Esta sexta-feira o futebol português sobe ao plenário da Assembleia da República. Uma petição que pede o reconhecimento das 17 edições do Campeonato de Portugal realizadas entre 1922 e 1938 e que, até à data, não mereceram qualquer homologação por parte da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). A estrutura federativa criou uma comissão de análise para estudar o assunto a ser levado a uma Assembleia-Geral para ser tomada uma decisão. Os deputados pronunciam-se hoje sobre o tema.
Quatro desses títulos pertencem ao Sporting Clube de Portugal, clube que quer ver reconhecidos esses troféus como títulos de campeão nacional, somando aos 18 oficialmente reconhecidos pela FPF.
Os leões não estão sós nessas contas. Na contabilidade entram também FC Porto (4 troféus ganhos nessa prova), Sport Lisboa e Benfica (3), Marítimo (1), Olhanense (1), Clube Futebol Os Belenenses (3) e Carcavelinhos, atual Atlético Clube de Portugal (1), com estes dois últimos clubes a manifestarem-se publicamente, reclamando a equiparação desses troféus ao título de campeão nacional.
A discussão no parlamento onde um deputado de cada um dos grupos parlamentares terá três minutos para se pronunciar sobre esta questão quase centenária surge na sequência de uma petição da iniciativa de Paulo Alexandre Silva Almeida, gestor de produto do Sporting Clube de Portugal e que reuniu 4470 assinaturas.
“História centenária não pode ser reescrita nem alterada”. Uma luta de todos
Entregue a 15 de março (apreciada a 28 desse mês), a Petição n.º 488/XIII/3ª diz que “em 2021-22 comemoram-se os cem campeonatos nacionais. Portanto, têm de existir cem campeões” e, que por isso, a “história centenária não pode ser reescrita nem alterada”. Acrescenta ainda a missiva que a “luta pela verdade desportiva” não se cinge aos títulos do clube que Paulo Almeida é adepto e funcionário, antes “é em defesa de clubes como o Benfica, Porto, Sporting, Belenenses, Olhanense, Marítimo e Carcavelinhos”, lê-se no documento assinado por Paulo Almeida.
Questionado pelo SAPO24, Paulo Almeida, primeiro peticionário, remeteu-se ao silêncio não sem antes acrescentar “que fez um trabalho de investigação”, que “entregou toda essa informação aos responsáveis da AR e da FPF” e que eventuais esclarecimentos podem ser “obtidos” numa página de Internet.
Antes de chegar hoje a plenário, enquanto a petição e o tema percorriam os corredores da AR, em resposta a um pedido de informação da Comissão de Cultura Comunicação, Juventude e Desporto a FPF respondeu que “jamais recusou o reconhecimento das edições do Campeonato de Portugal, sendo certo também que não tomou nenhuma atitude suscetível de colocar em causa a história dos clubes e dos jogadores envolvidos na mencionada competição”.
A estrutura federativa acrescentou ainda que “existem fundadas dúvidas acerca da natureza da competição em causa, levantando-se, legitimamente, a questão de saber se se deve qualificar tal prova como Campeonato Nacional ou como Taça de Portugal”, pelo que face a esse cenário de “dúvida”, a Direção da FPF “deliberou proceder à constituição de uma Comissão de Análise constituída por investigadores das áreas do Direito e da História, pertencentes às Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra, que irá propor que seja tomada uma decisão no sentido de reconhecer se a prova equivale a Taça, ao Campeonato ou a nenhum deles, de forma a ser submetida à Assembleia Geral da FPF, de forma a que fique definitivamente esclarecido se os vencedores das diversas edições do Campeonato de Portugal devem ser considerados campeões nacionais ou vencedores da Taça de Portugal”.
Tem a palavra o senhor deputado
João Almeida, deputado do CDS-PP, reconhece que este “é um tema da responsabilidade da FPF”, que “está a tomar conta do assunto” e que cabe à federação, através dos meios que julga necessários, proceder a análise e “decidir”.
Pelo mesmo diapasão, Joel Sá, PSD, recorda que o “Estado delegou na Federação o poder da organização e regulamentação do futebol”. O deputado do grupo parlamentar Social-Democrata entende que a “FPF, que já criou uma comissão constituída por historiadores e especialistas para estudarem o assunto, relativo às 17 edições do Campeonato de Portugal, deve chegar a uma conclusão com a maior brevidade possível”. Nesse sentido “vamos apelar que se pronuncie”, frisou.
Luís Monteiro (Bloco de Esquerda) fará igualmente uma intervenção sobre o tema assim como o deputado António Cardoso (PS), numa discussão, onde o grupo parlamentar “Os Verdes” não usará da palavra conforme adiantou fonte do partido. Questionados pelo SAPO24 se iriam exercer o direito de usar da palavra, PAN e PCP não responderam.
O que é que está em causa?
Datado de 1922, o Campeonato de Portugal foi a primeira competição oficial de futebol de caráter nacional. Organizado pela UPF (União Portuguesa de Futebol, que antecede a FPF) disputou-se durante 17 edições, até ao ano de 1938.
Em 1934-1935 nasce o Campeonato da Liga, uma prova experimental com duração de quatro anos (1934/35 e 1937/38), tendo o Porto conquistado o título de campeão. Decorreu em simultâneo com a prova denominada Campeonato de Portugal.
Em 1938-39 um regulamento federativo põe fim ao campeonato da Liga e ao campeonato de Portugal, hierarquizam e catalogam as competições, e leva à criação do Campeonato Nacional da 1ª e 2ª Divisão. A Taça de Portugal nasce em 1939, a partir daí.
Atualmente os títulos dessa Liga experimental foram acrescentados ao palmarés desportivo dos clubes (3 para Benfica, 1 para o Porto), sendo que os 17 títulos (cujo troféu é idêntico à Taça de Portugal que tem inscrito em chapa todos os vencedores desde 1922, edição então ganha pelo Carcavelinhos) não têm oficialmente qualquer catalogação. Não são nem taça, nem títulos de campeão nacional.
O assunto não reúne consenso e não é de fácil interpretação no recurso às fontes da época que envolvem os órgão de comunicação social, documentos federativos e obras literárias. Divide jornalistas, historiadores e estudiosos. Paulo Almeida, remete para “atas da Federação” e para o livro do centenário (1989) que ajudam a esclarecer a questão. E acrescentou, na carta enviada em abril de 2018 ao parlamento, que os exemplos do sucedido noutras ligas europeias (Alemanha, Itália e Holanda).
O deputado social Arons de Carvalho, que não integrou a Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, deixando claro um registo de interesse de ser sócio do Benfica, numa carta enviada à dita comissão disponibilizou um conjunto de documentação com registos e jornais da época para que “não restam quaisquer dúvidas quanto à verdade histórica”.
Sporting não está só. Belenenses e Carcavelinhos (Atlético) seguiram as pisadas
A questão dos 22 títulos nacionais (e não 18 como reconhecidos até à data pela FPF) dos leões foi levantada por Bruno de Carvalho, anterior presidente do Sporting.
Um tema que começa em Alvalade, mas que virou nacional, embora não tivesse ido além da cidade de Lisboa.
O Clube de Futebol Os Belenenses que reclama os títulos de 1926/27, 1928/29 e 1932/33 em resposta ao anuncio da FPF em criar uma comissão técnica para categorizar as competições disputadas em Portugal emitiu um comunicado onde se lê que Entende o Clube de Futebol 'Os Belenenses' que estes títulos, tendo sido conquistados na única prova de cariz nacional que se disputava no nosso país, devem ser justamente contabilizados e somados ao título de Campeão Nacional de 1945/46”.
O Atlético Clube de Portugal aproveitou a boleia para, também em comunicado, esclarecer que o clube de Alcântara nasceu “a partir da fusão do Carcavelinhos e do União Lisboa (em 1942)” e que “caso a Federação Portuguesa de Futebol considere o título de 1927/1928 (taça que está na sala de troféus) como sendo de Campeão Nacional, o Atlético Clube de Portugal passará a figurar entre esses campeões, tal como figura, hoje, entre os Campeões de Portugal”.
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