A ressaca de Van Gaal
O Mundial de 2014 esteve à beira de ser um sonho. A forma clara como os holandeses ‘limparam’ o seu grupo e a maneira meticulosa como sempre surgiram em campo – como se Van Gaal já tivesse jogado aqueles jogos noutra vida –, assente num 5-3-2 preparado para potenciar a genialidade de Robben, Van Persie ou Sneijder, deu sempre a ilusão de qua a Holanda poderia finalmente chegar ao maior dos ceptros. Tal fantasia chocou com a realidade nas meias-finais, perdidas nas grandes penalidades às mãos da Argentina de Messi.
Louis Van Gaal saiu para Manchester e a Seleção ficou entregue a Guus Hiddink. O plano era claro: o veterano técnico conduziria a Laranja até ao França’2016, para depois a deixar nas mãos de Danny Blind, que já o acompanhava como treinador-adjunto. Quase três anos depois, todo o esboço saiu gorado. A qualificação para o último Europeu roçou o risível (4º. lugar no grupo, a 5 pontos do 3.º!) – e Hiddink saiu, até de forma antecipada. Blind assumiu o lugar que lhe estava destinado, mas apenas 7 pontos em 5 jogos (atrás de França, Suécia e Bulgária) precipitaram um desfecho que nunca aparentou ser o final mais improvável. A hecatombe, em Sófia, na passada 6.ª feira, foi tão-só o paradigma daquilo que tem sido a realidade holandesa dos últimos anos.
Não, a Holanda já não é a super seleção que venceu o Euro’1988 ou que ofereceu ao mundo, pela mão de Rinus Michels, uma forma inovadora de pensar e o jogo, instituindo o ‘futebol total’ (a ponto de a FIFA o ter eleito como o Treinador do século XX). Outrora, mesmo quando perdia, a Holanda fazia-o com estilo, com uma identidade muito própria, deixando um odor a bom futebol. Atualmente, nem os resultados honram o passado, nem, sobretudo, o perfume futebolístico replica o que se vira com Cruyff, Van Basten, entre vários outros.
Não obstante, não sendo a melhor seleção do mundo, a Holanda está muito longe de poder aceitar o destino que lhe vem sendo traçado – há já quem tenda a traçar paralelismos com a Hungria, que depois dos anos 50, não mais se voltou a reerguer, quer ao nível da seleção, quer ao nível de clubes. Um cenário demasiado catastrofista; mas que acaba por encontrar um mínimo traço justificativo naquilo que tem sido o trajeto desde 2014.
(Des)Confiança Blind
Se a opção por Hiddink não foi feliz, a continuação do projecto com Blind foi um verdadeiro tiro no pé. À exceção de uma curta passagem pelo comando técnico do Ajax, há mais de 10 anos, o antigo internacional holandês nunca demonstrou ter o pedigree e a capacidade desejáveis para ser o timoneiro da Laranja, ainda mais numa fase tão periclitante. A deslocação à Bulgária limitou-se a ser a gota de água que fez transbordar o copo. Mantendo a face táctica do 4-3-3 (recuperada depois da partida de Van Gaal), os holandeses voltaram a fazer uma partida lamentável a todos os títulos.
O agora ex-selecionador deu a titularidade ao central Matthijs de Ligt, jovem de apenas 17 anos do Ajax, com pouquíssimos minutos que pudessem justificar tal convocatória e, ainda mais, uma aposta para titular – e que acabou em desastre, pela forma como o jovem sucumbiu à pressão e foi protagonista nos dois golos sofridos pelos holandeses; colocou Wijnaldum e Strootman lado a lado, como que funcionando num duplo pivot demasiado amarrado e sem conseguir potenciar as melhores vertentes do jogo de cada um deles, deixando Klaassen sem capacidade de criar jogo ofensivo; e, na altura de correr atrás do prejuízo, retirou o malogrado De Ligt e o irreverente Promes (o extremo do Spartak de Moscovo foi dos menos maus) para lançar Sneijder pelo corredor esquerdo(!) e Luuk de Jong (elemento chamado à última da hora e claramente em má forma). Tudo isto com elementos como Viergever, Veltman, Vilhena e Depay, que, pela época que têm vindo a realizar, mereciam outra consideração e ponderação. Resultado: um conjunto de opções erróneas, e que tiveram o condão de transformar o jogo holandês em algo completamente desgarrado, sem ligação possível e pejado de apelo às disputas aéreas, como que traindo tudo aquilo em que Cruyff acreditava (e pregava) e que durante muito tempo foi o ADN dos holandeses.
Os números são ainda crus e duros: em 17 jogos, Blind somou 7 vitórias, 3 empates e 7 derrotas. E restringindo apenas a jogos oficiais, são 5 derrotas em 9 partidas, com apenas 3 vitórias diante de Cazaquistão, Bielorrússia e Luxemburgo. Manifestamente pouco. Ainda que não conte com a qualidade de outrora, a Holanda tem toda a capacidade para criar um onze inicial isento de qualquer desconfiança e perfeitamente equiparável ao de outras seleções que, por ora, lideram os seus grupos de qualificação, como sejam os casos da Suíça, Polónia, Croácia ou Sérvia. Tem é de colocar as unidades devidas nos lugares/funções onde mais possam oferecer ao jogo, sem esquecer o imperativo resgate que há a fazer em relação a alguns princípios do seu jogo – esta Holanda parece ter-se esquecido de saber o que fazer com bola.
Que futuro?
É inevitável pensar que nomes como Robben, Sneijder, Van Persie e Huntelaar contam já com 32 ou mais anos, estando prestes a fechar-se aqui uma geração que – não esqueçamos! – levou a Holanda a uma final (2010) e a um 3.º lugar (2014) em Mundiais consecutivos. Tempos idos e que se ameaçam abafados, se a ausência no Rússia’2018 se concretizar, naquele que seria o igualar do registo de 1982-1984, quando os holandeses ficaram de fora de Mundial e Europeu (época em que a fase de qualificação era, ainda assim, bem mais ‘apertada’, na medida em que se qualificavam muito menos seleções do que atualmente).
Não havendo um leque de jovens talentosos em quantidade assinalável (os sub-21 holandeses, por exemplo, não se qualificaram para o Europeu da categoria deste ano), a regeneração da equipa holandesa e a introdução paulatina de elementos com potencial – que Blind nem sempre soube gerir da melhor forma, como comprovado agora pelo caso de De Ligt, e antes, num episódio semelhante com Jairo Riedewald – terá de passar pelos nomes de Jetro Willems (PSV), Riechedly Bazoer (Wolfsburgo), Bart Ramselaar (PSV) ou Tonny Vilhena (Feyenoord), entre outros. Mas, possivelmente, também terá de encontrar-se um núcleo duro que sirva de ground zero a partir do qual seja possível evoluir, assente num plano de jogo convicto e ajustado.
Sem jogos oficiais até Junho, a Federação Holandesa procura, agora, cortar com o passado Hiddink-Blind, optando por um nome que “ajude a reerguer o futebol holandês” (palavras de Jean Paul Decoussaux, director da KNVB). Entre as várias possibilidades aventadas, a mais desejada passa por Ronald Koeman. Todavia, o técnico do Everton terá já afirmado a sua indisponibilidade para tomar as rédeas da Laranja (tal como Frank de Boer), quiçá ainda ressentido pela opção de 2014 quando, após demonstrar interesse em suceder a Van Gaal, a KNVB nomeou… Hiddink. Há, pois, a hipótese Van Gaal (pouco provável que aceite regressar pela 3.ª vez), Ruud Gullit (já demonstrou vontade), Ron Jans (técnico do PEC Zwolle, que tem feito um trabalho meritório neste clube agora sustentado na liga holandesa) e Jurgen Klinsmann (recentemente saído da seleção norte-americana).
Sob pena de o fundo ir baixando, a Holanda não pode voltar a errar. Ou a cometer constantes lapsos na escolha de quem os comanda em campo e, por consequência, de quem veste a malha laranja. Uma malha carregada de simbolismo, que, outrora, fora já exemplo de um futebol cativante e de resultados imensamente respeitáveis. E a Europa futebolística necessita dessa Holanda.
O Fair Play é um projecto digital que se dedica à análise, opinião e acompanhamento de diversas ligas de futebol e de várias modalidades desportivas.
Assinando a sua coluna A(r)quibancada, Filipe Coelho cobre, entre outros temas, a realidade futebolística holandesa.
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