“Não estava à espera de tanta gente para ouvir falar de futebol feminino”, confessou Laura Georges, antiga central da seleção francesa e atual diretora-geral da Federação Francesa de Futebol, entre sorrisos de surpresa e agradecimento.
O mundo está agora mais preparado para falar de futebol feminino. De futebol aliás, mas agora num todo como nos haveria de corrigir mais tarde, em entrevista ao SAPO24, Marzena Bogdanowicz. “Isto é uma mudança para o futebol, não para o futebol feminino. O futebol feminino sempre lá esteve”, diz-nos.
Mas vamos situar-nos. Era o primeiro dia da Soccerex Europe, que acontece por estes dias em Oeiras, e num painel sobre o crescimento do futebol feminino o palco era partilhado, para além da antiga internacional francesa, por Bogdanowicz, diretora de marketing da Women’s Football na FA, em Inglaterra, e Rebecca Smith, antiga internacional neozelandesa, atualmente diretora executiva da Women’s Game para a Copa90, que também passou pela FIFA onde foi responsável pelas competições, eventos e planeamento estratégico para o futebol feminino.
E o que é aconteceu para que hoje as pessoas estejam mais atentas ao futebol jogado por mulheres do que no passado? O Campeonato do Mundo que aconteceu este ano, em França.
Ninguém se esquece do primeiro jogo que viu ao vivo num estádio. Jez Weeks, diretor da W10 Sports e moderador do painel, não é exceção. Fã do Tottenham Hotspur, foi pela primeira vez a White Hart Lane, casa dos Spurs, com 11 anos. O jogo era contra o Everton. Este ano, foi igualmente especial. Weeks levou a filha de quatro anos ao seu primeiro jogo de futebol, Inglaterra - Nova Zelândia, um encontro de preparação para o Mundial que se avizinhava. Conta que assim que a menina agarrou no cartaz das Lionesses, nome pelo qual é conhecida a seleção feminina inglesa, não o largou mais essa tarde. Ela queria ver, queria jogar, queria participar.
Esta não é a típica história da primeira ida ao estádio. Mas a partir de agora pode vir a ser. O Mundial disputado em França bateu todos os recordes. O jogo das meias-finais, entre Inglaterra e Estados Unidos, teve uma audiência de 11,8 milhões de espectadores. É, até à data, o programa mais visto do ano no Reino Unido. Na Holanda, 88% da população assistiu à final do Campeonato do Mundo disputada entre a seleção holandesa e a norte-americana. Todos os jogos da seleção francesa esgotaram os estádios. Aliás, em média, 75% dos recintos estiveram lotados. A final esgotou em 24 horas.
Pensar que os números acima descritos são apenas consequências dos tempos modernos é um erro. Para organizar um Mundial com expectativas tão elevadas é necessário um trabalho de gestão de marcas, de modelos de venda de bilhetes e, acima de tudo, de visibilidade. É como se os 90 minutos começassem muito antes do apito inicial.
Laura Georges, embaixadora da competição, diz que estar nas bancadas e não no relvado é muito diferente. Lá em baixo, a preocupação é se o relvado está bom para ser jogado. Lá em cima é como é que se vai encher um estádio.
E o que leva as pessoas ao estádio, numa perspetiva mais lata? Bom futebol e a admiração e ligação aos atletas.
Antes do painel começar, a Goal Point, através de Pedro Ferreira, levou ao palco alguns dados estatísticos sobre aquele mês de futebol em França. Os resultados mostraram uma qualidade de jogo superior aquela a que assistimos no Canadá, no Mundial de 2015, por exemplo. Em linhas gerais, neste Campeonato do Mundo, houve mais remates dentro da área, o que mostra que o jogo passou a ser mais profundo. Mais remates enquadrados com a baliza, um maior número de passes chaves e defesas seguras por parte da guarda-redes, ilustram um jogo mais trabalhado taticamente. Além disso, poucas faltas e muito poucas admoestações por situações de indisciplina por, por exemplo, palavras dirigidas ao árbitro coroam estes números.
Portanto, este é o primeiro quadro. Sobre o segundo, Rebecca Smith, sublinha que é preciso “criar histórias à volta das jogadoras para as pessoas as conhecerem”. E isso foi o que a FA, a federação inglesa de futebol, fez. Com uma campanha em que vários rostos conhecidos de todo o mundo, como Emma Watson, David Beckham ou Príncipe Harry, deram a cara para anunciar a convocatória da seleção inglesa para o Mundial e com a criação de um clube de fãs das Lionesses, conseguiram aumentar em 20% o reconhecimento por parte das pessoas. Hoje, diz-nos, Bogdanowicz, os ingleses conhecem as jogadoras que representam o seu país.
Inglaterra é um bom exemplo de um país que colhe agora os frutos da sua prestação num Mundial em que ficou em quarto lugar. “Foi uma oportunidade para criar uma audiência”, diz-nos a dirigente inglesa.
Mas foi muito mais do que isso. Partindo do princípio que a FA Women’s Super League não se quer comparar a outras ligas, mas sim “ter a certeza de que é capaz de ser a melhor no formato certo”, a federação inglesa conseguiu criar um campeonato com 12 equipas, todas elas profissionais, e, esta temporada, fechar um grande acordo de patrocínio com o Barclays para os próximos três anos.
“O que é importante neste acordo é que toda a gente reconhece que eles foram um grande baluarte do futebol masculino e agora ter a marca deles juntamente com a nossa, é uma afirmação. É um grande investimento que fizeram, ao nível de marketing vão ajudar-nos a subir o nível da Barclays FA Women’s Super League”, diz Marzena Bogdanowicz.
Este fim de semana começa a Super League e os grandes passos continuam a ser dados. “Dois dos jogos desta primeira jornada vão acontecer nos estádios principais dos clubes, ou seja, grandes estádios. Vamos fazê-lo no momento certo e nos jogos certos, não o vamos fazer em todos os jogos. Se o fizéssemos não os iríamos encher. Temos de fazer as coisas de forma sustentável e assim, a longo-prazo, vamos lançar a jogadora inglesa”, explica a dirigente, contando ainda que esta época, em Inglaterra, também será possível os adeptos verem todos os jogos da Super League de forma gratuita nos dispositivos móveis, para além dos também transmitidos na BBC e BT Sports, e que ainda foram vendidos direitos de transmissão para o México e Escandinávia. “Há muito a acontecer no futebol feminino que estamos a conseguir pelo que mostrámos no Mundial”, sublinha.
Bogdanowicz não quer que Inglaterra tenha só uma liga feminina. Bogdanowicz quer uma visão para o futebol feminino a longo prazo. Quando fala com uma marca para eventuais acordos diz que que é preciso ter uma coisa em conta: “não estamos a vender uma fatia de pão, é preciso partilhar o propósito e a visão da marca e da Federação e estar na mesma onda, antes de começar uma relação. Olhamos para essas marcas que só querem entrar na moda e perguntamos: qual é o vosso propósito, qual é a vossa visão? E então se for um acordo de um ano... não vamos fazer um acordo de um ano. Temos de ter a certeza de que temos um plano a longo prazo, que o propósito é o mesmo, que nos entendemos e crescemos juntos”.
No final, qual é que é a grande mudança que se pode alcançar na gestão de uma liga feminina? E é aí que Bogdanowicz nos corrige: “é posicionar o jogo como apenas futebol. É diferente, é uma oportunidade para as mulheres, mas também para os homens. E no fim do jogo é apenas futebol”.
Passavam mais de 40 minutos desde o fim do painel e Laura Georges ainda continuava diante de uma fila de pessoas, umas com perguntas, outras com pedidos de fotografias, outras para um simples cumprimento. Tal e qual uma estrela do futebol à saída de um treino ou apanhada na rua a viver a sua vida. E era.
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