No seu último livro "Falar com Desconhecidos", o famoso escritor canadiano Malcolm Gladwell (autor de Blink e Outliers) tenta explorar o porquê de sermos tão maus a lidar com as pessoas que não conhecemos e os problemas que surgem através das estratégias que utilizamos para facilitar esse processo. Uma das estratégias inconscientes que usamos é a verdade por defeito que, por outras palavras, significa que inconscientemente tendemos a assumir a norma sobre as pessoas, tendo em conta a nossa própria experiência. Se uma pessoa que foi sempre simpática connosco for acusada de roubar, temos dificuldade em acreditar porque a nossa experiência diz-nos o contrário. Um dos problemas da verdade por defeito é exatamente evitar que reconheçamos a exceção e que não identifiquemos as situações que acontecem fora da regra.
Aplicando este conceito ao jogo de hoje do Sporting, os adeptos leoninos desejavam fortemente que a verdade por defeito fosse, de facto, mentira. Por um lado, a equipa verde e branca buscava a primeira vitória na Áustria, visto que, nas quatro deslocações anteriores, nunca a tinha conseguido. A última tentativa remonta à época 2004/2005, em que no caminho para a final da Taça UEFA perdida para o CSKA de Moscovo, o Sporting tinha arrancado um empate em casa do Rapid Viena. Por outro lado, o onze apresentado por Jorge Silas uma hora antes de o jogo começar, com diversas alterações e sem Bruno Fernandes (a cumprir um jogo de castigo) e Vietto (de fora da convocatória) mostrava um Sporting mais preocupado em gerir esforços para o difícil calendário de jogos em que tem estado nas últimas semanas e não em disputar o primeiro lugar do Grupo D com o LASK Linz. Contudo, era uma oportunidade para jogadores com minutos mostrarem provas, que talvez fosse suficiente para superar a falta de rotinas, esperavam os leões.
Ao entrar em campo, as duas equipas sabiam que tinham o apuramento garantido. O Sporting, com o acesso à "fase a eliminar" da Liga Europa, tornou-se o recordista de presenças nos jogos a doer da competição, com nove. Por seu turno, o LASK tinha carimbado pela primeira vez a passagem de uma fase grupos de grupos de uma competição europeia.
O jogo começou morno. A primeira oportunidade de perigo aparece num remate frouxo de Camacho, que juntamente com Pedro Mendes e Jesé, formavam a renovada frente de ataque leonina. Do lado do LASK, foi ao quarto de hora que o primeiro lance foi criado — numa altura em parecia que o nevoeiro ameaçava criar em Linz um ambiente semelhante àquele que se vive na Choupana, onde a bola se torna invisível.
Não foi esse o caso, mas pareceu. Ao minuto 23, após um canto do lado esquerdo, os jogadores do Sporting perderam a noção de onde ia cair a bola e permitiram que Trauner, capitão dos austríacos, insurgisse na grande área leonina e que colocasse o LASK em vantagem.
Se a verdade por defeito não se verificasse, podíamos acreditar que este lance ia permitir que equipa do Sporting acordasse e que se lançasse para uma exibição mais positiva. Mas a norma manteve-se e, depois de um falhanço de Jesé, a vida dos leões complicou ainda mais. Num cruzamento para a área leonina, Renan, com uma saída errática dos dois postes, derrubou o avançado Frieser e levou com um cartão vermelho. Saiu Rodrigo Fernandes, que se estreava de leão ao peito nas competições europeias, e entrou Luís Maximiano para substituir o guarda-redes brasileiro. O penálti marcado por Klauss confirmou o 2-0 para os austríacos e estabeleceu o resultado com que as equipas foram para os balneários.
Se colecionarmos uma amostra de pessoas e questionarmos se uma equipa que está desvantagem por dois golos e com menos um jogador em campo, ao intervalo, é capaz de virar o jogo, a maior parte das respostas será que não. Os adeptos leoninos mais esperançosos estariam talvez a recordar a final da Taça de Portugal de 2015, em que a perder por 2-0 e com menos um jogador, o Sporting foi capaz de empatar o jogo e vencer o troféu nos penáltis frente ao Sporting de Braga. Os mais pessimistas utilizariam a verdade por defeito e uma expressão como "o jogo está visto".
Infelizmente para o universo leonino, o segundo grupo acabou por ter razão. Em 45 minutos, onde a maior parte da história foi contada pelo LASK, os leões limitaram-se a recuar as linhas, esperando pelos ataques da equipa austríaca, e tiveram apenas uma oportunidade de golo desperdiçada por Camacho, que até acabou por ser um dos poucos pontos positivos do jogo, pecando na decisão em alguns momentos. Do lado da equipa de Linz, terceira maior cidade da Áustria, o jogo teve sempre controlado e uma sucessão de oportunidades levaram, primeiro, a um golo anulado por fora-de-jogo ao minuto 83 e, finalmente, ao resultado final de 3-0, já nos descontos, pelos pés de Raguz, após assistência de Holland.
Fazendo as contas, o Sporting termina o Grupo D da Liga Europa em segundo lugar e poderá agora apanhar um dos tubarões "despromovidos" da Liga dos Campeões já na próxima eliminatória da competição. Para melhor sorte da equipa de Alvalade, resta esperar que a verdade por defeito seja mesmo mentira da próxima vez.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meus?
O golo inaugural do LASK surge num canto em que cinco defesas do Sporting estavam a circundar Trauner, o capitão da equipa austríaca. A falta de rotinas e de treino de posicionamento em cantos do onze apresentado não justificam a maneira como o jogador salta sozinho sem qualquer tipo de oposição e mete a bola no fundo das redes leoninas.
PS: Não esquecer a saída de Renan no lance em que é expulso e que dá a grande penalidade ao LASK. Já não é a primeira nem a segunda vez que o guardião leonino, tem uma saída deficiente dos postes e coloca a sua equipa numa situação desfavorável.
A vantagem de o jogo ter duas partes
É verdade que os leões jogaram com menos um jogador durante toda a segunda parte. Mas o facto de a equipa ter apenas um remate durante 45 minutos, demonstrou uma equipa que atirou a toalha ao chão ao intervalo e que deu o jogo por perdido. Tirando a perdida de Camacho, o Sporting limitou-se a ver o LASK jogar e a criar oportunidades.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
A equipa austríaca é muito competente a trocar a bola e desde cedo criou dificuldades à equipa de Alvalade. Numa categoria em que costumamos premiar um momento ofensivo de um avançado ou de um médio, a exibição de Trauner, defesa-central e capitão do LASK Linz, merece ser destacada. Primeiro, pelo golo inaugural que deu vantagem à sua equipa e, segundo, pela segurança que deu à equipa ao evitar dois lances perigosos do Sporting na resposta ao seu golo: um contra-ataque em que não se deixou ultrapassar por Camacho e um corte no limite em que impediu Jesé de pôr o Sporting no marcador.
Nem com todo o tempo do mundo se marcava esse golo
Num jogo escasso ao nível de oportunidades para o Sporting, existem duas que, com bocadinho menos de indecisão, poderiam contar uma história diferente deste desafio. Na primeira parte, apenas com o guarda-redes pela sua frente, Jesé tenta fazer todos os ajustes e mais alguns para finalizar e, entretanto, dá tempo para que um defesa austríaco bloqueie o seu remate. Na segunda, foi a vez de Camacho ter o guarda-redes pela frente e de decidir mal, perdendo o ângulo de remate ao tentar ultrapassá-lo.
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