 nos ter roubado um lugar na final do Campeonato da Europa, num desempate por penáltis.
Depois há Marrocos, uma seleção que encontrámos num Mundial passado de má memória, também na fase de grupos. No México, no Campeonato do Mundo de 1986, bastava um empate diante de Marrocos para passarmos à fase seguinte, o selecionador da nação africana piscou o olho a José Torres, mas o selecionador nacional à época olhou para o lado e jogou para ganhar. Perdeu. E uma geração coroada pelos talentos de Futre, Gomes, Carlos Manuel e Diamantino voltou para casa mais cedo, embalada pelo caso Saltillo.
Por último, mas não menos importante há o Irão. Fraco na teoria, mas forte no banco com Carlos Queiroz ao leme, um conhecedor profundo do futebol português, não tivesse ele sido um dos revolucionadores do mesmo.
Há que ter os pés no chão porque isto é só a fase de grupos. É que depois ainda há uma Alemanha campeã do mundo cheia de argumentos que a colocam na rota da defesa do título. Um Brasil recheado de talento, a fazer lembrar uma canarinha dos outros tempos, que quer colocar mais uma estrela no emblema. Uma França verde de vingança que pela primeira vez organizou uma competição e não a ganhou - em 2016 - com uma seleção recheada de jovens e boas soluções. Há a Argentina de Messi.
Depois, numa segunda linha de candidatos as coisas não esmorecem, Croácia, Bélgica, Inglaterra e Polónia são seleções à procura do regresso ao topo.
Não há como não ver. Não há espaço para cumprir o ritual, agora, para Portugal passar de seleção rainha da Europa a rainha do Mundo, é preciso mais, “ muito mais”.
"Marca mais!
Corre mais!
Menos ais, menos ais, menos ais!
Quero muito mais!
Joga mais!
Sua mais!
Menos ais, menos ais, menos ais!
Quero muito mais!"
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