Nunca é fácil participar em eliminatórias de apuramento na Liga dos Campeões. Decorrendo em pleno verão, com as equipas a procurar ganhar rotinas, é mais comum que estas se arrastem em campo do que proporcionem o chamado "show de bola". É um pouco como ter de interromper umas férias ou ser arrancado da cama com sono para voltar ao trabalho: a tarefa vai ter de ser feita, mas talvez não com o brio que seria desejável, corpo presente com a cabeça ausente.
No caso do Futebol Clube do Porto, esse problema adensou-se com um defeso particularmente difícil para os dragões. Tendo perdido algumas peças fulcrais — Felipe, Herrera e Brahimi, entre outros —, foi necessário suprir as lacunas com jogadores novos, que forçaram o clube a fazer avultados investimentos.
Esperava-se que nomes como Zé Luís, Luís Díaz, Renzo Saravia ou Nakajima pudessem fazer parte do onze para o FC Porto resolver desde cedo a eliminatória. Nada disso. Sérgio Conceição, simultaneamente conservador e inovador, deixou o cabo-verdiano e o colombiano no banco, remetendo o argentino e o japonês para a bancada.
Em detrimento dos reforços, o técnico preferiu manter Manafá na lateral direita e a já conhecida dupla Soares e Marega na frente. A maior surpresa terá sido mesmo fazer estrear Romário Baró, com o menino maravilha a jogar descaído no lado direito do meio campo, em apoio a Danilo Pereira e Sérgio Oliveira. De resto, Alex Telles manteve-se a pedra e cal na outra lateral, tendo à sua frente Jesus Corona. Como patrões da defesa, Pepe e Marcano foram chamados para prestar serviço na zona central.
Faltava só saber quem então defenderia as redes do FC Porto, sendo que esta terá sido a verdadeira surpresa da convocatória. Acabado de chegar a Portugal, Agustín Marchesín viu-se catapultado diretamente para o onze inicial, preterindo Vaná. Arriscada, seria ainda assim uma aposta acertada.
Mantendo a matriz tática e uma boa parte do seu onze habitual, seria expectável que o FC Porto chegasse mandão à Rússia — país onde se dá particularmente bem — e pusesse o Krasnodar em sentido. Tal não aconteceu. O FC Porto dominou as ocorrências, sim, mas pouco fez para justificar estar à frente do marcador nos primeiros 45 minutos de jogo.
A exceção veio sob a forma de uma frase que já tantas vezes deixou os adeptos portistas exasperados: Marega falhou um golo cantado. Quem proporcionou o momento ao maliano de desperdiçar esta oportunidade foi um jogador que poucos antecipariam tornar-se tão preponderante durante esta partida. Os ares da Grécia terão feito bem a Sérgio Oliveira enquanto lá esteve emprestado, pois o médio voltou rejuvenescido, com disponibilidade e critério, procurando pegar no jogo. O seu passe a rasgar foi um oásis num deserto de chutos a procurar a profundidade e cruzamentos ingenuamente esperançosos.
Do outro lado, esteve um Krasnodar que tinha bastante mais obrigação de fazer frente ao FC Porto. Certo é que esta é uma jovem equipa sem o pedigree vencedor dos dragões — foram formados apenas em 2008, tendo vindo a crescer de forma sustentada e inteligente. Porém, com quatro jogos oficiais em cima ao fim de um mês de liga russa, foi desesperante ver o seu jogo a equivaler num igual bombardeio de bolas para os extremos à procura de criar perigo.
No pouco que a equipa russa conseguiu incomodar os azuis e brancos, foi sempre pelo lado direito da defesa portista, fruto da falta de entrosamento entre Baró e Manafá. O jovem médio teve uma estreia desastrada ainda que voluntariosa; já o lateral expôs novamente as suas debilidades e valeram-lhe os bombeiros de serviço chamados Pepe e Marcano.
Chegada a segunda parte, Baró deu lugar a Luis Díaz (que não convenceu), Corona mudou-se para a frente de Manafá e a experiência do mexicano ajudou a conter as investidas russas. Para criar perigo, o FC Porto continuou a fazer depender da pressão alta as poucas ocasiões de golo que teve, procurando apanhar o Krasnodar em contrapé.
O marasmo foi-se instalando e, apesar do Krasnodar começar a ganhar um bocadinho mais de à vontade a atacar — aos 58 minutos tem uma oportunidade clara que o extremo Wanderson deitou a perder — era cada vez mais expectável que o resultado permanecesse nulo até ao fim. Porém, num jogo onde o coletivo foi incapaz de sobressair, foi o individual a destacar-se, e por individual entenda-se uma mão e um pé.
Atacante por excelência do Krasnodar, Alif esteve no banco até aos 62 minutos e foi ao substituir Berg que a equipa russa finalmente se tornou perigosa. Uma montanha de homem, o brasileiro naturalizado russo, começou a pivotar bolas para as alas. Foi assim que, a 10 minutos do fim, a equipa de Sergei Matveev podia ter feito levantar o estádio, quando Remy Cabella desferiu um remate letal no coração da área portista. A bola levava selo de golo, não fosse a mão direita de Marchesín, que num rasgo se elevou e sacudiu o esférico para fora. Da bancada, Sérgio Conceição suspirou duplamente: por ter a sua equipa ainda em jogo e por saber ter guarda-redes para o resto da época.
Depois deste ataque, não mais o Krasnodar voltaria a ameaçar da mesma forma. Mas ao FC Porto restava um trunfo. Com Zé Luís já em campo, o cabo-verdiano trabalhou bem à entrada da área russa e deixou-se ceifar para ganhar falta em zona de tiro. Veio então a cena o segundo e derradeiro membro que salvou os dragões. 89 minutos, livre descaído para a esquerda, Sérgio Oliveira, o filho pródigo regressado das terras da Antiguidade, produziu um momento de antologia com o seu pé direito. Aproveitando uma frecha na barreira, a bola seguiu para o fundo das redes e o FC Porto saiu da Rússia com uma vitória importante.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
"You can't teach an old dog new tricks". O ditado inglês serve para dizer que há hábitos tão enraizados que é difícil eliminá-los. Numa nova época onde há muitos jogadores a lutar por um lugar, Sérgio Conceição foi conservador no ataque e optou por Tiquinho e um Marega claramente impróprio para esta fase da temporada, quando Zé Luís ou Nakajima pediam esses lugares. O maliano não mostrou a sua habitual disponibilidade física, e voltou a demonstrar-se perdulário nas poucas ocasiões de que dispôs, ao passo que o brasileiro esteve tão perdido que neste momento deve estar a perguntar-se em que país está.
Sérgio Oliveira, a vantagem de ter duas pernas
Pouco mais será necessário acrescentar ao acima referido: Sérgio Oliveira promete dar uma boa dor de cabeça ao seu homónimo para a época. Num jogo marcado pela falta de critério, o médio parece ter regressado pleno de sabedoria clássica da sua estadia na Grécia. As poucas jogadas do FC Porto que não consistiram em chutão foi Oliveira que as procurou pensar. Foi o seu pé direito que permitiu a Marega desperdiçar escandalosamente um golo cantado; foi o seu pé direito que deixou Soares escapar uma bola de golo dentro da grande área; foi do seu pé direito que saiu o golo que sagrou o dragão vitorioso.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
Em termos de cheiro a bom futebol, os ares de Krasnodar mostraram-se rarefeitos e não houve grandes jogadas vistosas para colar na retina. Para mais tarde recordar só o arco de proporções exatas arquitetado por Sérgio Oliveira sobre a barreira, o túnel criado por Namil por entre as pernas de Manafá e a projeção que Marchesín fez do seu corpo para manter a baliza azul e branca inviolada.
Nem com dois pulmões chegava a essa bola
Pulmões é coisa que Moussa Marega tem, já quanto aos seus pés mantém-se um debate aceso, iniciado há três anos e que teima em não cessar. Não se duvida de tudo aquilo que já deu ao clube, mas o maliano não pode continuar a falhar oportunidades fulcrais como aquela em que disparou ao lado, isolado, aos 12 minutos. Já o tínhamos dito no embate contra o Liverpool na passada época, repetimo-lo agora: falhanços ao mais alto nível pagam-se. A sorte é que o Krasnodar também pouco incomodou.
[Notícia corrigida às 01:48]
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