“Muito trabalho e uma boa combinação de foco, planeamento, ambição e visão estratégica”, esta é a fórmula que Tiago Craveiro apresenta para os sucessos que a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) tem vindo a granjear nos últimos anos, desde a vitória do Euro 2016 da seleção nacional de futebol até à conquista do europeu de futsal no ano passado.
Parte desse palmarés tem sido da responsabilidade do atual diretor geral da FPF, no cargo desde 2012. O trabalho que Tiago Craveiro tem desenvolvido levou-o, inclusive, depois de ser nomeado vice-presidente do Comité de Competições de Seleções da UEFA, a ser convidado pelo presidente dessa mesma instituição, Aleksander Čeferin, para integrar um grupo de trabalho. Este irá analisar as propostas da FIFA da criação de uma nova liga das nações global e a reformulação do Mundial de clubes.
Orador convidado para fazer parte da Soccerex Europe, cimeira que vai reunir a nata do desporto-rei nos próximos dias 5 e 6 de setembro em Oeiras, Tiago Craveiro — defensor das novas tecnologias na modalidade — admitiu numa entrevista dada ao website oficial do evento que a FPF tem de estar conectada "a novas tendências e maneiras de apelar às novas gerações para que o futuro do futebol dentro e fora dos relvados seja salvaguardado”. Como tal, depois da criação da Cidade de Futebol e do canal "11", o diretor fala numa necessidade de alargar o desporto a ainda mais praticantes, não só rapazes como também raparigas.
Estamos aqui na Cidade de Futebol, um centro de treino fantástico. Já passaram mais de três anos desde que foi inaugurado. Como descreveria a importância que tem tido para o desenvolvimento do futebol português?
A criação da cidade do futebol foi um ponto de viragem para nós porque nos permitiu ser muito mais do que uma simples federação. O nosso foco está em tornarmo-nos a casa do futebol português quando se trata de todas as actividades que promovem e protegem o futebol nas mais variadas áreas. Queremos que esta se torne a "cidade de todos" e queremos acolher o maior número possível de eventos e actividades, desde a elite até às bases. Do ponto de vista da infraestrutura, oferecemos condições de trabalho únicas às nossas 25 seleções nacionais, com três campos de futebol de última geração e 11 vestiários. Também hospedamos um dos três únicos centros VAR no mundo, com um foco principal nas novas tecnologias como uma ajuda ao trabalho dos árbitros para melhorar as decisões de jogo. Além disso, conseguimos ampliar a nossa estrutura de serviços com novas áreas como eSports, Customer Relationship Management ou, mais recentemente, o "11" - o primeiro canal de TV de uma federação. E não vamos ficar por aqui: estamos a construir um hotel para apoiar as seleções nacionais e também um museu dedicado à história das seleções nacionais e do futebol português. Pretendemos construir, também, um pavilhão de futsal e uma estrutura dedicada ao futebol de praia.
Fernando Gomes está à frente da FPF há mais de sete anos. Este período coincidiu com muitas conquistas históricas. Qual tem sido o segredo do seu sucesso?
O sucesso exige muito trabalho e eu diria que foi graças a muito trabalho e uma boa combinação de foco, planeamento, ambição e visão estratégica. Temos a sorte de ter em Fernando Gomes um líder com uma visão clara e competências excepcionais e com quem tenho o privilégio de trabalhar. Depois temos uma grande equipa nas diferentes áreas do negócio e contamos com pessoas competentes, conhecedoras, focadas e que não têm medo de inovar.
Estamos satisfeitos com o nosso sucesso, mas é importante que não descansemos sobre os louros. Temos de estar sempre preparados para desafios futuros e novas formas de sermos bem sucedidos. É por isso que também gostaria de dizer que precisamos de estar conectados a novas tendências e maneiras de apelar às novas gerações para que o futuro do futebol dentro e fora dos relvados seja salvaguardado.
O que significou para si e para o futebol português ganhar o Euro 2016?
Esta conquista histórica significou muito para nós e para todo o país. Portugal esteve tão perto tantas vezes.... desde 1966, quando chegámos às meias-finais do Campeonato do Mundo que ambicionávamos ganhar algo importante. Sempre tivemos talento. Depois, no passado recente, estivemos na final do Euro em 2004, nas meias-finais em 2000 e 2012 e nas meias-finais do Campeonato do Mundo de 2006. Não vemos o título no Euro como um ponto de chegada, vemos sim como um ponto de partida para uma nova etapa do desenvolvimento do futebol em Portugal. Somos um país pequeno, mas este título deu a todos a convicção de que podemos vencer qualquer grande competição a qualquer momento. Sempre tivemos o talento, e o mercado de transferências é a prova disso, mas agora temos o pedigree vencedor, assim como uma seleção nacional vencedora, e esse foi o passo necessário para mudar a cultura do futebol português.
Houve muitos outros troféus conquistados.... Futsal EURO, Futebol de Praia, Futebol Juvenil... Pode dizer-nos quais os principais factores que contribuíram para este sucesso?
O futebol é de longe o desporto mais popular em Portugal e isso também tem tido consequências positivas na nossa competitividade internacional. Mas na FPF também albergamos o futsal e futebol de praia.
Em poucos anos tornámos o futsal no desporto mais popular jogado em recinto fechado em Portugal, criando uma liga muito competitiva. Estamos a crescer cerca de 10% ao ano em jogadores de futsal e neste momento a seleção nacional de futsal é campeã europeia, o Sporting é campeão europeu de clubes e a seleção nacional feminina chegou à final europeia contra a Espanha. No futebol de praia fomos Campeões do Mundo em 2015 e recentemente chegámos ao Campeonato do Mundo de 2019 no Paraguai.
No futebol juvenil, a nossa qualidade reflete-se em seis finais europeias de jovens e dois títulos europeus de jovens (sub-19 e sub-17) desde 2012 - só a Espanha se saiu melhor do que nós. Em julho passado, a seleção sub-19 chegou à final do Euro pela terceira vez consecutiva. Metade dos jogadores dessa equipa jogou, durante a época passada, na Liga Revelação, uma nova competição sub-23 que criámos com o objectivo de melhorar a integração dos jovens jogadores portugueses num ambiente competitivo.
Globalmente posso dizer que temos um plano, melhorámos as condições de trabalho e os clubes e jogadores têm a qualidade e fazem o seu trabalho. É por isso que juntos temos tido tanto sucesso.
Portugal sempre teve muito talento e muito potencial, mas nunca ganhou nenhum título com a seleção principal... o que faltava e como conseguiu passar de candidato a vencedor?
No passado recente, mostramos que tínhamos a qualidade e a experiência necessárias para atingir os níveis mais altos, só faltavam os troféus. Acreditamos que, desde 2012, conseguimos criar uma cultura de vitória e uma estrutura de sucesso que começa nas seleções de base e tem na seleção portuguesa o seu produto de excelência. Este trabalho em infraestrutura e mentalidade permitiu que a qualidade individual e o talento dos atletas fossem o fator x e eles fizeram o resto.
De que mais se orgulha desde que assumiu o cargo de CEO da FPF?
O nosso objetivo é promover e proteger o futebol e é disso que mais me orgulho. Acredito que estamos a trabalhar para servir o futebol português e elevar mais ainda os valores portugueses. Temos sido capazes de ser bons embaixadores do país porque os nossos sucessos são os sucessos de Portugal.
Qual é a posição do desenvolvimento do futebol feminino na sua lista de prioridades?
O desenvolvimento do futebol feminino é uma prioridade para nós. Vemos isso como uma questão central no desenvolvimento da nossa sociedade como um todo, porque se trata de dar poder às mulheres e promover a igualdade. Se me pedissem para definir numa frase sobre o que estamos a fazer na FPF, eu responderia: "Estamos a trabalhar para conseguir que mais rapazes e raparigas joguem futebol em Portugal!
Se tivermos em conta que as mulheres representam 53% da população portuguesa, seria pouco razoável não darmos a este tema a importância que ele merece. As mulheres são fundamentais para nós como adeptas e como atletas. Em Portugal, nove em cada dez mulheres jogadoras têm menos de 23 anos. Estamos a crescer cerca de 30% ao ano nas mulheres jovens e 20% nas mulheres em geral. E seguimos a mesma lógica na nossa estrutura interna. em 2012, houve um aumento de 140% no número de mulheres a trabalhar na FPF.
No entanto, o caminho ainda é longo: em cada 100 jogadores de futebol em Portugal, apenas cinco são mulheres. Não é bom. Este rácio tem de mudar - e depressa! O potencial de crescimento do futebol feminino é enorme e vemos essa tendência como uma grande oportunidade.
Acabam de se tornar na primeira federação a lançar um canal de televisão. Quais são os vossos objetivos para esse projeto?
Os mesmos que temos na FPF. Queremos que mais rapazes e raparigas joguem futebol. É por isso que fomos eleitos pelos nossos membros e esse é o nosso principal objetivo, nós queremos mesmo concentrar-nos no desenvolvimento e na participação. Este canal pode ser uma grande ferramenta para nós e não queremos que seja visto como a "FPF TV", queremos que seja visto como o lugar onde todos os amantes do futebol podem ir para acompanhar o jogo que amam.
Acreditamos que este canal pode contribuir para melhorar o ambiente que rodeia o futebol português. Queremos aumentar a exposição de todas as nossas equipas nacionais, desde o futebol feminino, às equipas de jovens, futsal e futebol de praia. Vamos mostrar o panorama do futebol em Portugal e vamos falar sobre o desporto de uma forma positiva e construtiva. Vamos também partilhar as realidades desconhecidas do Futebol Português e de muitos jogadores portugueses que jogam e treinam em todo o mundo.
Como é a sua relação com o presidente da UEFA, Aleksander Čeferin, e que papel pensa que ele teve no desenvolvimento e promoção do futebol europeu durante o seu mandato?
Partilhamos o objectivo de tornar o futebol ainda mais atractivo para os muitos adeptos que temos na Europa e em todo o mundo. Acredito que o presidente da UEFA está no caminho certo para desenvolver o jogo e promover boas soluções para o futuro, em áreas como a transparência, a proteção do jogo, o formato das competições, a solidariedade e a tecnologia. No entanto, não estou em posição de avaliar o seu papel. Penso que o seu trabalho ao longo dos últimos anos fala por si. Como pessoa, ele tem sido uma grande surpresa positiva para mim. Partilhamos muitas visões semelhantes da vida e perspectivas sobre o desenvolvimento do desporto.
Quais são as suas prioridades para o seu próximo mandato?
As minhas metas são projetadas até 2020 e são para o sucesso continuado do nosso trabalho e para o desenvolvimento do futebol em Portugal. Depois disso, espero que o presidente Fernando Gomes me diga se gostaria que eu continuasse a fazer parte desta administração e que continuasse o trabalho que estamos a fazer.
(Por Pedro Pinto/Soccerex)
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