A final do US Open que deu a vitória à japonesa Naomi Osaka podia ser só uma final surpreendente do ponto de vista desportivo. Surpreendente porque teve a matéria que torna o desporto, em qualquer modalidade, um campo de sonhos. E ontem o sonho foi o de uma miúda de 20 anos que venceu a tenista que idolatra, nada mais nada menos que Serena Williams. Mas a notícia não foi só essa - no epicentro desta final esteve um nome português, Carlos Ramos, o árbitro da partida a quem Serena Williams chamou ladrão e exigiu um pedido de desculpas.
Não é frequente darmos pelos árbitros nas partidas de ténis. Eles estão lá. sentados bem acima do nível do court para poderem ter uma vista privilegiada do jogo e, ainda que lhes caiba variadíssimas decisões como em qualquer jogo, são um elemento secundário - afinal, os olhos dos adeptos estão centrados nos tenistas. Não foi o caso de ontem numa partida transmitida à escala global. Em uma hora e dezanove minutos de jogo - que foi quanto durou - foram várias as vezes em que as câmaras se centraram no árbitro português e nas suas interações com Serena Williams. E porque foi uma partida de um torneio de topo existiram todas as condições para se ouvir o que a tenista foi dizendo a Carlos Ramos ao longo das três advertências que lhe foram feitas e até ao momento final em que foi derrotada por Naomi Osaka.
Num primeiro momento, Carlos Ramos fez uma advertência (warning) a Williams por “coaching”, ou seja, por estar a receber indicações do seu treinador, o francês Patrick Mouratoglou, a partir da bancada, o que não é permitido de acordo com as regras do ténis (ainda que seja frequentemente discutido). “Eu tenho uma filha, não sou batoteira. Prefiro perder a fazer batota”, atirou Serena ao árbitro a quem se dirigiu em tom de protesto.
Seguiu-se uma segunda advertência, quando a tenista, irritada por ter perdido um ponto, atirou com a raquete ao chão, partindo-a, numa situação a fazer lembrar, para quem segue a modalidade há mais anos, os famosos ataques de raiva de John McEnroe. Serena voltou a dirigir-se ao árbitro exigindo um pedido de desculpas por estar a ser, na sua opinião, discriminada com as advertências.
Se o confronto entre a jogadora e o árbitro já se tinha transformado numa espécie de partida paralela com a mantida no court frente a Osaka, o copo transbordou de vez com Serena a chamar ladrão e mentiroso a Carlos Ramos, o que lhe valeu a terceira advertência e consequentemente a penalização de um jogo. A tenista não se conteve, gesticulou e exigiu explicações a Carlos Ramos e pediu mesmo a interferência dos supervisores, tendo afirmado inclusive que o árbitro só a estava a tratar assim por ser mulher. Mas a penalização manteve-se - um jogo perdido para a tenista americana.
Mais irritada que nunca voltou ao court, numa altura em que a adversária estava já à beira da vitória, e deu luta - ganhou os dois primeiros lançamentos mas veio a perder o terceiro e consequentemente o jogo e a final. Naomi Osaka venceu Serena Williams, com os parciais de 6-2 e 6-4.
Mas a norte-americana não saiu do campo sem voltar a repetir a Carlos Ramos que este lhe devia um pedido de desculpas. Na conferência de imprensa, garantiu que na primeira advertência de que foi alvo não estava a receber indicações do seu treinador - "eu nunca faço isso, pode parecer estranho, mas no court é o meu momento de paz, sou eu que tenho de resolver, e é assim que sempre faço" -, terminando a dizer que a sua reação foi em nome da igualdade de tratamento para as mulheres no ténis já que o árbitro "nunca penalizou com um jogo um homem por lhe ter chamado ladrão". "Vou continuar a lutar pelas mulheres (...) o que fiz hoje pode ser um exemplo para quem vem a seguir, e que deve poder expressar as suas emoções. Não resultou para mim, mas vai resultar para as próximas".
Já esta manhã foi tornado público que Serena Williams foi multada em 17 mil dólares pela sua conduta na final do US Open, e a história não deverá ficar por aqui. A ex-tenista Billie Jean King e a National Organization for Women já se pronunciaram sobre o que aconteceu, considerando que existe duplo critério no ténis na forma como trata mulheres e homens.
A exaltação de Serena contrastou com a pelo menos aparente serenidade com que Carlos Ramos foi respondendo aos vários episódios. Não sendo um nome conhecido da maioria dos portugueses, é um nome bem conhecido no ténis internacional, tendo arbitrado já várias partidas com os principais nomes do ténis mundial. Incluindo estrelas como Nadal e Djokovic que, sendo homens, foram igualmente alvo do rigor com que aplica advertências em campo, como se pode ver, por exemplo, nesta partida.
Tem 47 anos, é considerado um dos melhores árbitros do mundo (uma elite de cerca de três dezenas que tem o certificado mais elevado) e já esteve nas finais dos quatros Grand Slams (Austrália, Roland Garros, Wimbledon e Estados Unidos), tendo arbitrado também a final do torneio de ténis dos Jogos Olímpicos, em Londres, em 2012.
Iniciou a carreira de árbitro internacional em 1991 quando percebeu que não seria um grande jogador de ténis, modalidade que descobriu aos 11 anos de idade, como contou nesta entrevista ao Observador realizada em 2015. Nessa mesma entrevista, referiu-se aos jogadores mais conflituosos nos seguintes termos: “(…) em situações de conflito com o árbitro sentem logo se ele está à vontade ou não. Se demonstra receio, medo ou falta de coragem, aí alguns caem em cima. E depois há situações, quando está muito coisa em jogo ou quando há mais nervos, em que o árbitro tem mesmo de ter uma atitude muito segura de si. E a linha que separa um árbitro seguro de si de um que é arrogante, é muito fina. Um árbitro não pode dar a impressão de arrogância aos tenistas, é das coisas que eles têm mais dificuldade em aceitar. O importante é ser seguro e convincente”.
Artigo atualizado com informação adicional às 18h08m.
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